Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 30 de junho de 2019

Galway Kinnell - Quando se viveu muito tempo sozinho

O excerto abaixo diz respeito à seção 10 (dez) de um longo poema com 11 (onze) seções, de autoria de Galway Kinnell, como se poderá ratificar por meio deste endereço na internet: o autor afirma que a vida contínua de eremita não é para o ser humano, um ser social – ou melhor, político – por natureza, como já há mais de dois mil anos afirmara o grande filósofo estagirita.

Por alguns momentos, ao verter ao português o poema, acorreram-me ‘insights’ da leitura do primeiro volume de “O Segundo Sexo”, de Simone Beauvoir, um amplo estudo de como se processam os vínculos entre os seres vivos na natureza, com especial ênfase sobre as relações macho-fêmea e o correspondente ciclo de reprodução.

J.A.R. – H.C.

Galway Kinnell
(1927-2014)

When one has lived a long time alone

When one has lived a long time alone,
and the hermit thrush calls and there is an answer,
and the bullfrog, head half out of water, remembers
the exact sexual cantillations of his first spring,
and the snake slides over the threshold and disappears
among the stones, one sees they all live
to mate with their kind, and one knows,
after a long time of solitude, after the many steps taken
away from one’s kind, toward the kingdom of strangers,
the hard prayer inside one’s own singing
is to come back, if one can, to one’s own,
a world almost lost, in the exile that deepens,
when one has lived a long time alone.

Sozinha na cidade
(Svetlana Vorobyeva: pintora russa)

Quando se viveu muito tempo sozinho

Quando se viveu muito tempo sozinho,
e o tordo-eremita chama e obtém uma resposta,
e a rã-touro, com meia cabeça fora d’água, recorda
as exatas cantilenas sexuais de sua primavera primeira,
e a serpente desliza sobre o umbral e desaparece
entre as pedras, vê-se que todos vivem
para acasalar-se com os de sua espécie, e sabe-se,
depois de um longo tempo de solidão, e muitos passos dados
longe dos pares, em direção ao reino de desconhecidos,
que a fervorosa oração a encerrar o seu próprio canto
postula regressar, se for possível, por sua conta,
a um mundo quase perdido, no exílio que se adensa,
quando se viveu muito tempo sozinho.

Referência:

KINNELL, Galway. When one has loved a long time alone. In: KEILLOR, Garrison (Selector and Introducer). Good poems. New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 15.

sábado, 29 de junho de 2019

Charles Bukowski - o minuto

Há quem fique a dissipar o tempo, na expectativa de que, ao final, venha a ganhar algo com isso, sem nada fazer em frente à televisão, expondo-se à brutalização e à manipulação pelos meios de comunicação de massa, os quais, em última instância, somente aspiram por sua própria sobrevivência – nem que para isso coloquem o regime democrático de direito no lixo, como se tem feito nos últimos anos nestas plagas!

Um minuto, diriam alguns, é um nada, muito embora, em sucessão, possam fazer diferença: a vida é curta demais e até para se relaxar tem-se que avaliar o momento oportuno, pois em todo o agir humano há um custo de oportunidade, cabendo a cada qual apurar a situação que lhe traga o melhor retorno custo-benefício.

J.A.R. – H.C.

Charles Bukowski
(1920-1994)

the minute

“I am always fighting for the next
minute,” I tell my wife.
then she begins to tell me
how mistaken I am.
wives have a way of not
believing what their husbands
tell them.

the minute is a very sacred
thing.
I have fought for each one since my
childhood.
I continue to fight for each one.
I have never been bored or
at a loss what to do next.
even when I do nothing,
I am utilizing my time.

why people must go to
amusement parks or movies
or sit in front of tv sets
or work crossword puzzles
or go to picnics
or visit relatives
or travel
or do most of the things
they do
is beyond me.
they mutilate minutes,
hours,
days,
lifetimes.
they have no idea of how
precious is a
minute.

I fight to realize the essence
of my time.
this doesn’t mean that
I can’t relax
and take an hour off
but it must be
my choosing.

to fight for each minute is to
fight for what is possible within
yourself,
so that your life and your death
will not be like
theirs.

be not like them
and you will
survive.

minute by
minute.

Não desperdice o tempo
(Jaroslaw Jaśnikowski: pintor polonês)

o minuto

“eu estou sempre lutando pelo próximo
minuto”, digo à minha mulher.
então ela começa a me dizer
o quanto estou enganado.
mulheres têm um jeito de não
acreditar no que seus maridos
lhes dizem.

o minuto é uma coisa muito
sagrada.
lutei por cada um deles desde a minha
infância.
eu continuo a lutar por cada um deles.
nunca fiquei chateado ou
sem saber o que fazer em seguida.
mesmo quando não faço nada,
eu estou utilizando meu tempo.

por que pessoas têm que ir a
parques de diversão ou ao cinema
ou ficar sentadas diante dos aparelhos de TV
ou resolver palavras cruzadas
ou ir a piqueniques
ou visitar parentes
ou viajar
ou fazer a maior parte das coisas
que elas fazem
está além da minha compreensão.
elas mutilam minutos,
horas,
dias,
vidas inteiras.
elas não têm ideia do quanto
um minuto
é precioso.

luto para entender a essência
do meu tempo.
isso não significa que
eu não possa relaxar
e tirar uma hora de folga
mas deve ser
minha escolha.

lutar por cada minuto é
lutar pelo que é possível dentro
de você,
de modo que sua vida e sua morte
não sejam iguais
às delas.

não seja como elas
e você irá
sobreviver.

minuto a
minuto.

Referências:

Em Inglês

BUKOWSKI, Charles. the minute. In: __________. The people look like flowers at last: new poems. Edited by John Martin. New York, NY: HarperCollins e-books, 2008. p. 23-24.

Em Português

BUKOWSKI, Charles. o minuto. Tradução de Claudio Willer. In: __________. As pessoas parecem flores finalmente. Editado por John Martin. Tradução de Claudio Willer. 1. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2015. p. 33-34.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Guilherme Figueiredo - Uns morrem na batalha, outros morrem de fome

Primeiramente uma rápida observação: o soneto abaixo tem por autor um dos irmãos do ex-presidente da República João Figueiredo, nomeadamente, Guilherme de Oliveira Figueiredo, que, formado em Direito, atuou também como dramaturgo, tradutor, crítico de teatro e, como se nota, poeta.

Vê-se no soneto certa mirada cética em relação às contingências da vida, tão marcadas por antinomias que os humanos persistem em acentuar: como se afirma naquela canção “A novidade”, interpretada pelo grupo “Paralamas do Sucesso”, em 1986 – “oh mundo tão desigual, de um lado este carnaval, de outro a fome total”...

J.A.R. – H.C.

Guilherme Figueiredo
(1915-1997)

Uns morrem na batalha, outros morrem de fome

Uns morrem na batalha, outros morrem de fome
Outros atrás da glória, outros de encontro ao muro
Outro rola já podre e podre o verme o come
Outro tomba no chão como um fruto maduro

Há quem tenha pavor de ver que a vida some
Há quem clame por luz ao ver o nada escuro
Este há que por Inferno o Paraíso tome
Este crê repousar após um dia duro

De bravo ou de covarde ou de sábio ou de ignaro
De esbanjador de si, do próprio sangue avaro
De beijos, de ser sé, de amor não respondido

De sede de prazer, de gula de carinho
De desprezo, de horror, de fumos e de vinho
E não sabe ninguém porque terá vivido.

Na seção “Cantigas de Escárnio e de Maldizer”

Fé, fúria, medo, peixe e destino
(Robert Zurer: pintor norte-americano)

Referência:

FIGUEIREDO, Guilherme. Uns morrem na batalha, outros morrem de fome. In: __________. Ração de abandono e outros poemas. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Cátedra; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1978. p. 60.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Anne Sexton - Bem-vinda Manhã

Uma ode à beleza do cotidiano, num despertar dos sentidos para a vida própria que todas as coisas possuem, mesmo as que consideramos inanimadas, como uma escova de cabelo, uma chaleira, uma cadeira ou uma chávena: tal é o enredo do poema de Sexton, que, com tanta alegria a cada manhã, só pensa em compartilhá-la com os seus leitores.

É a apologia do universo extático, a iniciar-se com a alvorada numa forma ritual: a vida tem o seu brilho quando por ela passamos com o propósito de melhorar o mundo e, ao mesmo tempo, desfrutá-lo. Não seria a felicidade uma espécie de crédito que resulta do desígnio de se atribuir significado às nossas mais comezinhas experiências?!...

J.A.R. – H.C.

Anne Sexton
(1928-1974)

Welcome Morning

There is joy
in all:
in the hair I brush each morning,
in the Cannon towel, newly washed,
that I rub my body with each morning,
in the chapel of eggs I cook
each morning,
in the outcry from the kettle
that heats my coffee
each morning,
in the spoon and the chair
that cry “hello there, Anne”
each morning,
in the godhead of the table
that I set my silver, plate, cup upon
each morning.

All this is God,
right there in my pea-green house
each morning
and I mean,
though often forget,
to give thanks,
to faint down by the kitchen table
in a prayer of rejoicing
as the holy birds at the kitchen window
peck into their marriage of seeds.

So while I think of it,
let me paint a thank-you on my palm
for this God, this laughter of the morning,
lest it go unspoken.

The Joy that isn’t shared, I’ve heard,
dies young.

Veneza pela manhã
(Evgenia Klimenko: pintora ucraniana)

Bem-Vinda Manhã

Há alegria
em tudo:
no cabelo que escovo todas as manhãs,
na toalha de banho, recém-lavada,
com que me esfrego o corpo todas as manhãs,
na pilha de ovos que cozinho
todas as manhãs,
no sibilo da chaleira
que aquece meu café
todas as manhãs,
na colher e na cadeira
como que a exclamar “olá, Anne”
todas as manhãs,
no nume da mesa
sobre a qual eu ponho o talher, o prato e a chávena
todas as manhãs.

Tudo isso é Deus,
precisamente ali em minha casa verde-ervilha
todas as manhãs
e tenciono,
ainda que amiúde me esqueça,
dar graças,
reclinar-me dignamente junto à mesa da cozinha
em uma oração de regozijo
quando as aves sagradas na janela da cozinha
bicam em sua boda de sementes.

Então, enquanto assim medito, deixem-me retratar
um agradecimento com as palmas de minha mão
a esse Deus, a esse riso da manhã,
para que isso não fique meramente implícito.

A Alegria não compartilhada, ouvi dizer,
morre jovem.

Referência:

SEXTON, Anne. Welcome morning. In: KEILLOR, Garrison (Selector and Introducer). Good poems. New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 5-6.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Elizabeth Bishop - Brasil, 1º de Janeiro de 1502

Bishop relembra, neste poema, o momento em que os portugueses, ao navegarem pela costa leste do continente recém-descoberto, depararam com uma baía que imaginaram ser um grande rio e o nomearam a partir da quadra em fruição – Rio de Janeiro –, passando a reivindicá-lo como parte de seu império.

Observe-se que Bishop se utiliza de uma epígrafe extraída a uma obra do grande historiador de arte inglês Kenneth Clark, a saber, “Landscape into Art” (“Paisagem na Arte”), de 1949, com o objetivo de evidenciar o quanto da percepção do ocidente em relação à região tem a ver com a estética então em voga, plena de representações previamente tipificadas, com formulações simbólicas próprias.

Ao olhar da poetisa, a paisagem tropical do Rio assoma em sua magnitude, densidade e variedade: citam-se as folhas gigantes, samambaias monstruosas, flores com nenúfares imensos, sem que haja um centímetro quadrado carente de folhagem, tudo mesclado por cores que abarcam o amplo espectro da paleta.

Na tentativa de mostrar como poetas de vários idiomas e épocas descrevem coisas e lugares, movo-me entre muitas vidas, rostos e indumentárias, a cada vez identificando-me com um personagem; e salto no tempo e na geografia. Assim, quanta distância há entre a China e o Brasil (*), tal como era à época em que não tinha esse nome, quando os primeiros brancos desembarcaram em suas costas e ocorreu um enfrentamento entre a civilização católica romana e a natureza, com sua sensualidade demoníaca e inocente, bem assim com o povo de lá, “selvagens”, “filhos da natureza”. Ou talvez esse choque seja como o representamos – nós e Elizabeth Bishop, que, ademais, viveu muito tempo no Brasil e descreveu uma paisagem por ela muito bem conhecida (MILOSZ, 1998, p. 121).

J.A.R. – H.C.

Elizabeth Bishop
(1911-1979)

Brazil, January 1, 1502
… embroidered nature… tapestried landscape.
Landscape into Art, by Sir Kenneth Clark

Januaries, Nature greets our eyes
exactly as she must have greeted theirs:
every square inch filling in with foliage –
big leaves, little leaves, and giant leaves,
blue, blue-green, and olive,
with occasional lighter veins and edges,
or a satin under leaf turned over;
monster ferns
in silver-gray relief,
and flowers, too, like giant water lilies
up in the air – up, rather, in the leaves –
purple, yellow, two yellows, pink,
rust red and greenish white;
solid but airy; fresh as if just finished
and taken off the frame.

A blue-white sky, a simple web,
backing for feathery detail:
brief arcs, a pale-green broken wheel,
a few palms, swarthy, squat, but delicate;
and perching there in profile, beaks agape,
the big symbolic birds keep quiet,
each showing only half his puffed and padded,
pure-coloured or spotted breast.
Still in the foreground there is Sin:
five sooty dragons near some massy rocks.
The rocks are worked with lichens, gray moonbursts
splattered and overlapping,
threatened from underneath by moss
in lovely hell-green flames,
attacked above
by scaling-ladder vines, oblique and neat,
“one leaf yes and on leaf no” (in Portuguese).
The lizards scarcely breathe; all eyes
are on the smaller, female one, back-to,
her wicked tail straight up and over,
red as red-hot wire.

Just so the Christians, hard as nails,
tiny as nails, and glinting,
in creaking armor, came and found it all,
not unfamiliar:
no lovers’ walks, no bowers,
no cherries to be picked, no lute music,
but corresponding, nevertheless,
to an old dream of wealth and luxury
already out of style when they left home –
wealth, plus a brand-new pleasure.
Directly after Mass, humming perhaps
L’ Homme armé or some such tune,
they ripped away into the hanging fabric,
each out to catch an Indian for himself –
those maddening little women who kept calling,
calling to each other (or had the birds waked up?)
and retreating, always retreating, behind it.

Mata reduzida a carvão
(Félix-Émile Taunay: pintor francês)

Brasil, 1º de Janeiro de 1502

...natureza bordada... paisagem de tapeçaria.
Landscape into Art, Sir Kenneth Clark

Janeiros, a Natureza se revela
a nossos olhos como revelou-se aos deles:
inteiramente recoberta de folhagem –
folhas grandes, pequenas, gigantescas,
azuis, verde-azulado, verde-oliva,
aqui e ali um veio ou borda mais claros,
ou um dorso de folha acetinado;
samambaias monstruosas
em relevo cinza-prata,
e flores, também, como vitórias-régias imensas
no céu  – melhor, no meio das copas –
roxas, rosadas, dois tons de amarelo,
vermelho-ferrugem e branco esverdeado;
sólidas mas aéreas; frescas como se recém-pintadas
e retiradas das molduras.

Céu de um branco azulado, tela simples,
pano de fundo para plumas detalhadas:
arcos breves, roda incompleta, verde-claro,
palmeiras escuras, atarracadas, mas sutis;
e, pousadas, em perfil, bicos vem abertos,
as grandes aves simbólicas se calam,
cada uma exibindo meio peito apenas,
intumescido e acolchoado, liso ou com pintas.
Ainda em primeiro plano, o Pecado:
cinco dragões negros junto a umas pedras grandes.
São pedras ornadas de liquens, explosões lunares
cinzentas, superpostas uma à outra,
ameaçadas de baixo pelo musgo
em lindas chamas verde-inferno,
atacadas do alto
por trepadeiras como escadas, oblíquas, perfeitas,
“uma folha sim, outra não” (como se diz em português).
Os lagartos mal respiram: os olhos todos
se fixam no menor, a fêmea, de costas,
a cauda maliciosa levantada sobre o corpo,
vermelha como um fio em brasa.

E foi assim que os cristãos, duros e pequenos
como pregos de ferro, e reluzentes,
como armaduras a ranger, encontraram uma cena que já era
de certo modo familiar:
nem alamedas suaves, caramanchões,
cerejeiras carregadas nem alaúdes,
mas assim mesmo algo que lembrava
um sonho antigo de riqueza e luxo
já saindo de moda lá na Europa –
riqueza, e mais um prazer novinho em folha.
Logo depois da missa, talvez cantarolando
L’Homme armé ou outro tema assim,
enlouquecidos, rasgaram a tapeçaria
e cada um foi atrás de uma índia –
aquelas mulherezinhas irritantes
gritando uma pra outra (ou foram as aves que acordaram?)
e se embrenhando, se embrenhando no desenho.

Nota:

(*). Neste ponto, Czeslaw Milosz refere-se ao que se pode constatar na continuidade de sua obra, mencionada no campo de referências: o poema anterior ao de Bishop, transcrito na antologia, pertence ao poeta chinês Po Chü-i (Bai Juyi) (772-846), a saber, “Madly Singing in the Mountains” (“Cantando Loucamente nas Montanhas”) (MILOSZ, 1998, p. 120).

Referências:

BISHOP, Elizabeth. Brazil, january 1, 1502 / Brasil, 1º de janeiro de 1502. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 222 e 224; em português: p. 223 e 225.

MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 1998.

terça-feira, 25 de junho de 2019

Ricardo Kubrusly - Americana

O poeta imagina encontrar-se carente de inspiração, a ponto de nem mais pensar em versos: sendo um autor vindo da área de ciências exatas, tudo se lhe apresenta como números, equações, moléculas, “átomos da métrica”, que já nem se mostram primigênios, porque tantas vezes percorridos no exercício da vida prática.

Há suficientes autoparódias nas entrelinhas dos versos que ora lhe surgem – isso quem o afirma é o próprio Kubrusly –, e até mesmo rimas que ressoam, talvez, de criações de outros autores: a metáfora das transformações químicas é deveras interessante, para denotar essa forma de amalgamar versos – próprios ou de terceiros –, ideias, sentidos e palavras em “novas composições” – ao modo dos elementos da natureza que, ao se misturarem, dão origem a substâncias com características próprias.

J.A.R. – H.C.

Ricardo Kubrusly
(n. 1951)

Americana

Poesia, que pena:
Nem mais penso em versos.

Perdi a essência do poema
Tomei-me números somente
Em equações dispersos.
E nem, por mais que tente
Descubro em mim, da poesia
Uma molécula gesticulante
Ou mesmo um átomo da métrica
Que eu já não tenha conhecido antes
Ou lido em minhas próprias entrelinhas.

Repetidamente intolerantes...
Rimas que eu sei não serem minhas.

O conceito de solução
(Leon Zernitsky: ilustrador russo)

Referência:

KUBRUSLY, Ricardo. Americana. In: __________. Acordanoite. Rio de Janeiro, RJ: Editora Seis, 1993. p. 72.