Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Vamos ao terceiro turno?

 

Seja feita a vossa vontade!

 


As palavras têm poder!

  

Eduardo Pitta - Agora que as palavras secaram

Se este poema de Pitta equivale a uma carta de amor terminal, seria ele ridículo, segundo o entendimento de Pessoa? Pergunta inoportuna? Seja como for, o amor que finda, por mais tormentoso que haja sido, sempre terá valido a pena se as almas envolvidas não forem “pequenas” – conforme outra das máximas do aludido poeta!

 

No caso das infratranscritas linhas, restou o silêncio em meio ao correr inapelável dos dias. Mas também a lembrança do que, em tal relacionamento, havia de “original”: a própria turbulência, os sorrisos dissimulados ou falsamente exteriorizados, e mesmo o cenário vetusto da viela onde os amantes faziam amor.

 

Na aridez derradeira, o poema é o que sobeja, para demarcar a história que se passou no trânsito de equivalência entre a matéria – o desejo carnal, em sua expressão erótico-libidinosa –, e a energia – psíquica ou espiritual , pois o amor é a força motriz perpetuadora do universo, no vórtice dos éons.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eduardo Pitta

(n. 1949)

 

Agora que as palavras secaram

 

Agora que as palavras secaram

e se fez noite

entre nós dois,

agora que ambos sabemos

da irreversibilidade

do tempo perdido,

resta-nos este poema de amor e solidão.

 

No mais é o recalcitrar dos dias,

perseguindo-nos, impiedosos,

com relógios,

pessoas,

paredes demasiado cinzentas,

todas as coisas inevitavelmente

lógicas.

 

Que a nossa nem sequer foi uma história

diferente.

A originalidade estava toda na pólvora

dos obuses, no circunstanciado

afivelar

dos sorrisos à nossa volta

e no arcaísmo da viela onde fazíamos amor.

 

Em: “Sílaba a Sílaba” (1974)

 

O aconchego do lar

(Georgiana Romanovna: artista australiana)

 

Referência:

 

PITTA, Eduardo. Agora que as palavras secaram. In: __________. Desobediência: poemas escolhidos. Prefácio de Nuno Júdice. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 2011. p. 46.

domingo, 30 de outubro de 2022

Gerard Manley Hopkins - Paz

Pleno de questionamentos sobre a verdadeira Paz – pomba a pairar nas cercanias, mas que tem o dom de iludir, já que evasiva –, este “soneto abreviado” de Hopkins, de longos versos alexandrinos, sintetiza o que lhe evoca a relação em apreço, quando lhe “faz casa”: vem “para trabalhar”, ou seja, “não para arrulhar, senão para pôr e chocar”.

 

A voz lírica opõe a Paz, como um centro ou oásis de calma ou de remanso, ao seu oposto, à Guerra, propagadora de ameaças e de mortes: uma Paz digna do nome jamais “reverencia” o seu oposto, ou por outra forma – comentando-se à luz do fato de Hopkins haver pertencido à ordem dos jesuítas –, um liame sagrado jamais pode se fundar em pressupostos profanos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Gerard Manley Hopkins

(1844-1889)

 

Peace

 

When will you ever, Peace, wild wooddove, shy wings shut,

Your round me roaming end, and under be my boughs?

When, when, Peace, will you, Peace? I’ll not play hypocrite

To own my heart: I yield you do come sometimes; but

That piecemeal peace is poor peace. What pure peace allows

Alarms of wars, the daunting wars, the death of it?

 

O surely, reaving Peace, my Lord should leave in lieu

Some good! And so he does leave Patience exquisite,

That plumes to Peace thereafter. And when Peace here does house

He comes with work to do, he does not come to coo,

He comes to brood and sit.

 

In: “Poems of 1876-1889”

 

Plantando a Paz

Chad Glass: artista norte-americano)

 

Paz

 

Paz, pomba rude, quando não mais perto estarás,

Mas já dentro em meus galhos, quietas, calmas as asas?

Quando, Paz, nunca? Não será a mentira suporte

Para o meu coração: sei, sim, que às vezes vens; mas

A paz parca é paz dura. Que paz pura nos traz as

Ameaças assassinas, guerras, sua própria morte?

 

Por certo, ó Paz furtada, meu Senhor em lugar

Deixa algum bem – Paciência perfeita cujo porte

Empluma à Paz após. Mas se a Paz em mim faz casa,

É para trabalhar, apenas pôr e chocar:

Não traz canto que conforte.

 

Referência:

 

HOPKINS, Gerard Manley. Peace / Paz. Tradução de Luís Gonçales Bueno de Camargo. In: PAES, José Paulo (Organização, Nota Liminar e Posfácio). Transverso: coletânea de poemas traduzidos. Edição multilíngue. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1988. Em inglês: p. 32; em português: p. 33.

sábado, 29 de outubro de 2022

Pesquisas a um dia do segundo turno (29/10/2022)

Façam as suas apostas: qual a pesquisa, entre as abaixo apresentadas, ficará com os números mais aderentes ao que ocorrerá amanhã, data em que realizar-se-á o segundo turno das eleições presidenciais?

 

Impende reiterar o que se passa com os dados do supracitado quadro: trata-se de um cálculo conservador, mantendo na média final apenas aqueles dados que se situam na faixa da média da amostra e mais ou menos um desvio-padrão, isto para tentar neutralizar possíveis vieses dos institutos de pesquisa.

 

Como se observa, o montante de votos favoráveis a Lula em relação a Bolsonaro sofreu uma constrição em relação ao levantamento anterior, estando hoje na casa dos 4 (quatro) milhões de votos.

 

Mas vai aqui uma estimativa expedita: o percentual de votos no Bolsonaro é sempre uma dúvida, em razão de que os seus eleitores muitas vezes se recusam a externar a sua opção. No primeiro turno, entre os institutos que apresentaram pesquisas, o Atlas/Intel foi o que mais se aproximou ao percentual do precitado candidato, vale dizer, 41,1% (estimado) x 43,2 (real) dos votos totais, uma diferença, portanto, de 2,1%.

 

Nesse sentido, supondo que tal diferença se mantenha amanhã em favor de Bolsonaro, a média estimada no quadro abaixo subiria para 47,3%, o que reduziria o montante de votos entre os dois candidatos para algo da ordem de 1,3 milhão. Mais conservador ainda, adotando a hipótese de que o ex-presidente Lula vença o pleito amanhã, não me espantaria se a diferença final ficasse entre 0,7 milhão e 1,3 milhão de votos. Eis a minha bola de cristal! (rs)

 

Vejamos...


J.A.R. – H.C.

 

Pedro Mexia - Os Significados

Na origem, o símbolo, prenhe de significados. Ou seria: na origem, o “Big Bang”, que leva a mais indagações do que elucida, de uma vez por todas, o “ponto zero” do universo? Daí a perplexidade do poeta: “É impossível fazer estilhaços de estilhaços sem uma coerência primeira, agora ausente”.

 

Para se perceber a complexidade do tema, um pensamento de Jung contido em “Problèmes de L’Ame Moderne” (“Problemas da Alma Moderna”): “Um símbolo nada encerra, nada explica; remete para além de si mesmo, em direção a um significado – e ainda nesse além, inapreensível, obscuramente pressentido, tal que nenhuma palavra da linguagem que falamos poderia expressá-lo de modo satisfatório”. (JUNG, 1960, p. 92)

 

Mexia reporta-se à “infância”. Quero crer que se refira, propriamente, menos ao estágio inicial da vida de uma criança do que à uma metáfora para o início das coisas, lá onde tudo encontraria as suas explicações e significados, recolhidos a um “caderno”. E eis-nos aqui à volta de mais uma insígnia do orto – os “primeiros cadernos” –, designativo para muitas das obras verdoengas de poetas e escritores.

 

J.A.R. – H.C.

 

Pedro Mexia

(n. 1972)

 

Os Significados

 

Não sei como tudo começou: suponho

que havia uma figura que depois

se estilhaçou para formar um puzzle.

Mas se juntarem todas as peças

talvez não haja nenhuma figura, e então

de que origem intacta partiu tudo

o que depois se quebrou? É impossível

fazer estilhaços de estilhaços sem uma

coerência primeira, agora ausente.

Quando todas as peças se juntam

estaremos reduzidos ainda a uma peça

de uma figura maior, ou essa figura

é uma utopia pragmática, instrumental,

que permite algum sentido?

 

Ó significados, para vós, na infância,

tinha um caderno.

 

Em: “Duplo Império” (1999)

 

Forma Livre

(Jackson Pollock: pintor norte-americano)

 

Referências:

 

JUNG, Carl Gustav. Problêmes de l’âme moderne. Préface de Roland Cahen. Traduction par Yves le Lay. Paris, FR: Buchet/Chastel-Corrêa, 1960.

 

MEXIA, Pedro. Os significados. In: __________. Menos por menos: poemas escolhidos. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 2011. p. 13.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Jay Parini - A Função do Inverno

O poeta expressa sua preferência pelas estações do ano mais frias, ou seja, o outono e, sobretudo o inverno, durante as quais as estantes do porão da casa ficam aprovisionadas de mantimentos para um período tão longo de uma paisagem monotônica, hibernal, muito embora, por outro lado, a temporada o sustenha com um “coração quente” e a “cabeça deveras fascinada por si própria para pensar”.

 

É o entorpecimento do inverno, alusão às brumas frias e cinzentas, aos ventos e tempestades de gelo ou de neve a bloquearem o livre trânsito sobre a terra, à emigração das andorinhas: um tempo que leva muitos a certa e extrema angústia, em razão do encurtamento dos dias. Mas em compensação, também um emblema da previdência que se processa em seu subterrâneo, até que tudo se renove pelo advento da primavera.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jay Parini

(n. 1948)

 

The Function of Winter

 

I’m for it, as the last leaves shred

or powder on the floor, as sparrows find

the driest footing, and November rains

fall hard as salt sprayed over roads.

The circulating spores take cover

where they can, and light runs level

to the ground again: no more the vertical

blond summer sheen that occupies a day,

but winter flatness – light as part of things,

not things themselves. My hearts in storage

for the six-month siege we re in for here,

laid up for use a little at a time

like hardtack on a polar expedition,

coveted though stale. Ideas, which in

summer hung a crazy jungle in my head,

subside now, separate and gleam in parts;

I braid them for display on winter walls

like garlic tails or onions, crisp hay wreaths.

One by one, I’ll pluck them into spring.

If truth be told, I find it easier

to live this way: the fructifying boom

of summer over, wild birds gone, and wind

along the ground where cuffs can feel it.

Everything’s in reach or neatly labeled

on my basement shelves. I’m ready to begin

to see what happened when my heart was hot,

my head too dazzled by itself to think.

 

In: “Town Life” (1983-1988)

 

Paisagem de Inverno

(Caspar David Friedrich: pintor alemão)

 

A Função do Inverno

 

Estou a par, basta ver as últimas folhas fragmentadas

ou esfaceladas sobre o solo, bem assim os pardais que são

atraídos pelas hastes mais secas, e as chuvas de novembro

caindo com força, que nem sal pulverizado sobre as estradas.

Os esporos em dispersão se acomodam

onde podem, e a luz volta a correr

ao nível do solo: não mais o flavo

brilho vertical do verão a ocupar um dia,

senão a monotonia do inverno – a luz como parte das coisas,

não as coisas em si mesmas. Meus corações fornidos estão

aprovisionados para o cerco de seis meses que aqui

nos espera,

retidos para serem usados um pouco a cada vez

como biscoitos de bordo em uma expedição polar –

cobiçados, ainda que rançosos. As ideias, que no

verão faziam pender um louco jângal em minha cabeça,

agora se dissipam, se separam e brilham por partes;

urdo-as para exibi-las nas paredes invernosas como tranças

de bulbos de alho ou de cebolas, guirlandas congelantes

de feno.

Uma a uma, vou arrancá-las na primavera.

A bem da verdade, reputo mais fácil

viver assim: o auge frugífero do verão

já consumado, as aves silvestres em debandada, e o vento

a percorrer o solo, onde os punhos podem senti-lo.

Tudo está ao alcance da mão ou bem etiquetado

nas estantes de meu porão. Estou pronto para começar

a ver o que se passou enquanto meu coração esteve quente,

minha cabeça deveras fascinada por si própria para pensar.

 

Em: “Vida Urbana” (1983-1988)

 

Referência:

 

PARINI, Jay. The function of winter. In: __________. New and collected poems: 1975-2015. Boston, MA: Beacon Press, 2016. p. 167.