A poetisa imagina-se
a viver na mais pura naturalidade, longe de todos os pensamentos, como “boi, flor
ou paisagem”, ou melhor, tendo um único pensamento, vale dizer, o de ter a
mente vazia: dirigindo-se a um interlocutor, roga-lhe que reserve o seu sorriso
aos homens que se consomem no afã de tornarem-se “oradores, eruditos, doutos doutores”.
E ao transmudar-se em
boi, a voz poética ambiciona verter-se em ternura, ainda que possa parecer
loucura a terceiros. O fato é que são os pensamentos, a consciência do ser, as
necessidades de mantença, os limites da existência, o passamento etc. o que
torna mais aflitivo o curso de nossas vidas. Esvaziar a mente, como em algumas
práticas de meditação, pode levar-nos a restabelecer alguma condição de equilíbrio.
J.A.R. – H.C.
Hilda Hilst
(1930-2004)
Elegia Quarta
Não te espantes da
vontade
Do poeta
Em transmudar-se:
Quero e queria ser
boi
Ser flor
Ser paisagem.
Sentir a brisa da
tarde
Olhar os céus, ver às
tardes
Meus irmãos,
bezerros, hastes,
Amar o verde, pascer,
Nascer
Junto à terra
(À noite amar as
estrelas)
Ter olhos claros,
ausentes,
Sem o saber ser
contente
De ser boi, ser flor,
paisagem.
Não te espantes. E
reserva
Teu sorriso para os
homens
Que a todo custo hão
de ser
Oradores, eruditos,
Doutos doutores
Fronte e cerne
endurecido.
Quero e queria ser
boi
Antes de querer ser
flor.
E na planície, no
monte,
Movendo com igual
compasso
A carcaça e os leves
cascos
(Olhando além do
horizonte)
Um pensamento eu
teria:
Mais vale a mente
vazia.
E sendo boi, sou
ternura.
Aunque pueda parecer
Que del poeta
Es locura.
Bois no pasto
(Friedrich Otto
Gebler: pintor alemão)
Referência:
HILST, Hilda. Elegia
quarta. In: __________. Exercícios. 1. ed. São Paulo, SP: MEDIAfashion,
2012. p. 221-222. (Coleção Folha. Literatura ibero-americana; v. 24)
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