Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 31 de outubro de 2020

Vitorino Nemésio - Arte Poética

O escritor e poeta português afirma que nem o abstrato nem o concreto são, propriamente, poesia, porque lhes falta algo como o ardor, a exaltação de cada momento, mesmo porque, ao se reduzir tudo a uma simples ideia, enceta-se o arquear de uma flecha – mera potência –, sem que, necessariamente, se atinja o flanco das coisas, fazendo-as sangrar.

Nemésio postula por um verde mar, com força para molhar e ampliar os horizontes, ou ainda − empregando um outro elemento primal − o flamejar de uma fogueira, sempre a acumular cinzas ao final, prova inconteste do que, efetivamente, se experimentou, explico-me melhor, evidência segura de que, nos veios, fluiu plasma, linfa, seiva – ânima, em suma.

J.A.R. – H.C.

Vitorino Nemésio
(1901-1978)

Arte Poética

A poesia do abstracto?
Talvez.
Mas um pouco de calor,
A exaltação de cada momento.
É melhor.
Quando sopra o vento
Há um corpo na lufada;
Quando o fogo alteou
A primeira fogueira,
Apagando-se fica alguma coisa queimada.
É melhor!
Uma ideia,
Só como sangue de problema;
No mais, não,
Não me interessa.
Uma ideia
Vale como promessa,
E prometer é arquear
A grande flecha.
O flanco das coisas só sangrando me comove,
E uma pergunta é dolorida
Quando abre brecha.
Abstracto!
O abstracto é sempre redução,
Secura.
Perde,
E diante de mim o mar que se levanta é verde:
Molha e amplia.
Por isso, não:
Nem o abstracto nem o concreto
são propriamente poesia.
Poesia é outra coisa.
Poesia e abstracto, não.

Ritmo, a alegria da vida
(Robert Delaunay: artista francês)

Referência:

NEMÉSIO, Vitorino. Arte poética. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1.ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1234.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Robert Duncan - A Segunda Noite na Semana

A voz lírica, ao aproximar-se do Portão de César, encontra-se com o Espírito do Imperador a circular pelos quadrantes de sua cela, enraivecido ainda, como uma fera, em razão dos prováveis fatos e circunstâncias em que esteve implicado em vida, à altura em que o Império abarcava terras e povos com idiomas e costumes os mais distintos de Roma.

César (100 a.C. - 44 a.C.), assim em espectro, provoca o ente lírico a buscar o real significado de sua ira, ira essa tão intensa que lhe tira o sono por completo, perguntando-lhe se ainda seria capaz de retornar àquele lugar, depois de um empreendimento a leste, denominadamente em terras asiáticas, lá onde Alexandre (356 a.C. - 323 a.C.), trilhando por vastidões e desertos, chegando à Índia, veio a encontrar termo às suas pretensões expansionistas.

J.A.R. – H.C.

Robert Duncan
(1919-1988)

The Second Night in the Week

Now I have come to Caesar’s Gate.

And the Spirit there, tired and raging,
who walks like a beast walks
the circumference of his cage, said:
Think upon the meaning of my rage.

By Whom do you swear
that you return to this place?

I have come to the Gate
tired, tired as Asia,
and as rage-full, awake
as if there will now be no sleep.

Sleep being a secret in this place.
O Alexander! O Conqueror of the Wastes! 

As Ruínas do Fórum de Roma
(David Roberts: pintor escocês)

A Segunda Noite na Semana

Cheguei agora ao Portão de César.

E ali o Espírito, cansado e colérico,
a caminhar como uma fera
pela circunferência de sua cela, diz-me:
Reflete sobre o significado de minha raiva.

Por Quem me afianças que
retornarás a este lugar?

Cheguei ao Portão
cansado, cansado como a Ásia,
e pela raiva tomado por completo, desperto
como se agora não houvesse mais sono.

O sonho é um segredo neste lugar.
Ó Alexandre! Ó Conquistador dos Páramos!

Referência:

DUNCAN, Robert. The second night in the week. In: __________. Selected poems. San Francisco, CA: City Lights Books, 1959. p. 79. (‘The Pocket Poets Series’; n. 10)

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Reiner Kunze - Sinos demasiado perto

A voz lírica sente-se incomodada com o ribombar dos sinos, reforçados ainda mais aos finais de semana, em razão do chamamento do povo cristão às celebrações da eucaristia, isto porque as campas lhe interrompem o sono, durante o qual, nos albores e neblina de uma segunda-feira, imaginosamente, espera colhê-las “como frutos demasiado maduros e dá-los a comer ao peixe-sino”.

Sem advogar contra os sinos, como Kunze, recordo-me do encanto que é ouvir os carrilhões das torres da Basílica na praça-santuário, em Belém do Pará, marcarem a passagem das horas, ao longo do dia, a tocarem as cifras de “Vós sois o lírio mimoso”, composição dedicada à Senhora de Nazaré, de autoria do maranhense Euclides Farias.

J.A.R. – H.C.

Reiner Kunze
(n. 1933)

Glocken allzu nah

Morgen für morgen verheert ihr geläut
meinen schlaf, als sei’s gottes wille, jene zu strafen,
die abends nicht einschlafen können
in seiner welt

Sonntags eilen die grossen glocken, den kleinen zu helfen

Sie läuten die gläubigen aus den betten,
sie läuten die gläubigen in die mäntel,
sie läuten läuten

An einem montag im nebel werde ich die glocken pflücken
wie überreife früchte
und sie verfüttem an den glockenfisch

Für das heil meiner seele fürchte ich nicht

Heimlich wird für mich bitten
der pfarrer. Er schläft gem lang

Sinos na Basílica de São Marcos em Veneza
(Edward John Poynter: pintor inglês)

Sinos demasiado perto

Manhã após manhã o seu toque devasta
o meu sono, como se fosse vontade de deus castigar aqueles
que à noite não conseguem adormecer
no mundo dele

Ao domingo apressam-se os sinos grandes a ajudar os pequenos

Tocam os crentes para fora das camas,
enfiam-nos a toque nos casacos,
tocam tocam

Numa segunda-feira na neblina hei-de colher os sinos
como frutos demasiado maduros
e dá-los a comer ao peixe-sino

Não temo pela salvação da minha alma

Secretamente pedirá por mim
o padre. Ele gosta de dormir até tarde

Referência:

KUNZE, Reiner. Glocken allzu nah / Sinos demasiado perto. Tradução de Luz Videira. In: __________. Poemas. Traduções de Luz Videira e Renato Correia; introdução de Renato Correia. Edição coordenada por Karl Heinz Delille. Porto, PT: Paisagem, 1984. Em alemão: p. 126; em português: p. 127. (“Estudos Literários”; v. 1)

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Pedro Mexia - Percepção

Neste breve mas significativo poema, o poeta português pressupõe um infante a atirar uma pedra de modo rasante sobre as águas de um rio, fazendo-a levantar esguichos por três vezes, até que, por fim, afunde definitivamente rumo ao leito do caudal – como a vida, aliás, em seu ciclo de (i) infância, (ii) maturidade, e (iii) velhice − ultimada pela morte.

É assim que se parte esse rio, melhor dizendo, esse fluxo vital, como uma ponte a ligar o estágio de puerícia à terra firme de onde se contempla tudo quanto se experimentou ao longo da vida, quando então se saberá se esta foi um estorvo ou uma existência plena de significados. Enquanto lá não estamos, vale a pena apurar a nossa “percepção” sobre a quantas anda a nossa vigente caminhada!

J.A.R. – H.C.

Pedro Mexia
(n. 1972)

Percepção

Entre mergulhos
uma pedra rasa salta três vezes
na água.
E assim se divide,
assim se parte
o rio. A infância
dum lado. Do outro
a terra firme
onde isto se passou.

Pedra n’água I
(Emilia Amaro: pintora húngara)

Referência:

MEXIA, Pedro. Percepção. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1.ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 2091.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Emily Dickinson - Um aspecto alterado nas colinas

Algo ocorre de modo distinto nas colinas, no povoado, na aurora, no relvado. Idem, no comportamento insolente de uma mosca, no regresso de uma aranha ao seu ofício e na conduta de um galo a pavonear-se. Como se a vida despertasse, a cada ano, certo matiz de sensualidade, a demarcar um renascer no curso da própria vida − a ressurreição a que aludira Cristo, no diálogo mantido com Nicodemos, necessária para se poder entrar no Reino de Deus.

A poetisa enfatiza os efeitos da luz do sol a se difundir nas colinas, brilhante e oblíqua, nos primeiros dias da primavera, quando as flores retornam por toda parte e a fauna se reanima: urge que a tudo contemplemos de uma forma mais serena e detida, não apenas “furtiva”, para que possamos também “renascer” sob esse padrão cíclico da natureza, ou melhor, para “esclarecer” as nossas dúvidas espirituais.

J.A.R. – H.C.

Emily Dickinson
(1830-1886)

An altered look about the hills

An altered look about the hills −
A Tyrian light the village fills −
A wider sunrise in the morn −
A deeper twilight on the lawn −
A print of a vermillion foot −
A purple finger on the slope −
A flippant fly upon the pane −
A spider at his trade again −
An added strut in Chanticleer −
A flower expected everywhere −
An axe shrill singing in the woods −
Fern odors on untravelled roads −
All this and more I cannot tell −
A furtive look you know as well −
And Nicodemus’ Mystery
Receives it’s annual reply!

(c. 1859)

Oculta pelas colinas: Missão DeGrazia ao sol
(Alexandria Winslow: pintora norte-americana)

Um aspecto alterado nas colinas

Um aspecto alterado nas colinas –
Uma luz violácea a irradiar sobre a aldeia –
Um nascer do sol mais amplo ao amanhecer –
Um crepúsculo mais profundo sobre o relvado –
Um rasto de uma pegada escarlate –
Um artelho púrpura na encosta –
Uma mosca insolente sobre o vidro da janela –
Uma aranha de volta ao seu ofício –
Um empertigar-se a mais no chantecler (*) –
Uma esperada flor em toda parte –
Um machado estridente a ressoar no bosque –
Olores de samambaia em vias pouco trilhadas –
Tudo isso e mais o que não sou capaz de o dizer –
Um olhar furtivo que tão bem conheces –
E o mistério de Nicodemos
Recebe a sua resposta anual!

(c. 1859)

Nota:

(*) Chantecler é uma espécie de frango de porte, cujos machos chegam a pesar 4 (quatro) quilos. Dickinson, s.m.j., refere-se ao galo da espécie, em sua dança ritual para acasalamento.

Referência:

DICKINSON, Emily. An altered look about the hills. In: __________. The complete poems of Emily Dickinson. Edited by Thomas H. Johnson. Boston, MA: Little, Brown and Company, 1960. p. 65-66.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Pablo Neruda - A pobreza

Uma forma de experimentar a pobreza ao lado da pessoa amada, não a desejando propriamente – como os ricos, que não praticam um jogo equilibrado de soma zero, mas assimétrico, com tudo para si e nada para os outros −, e reconhecendo, seja como for, que, juntos, são a maior riqueza jamais reunida sobre a terra.

Neruda identifica a miséria como um “dente maligno que, até agora, tem mordido o coração do homem”, isto porque impede ver no outro o mesmo semblante de humanidade a que aspira para si, prática tão comum por estas plagas, onde a inflexão “você sabe com quem está falando?” é regra, a explicar, deveras, o fato de Pindorama apresentar uma das piores distribuições de renda do mundo!

J.A.R. – H.C.

Pablo Neruda
(1904-1973)

La pobreza

Ay no quieres,
te asusta
la pobreza,

no quieres
ir con zapatos rotos al mercado
y volver con el viejo vestido.

Amor, no amamos,
como quieren los ricos,
la miséria. Nosotros
la extirparemos como diente maligno
que hasta ahora ha mordido el corazón del hombre.

Pero no quiero
que la temas.
Si llega por mi culpa a tu morada,
si la pobreza expulsa
tus zapatos dorados,
que no expulse tu risa que es el pan de mi vida.

Si no puedes pagar el alquiler
sal al trabajo con paso orgulloso,
y piensa, amor, que yo te estoy mirando
y somos juntos la mayor riqueza
que jamás se reunió sobre la tierra.

En: “Las uvas y el viento” (1954)

A viúva do pobre oficial
(Peter Fendi: pintor austríaco)

A pobreza

Ai, não queres,
assusta-te
a pobreza,

não queres
ir com sapatos rotos ao mercado
e voltar com o velho vestido.

Amor, não amamos,
como querem os ricos,
a miséria. Nós
a extirparemos como um dente mau
que ainda agora morde o coração do homem.

Mas eu não quero
que a temas.
Se chega por minha culpa à tua casa,
se a pobreza expulsa
teus sapatos dourados,
que não expulse teu riso, pão da minha vida.

Se não podes pagar o aluguel
vai ao trabalho em passo orgulhoso,
e pensa, amor, que eu te estou olhando,
e somos juntos a maior riqueza
jamais reunida sobre a terra.

Em: “As uvas e o vento” (1954)

Referência:

NERUDA, Pablo. La pobreza / A pobreza. Tradução de José Eduardo Degrazia. In: __________. Neruda para jovens: antologia poética. Edição bilíngue. Organização de Isabel Córdova Rosas. Tradução de José Eduardo Degrazia. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 2013. Em espanhol: p. 84; em português: p. 85.

domingo, 25 de outubro de 2020

José Régio - Natureza

Como se uma manifestação da natureza fosse, os versos do poeta trazem ao leitor, de fato, a poesia presente na criação, desde o ponto mesmo em que o material orgânico se recompõe para eclodir do caos primordial, até o instante decisivo e sublime em que a flor – como o poema – paira em sua beleza, aos olhos do observador atento.

Pressente-se alguma influência de Fernando Pessoa (1888-1935) nos versos de José Régio, a exemplo, talvez, de certas inflexões em poemas de Alberto Caeiro ou mesmo de Ricardo Reis: são ponderações metapoéticas lavradas em versos rimados, repletas daquela força que eclode de quando em vez nos poetas, capaz de assemelhar o resultado da intelecção a uma potência natural.

J.A.R. – H.C.

José Régio
(1901-1969)

Natureza

Meus versos que afinal sois naturais
Como as rosas, os montes, as nascentes,
De que abismos chegais?
Desceis de que vertentes?

E as cândidas de neve ou rubras como lume
Naturais rosas dos poetas,
Mergulham em que estrume
As raízes secretas?

De monte em monte o eco se responde
Dos montes naturais por i além.
Vai extinguir-se, aonde?
Vem, donde vem?

As águas naturais que entre granitos
À luz afloram,
Por que arrastam cadáveres, detritos,
E sobre lodo cantam, choram?

Sou eu que vos componho, ou vós que me criais,
Meus versos hoje nus e secos,
Meus versos que afinal sois naturais,
− Rosas e estrume, águas e lodo, montes, ecos...?

A tentação de Santo Antônio
(Dorothea Tanning: artista norte-americana)

Referência:

RÉGIO, José. Natureza. In: __________. Antologia. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1985. p. 204.

sábado, 24 de outubro de 2020

Wilfred Owen - Futilidade

Diante da morte, toda experiência de vida parece sem sentido, como a do presente caso, em que o corpo de um recém-falecido sobre a neve – um soldado talvez, dada a curta biografia do poeta −, em algum lugar da França, mesmo que ainda quente, já não consegue mover os rijos membros: “futilidade” seria o vocábulo a melhor expressar a insignificância do existir humano.

Para quem, como Owen, viu-se imerso num campo de batalha sanguinário como o da Primeira Guerra Mundial, compreende-se bem o impacto que tantas mortes logra produzir no espírito de quem as tem que suportar, sem o devido tempo de assimilação mental: um trauma para o resto da vida – e, claro está, somente para os que retornam incólumes das trincheiras!

J.A.R. – H.C.

Wilfred Owen
(1893-1918)

Futility

Move him into the sun −
Gently its touch awoke him once,
At home, whispering of fields unsown.
Always it woke him, even in France,
Until this morning and this snow.
If anything might rouse him now
The kind old sun will know.

Think how it wakes the seeds −
Woke once the clays of a cold star.
Are limbs, so dear-achieved, are sides
Full-nerved, − still warm, − too hard to stir?
Was it for this the clay grew tall?
− Oh, what made fatuous sunbeams toil
To break earth’s sleep at all?

A Via Submersa
(Frederick Varley: pintor canadense)

Futilidade

Exponham-no a pleno sol –
Seu toque suave outrora o despertava,
Em casa, com os sussurros dos campos por semear.
O sol sempre o despertava, mesmo em França,
Até que sobreviesse esta manhã coberta pela neve.
Se algo pudesse despertá-lo agora,
O bom e velho sol o saberá.

Pensem em como os raios solares desadormecem as sementes –
Tal como, dantes, despertaram as gredas de uma estrela fria.
Estão esses membros, tão bem conquistados, os flancos
Repletos de nervos – ainda quentes – tão difíceis de se mover?
Foi para isso que a argila guindou-se às formas do mundo?
Oh, o que teria levado os fátuos raios do sol a se afanarem
por romper em definitivo o sono da Terra?

Referência:

OWEN, Wilfred. Futility. In: UNTERMEYER, Louis (Comp.). A concise treasury of great poems: english and american. 5th printing. New York, NY: Permabooks, 1961. p. 502.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Edward Young - Todos pensam

Em determinado ponto do livro de ficção científica “Greybeard” (1965), do inglês Brian W. Aldiss (1925-2017), vertida ao português, por Gilberto Bernardes de Oliveira, com o título de “Jornada de Esperança”, encontra-se o personagem Charles Samuels a elucubrar sobre o que representaria a vida, tomando por ponto de partida certo excerto de um longo poema contido na obra “The complaint or night thoughts on life, death and immortality” (“A queixa ou pensamentos noturnos sobre a vida, a morte e a imortalidade”), redigida entre 1741 e 1745 pelo também inglês − e poeta − Edward Young (1681-1765).

 

No ponto recitado tem-se a fixação da ideia de que todos haverão de morrer um dia, mas, quem sobre isso reflete, sempre se abstrai de pensar na própria morte, vislumbrando-a apenas em terceiros: se, nalgum dia, depara-se com amigo ou parente que foi singrar em outras paragens, pode lançar-lhe uma lágrima ocasional, mas logo retornará à azáfama de viver, jamais cogitando num dia em que o personagem principal da cena será ele próprio, acomodado num esquife.

 

J.A.R. – H.C.

 

Edward Young

(1683-1765)

Retratado por Joseph Highmore

 

All men think

 

All men think all men mortal but themselves:

Themselves, when some alarming shock of fate

Strikes thro’ their wounded hearts the sudden dread;

But their hearts wounded, like the wounded air,

Soon close; where pass’d the shaft, no trace is found,

As from the wing no scar the sky retains,

The parted wave no furrow from the keel,

So dies in human hearts the thought of death.

E’en with the tender tear, which nature sheds

O’er those we love, we drop it in their grave.

 

Brian W. Aldiss

(1925-2017)

 

Todos pensam

 

Todos pensam que todos menos eles são mortais:

Quando algum trágico impacto do destino

Súbito lhes inflige rude golpe;

Mas os corações feridos, tal como o ar fendido,

Logo cicatrizam; não deixa vestígio a lança.

Tal como as asas não deixam sulcos no céu,

Nem a cortadora quilha nas ondas que rompe,

Assim morre nos humanos corações a ideia da morte.

Mesmo derramando uma terna lágrima por aqueles

Que amamos, na sepultura a deixamos.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

YOUNG, Edward. All men think all men mortal but themselves. In: __________. Night thoughts on life, death and immortality. London, EN: Printed for J. G. & F. Rivington and Other Proprietors, 1839. p. 12. Disponível neste endereço. Acesso em: 3 set. 2020.

 

YOUNG, Edward apud ALDISS, Brian W. All men think all men mortal but themselves. In: __________. Greybeard. London, EN: Faber and Faber, 1965. p. 65 do pdf. Disponível neste endereço. Acesso em: 3 set. 2020.

 

Em Português

 

ALDISS, Brian W. Todos pensam que todos menos eles são mortais. Tradução de Gilberto Bernardes de Oliveira. In: __________. Jornada de Esperança. Tradução de Gilberto Bernardes de Oliveira. São Paulo, SP: Abril Cultural, 1982. p. 129-130. (Série ‘Grandes Sucessos’)