Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Hilda Hilst - Elegia Quarta

A poetisa imagina-se a viver na mais pura naturalidade, longe de todos os pensamentos, como “boi, flor ou paisagem”, ou melhor, tendo um único pensamento, vale dizer, o de ter a mente vazia: dirigindo-se a um interlocutor, roga-lhe que reserve o seu sorriso aos homens que se consomem no afã de tornarem-se “oradores, eruditos, doutos doutores”.

 

E ao transmudar-se em boi, a voz poética ambiciona verter-se em ternura, ainda que possa parecer loucura a terceiros. O fato é que são os pensamentos, a consciência do ser, as necessidades de mantença, os limites da existência, o passamento etc. o que torna mais aflitivo o curso de nossas vidas. Esvaziar a mente, como em algumas práticas de meditação, pode levar-nos a restabelecer alguma condição de equilíbrio.

 

J.A.R. – H.C.

 

Hilda Hilst

(1930-2004)

 

Elegia Quarta

 

Não te espantes da vontade

Do poeta

Em transmudar-se:

Quero e queria ser boi

Ser flor

Ser paisagem.

Sentir a brisa da tarde

Olhar os céus, ver às tardes

Meus irmãos, bezerros, hastes,

Amar o verde, pascer,

Nascer

Junto à terra

(À noite amar as estrelas)

Ter olhos claros, ausentes,

Sem o saber ser contente

De ser boi, ser flor, paisagem.

Não te espantes. E reserva

Teu sorriso para os homens

Que a todo custo hão de ser

Oradores, eruditos,

Doutos doutores

Fronte e cerne endurecido.

Quero e queria ser boi

Antes de querer ser flor.

E na planície, no monte,

Movendo com igual compasso

A carcaça e os leves cascos

(Olhando além do horizonte)

Um pensamento eu teria:

Mais vale a mente vazia.

 

E sendo boi, sou ternura.

Aunque pueda parecer

Que del poeta

Es locura.

 

Bois no pasto

(Friedrich Otto Gebler: pintor alemão)

 

Referência:

 

HILST, Hilda. Elegia quarta. In: __________. Exercícios. 1. ed. São Paulo, SP: MEDIAfashion, 2012. p. 221-222. (Coleção Folha. Literatura ibero-americana; v. 24)

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