Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Eduardo Guimaraens - Prelúdio nº 4 de Chopin

Um poema de um poeta sobre a composição de um músico: é o que temos agora. O poeta? O gaúcho Eduardo Guimaraens. O músico? Nada menos que o polonês Chopin. A música? Um de seus mais conhecidos prelúdios, o de nº 4, apresentado mais abaixo, em performance do israelita Alon Goldstein.

A melodia é bastante densa e contrita. Por ser de Chopin – ou até por isso mesmo –, consta na trila sonora do filme “O Pianista”, de 2002, com direção de Roman Polanski, cujo enredo se baseia na autobiografia do também pianista Władysław Szpilman, polaco de origem judaica.

J.A.R. – H.C.

Eduardo Guimaraens
(1892-1928)
                      
                     Chopin: Prelúdio nº 4

Do fundo do salão vem-me o seu pranto sobre-humano,
como do fundo irreal de um desespero hoje olvidado:
dir-se-ia que estes sons têm um tom de ouro avioletado;
há um anjo a desfolhar lírios de sombra sobre o piano.

Doce prelúdio! Que ermo e doloroso desengano
fala, através do seu vago perfume de passado?
Sobre Chopin a noite abre o amplo manto constelado:
um delírio de amor anda por tudo, insone, insano!

Em cada nota solta há como um lânguido lamento.
– Oh, a doçura de sentir que o teu olhar, perdido,
sonha, recorda e sofre, ao doce ritmo vago e lento!

E o silêncio! E a paixão que abre em adeus as mãos absortas!
E o passado que volta e traz consigo, inesquecido,
um aroma secreto e vago e doce, a flores mortas! 

Chopin - Prelude in E minor Op 28 nº 4
(Alon Goldstein ao Piano)

Referência:

GUIMARAENS, Eduardo. Chopin: prelúdio nº 4. In: FARACO, Sérgio (Org.). Livro dos poemas: uma antologia de poetas brasileiros e portugueses. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013. p. 108.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Charles Bukowski - o gato da ilha de Man

Mais um poema de Bukowski neste blog. E mais uma vez sobre um de seus gatos – Manx – um tipo felino da ilha de Man, no arquipélago britânico, que costuma, por natureza, não possuir cauda e ser ótimo caçador.

Bukowski, de início, reflete sobre o esgotamento das possibilidades no âmbito da arte, ou melhor, da música e da literatura. Depois, gira o poema para a temática de seu gato, que, adentrando seus aposentos, parece meio desorientado, até que se concentra em algo que bem pode ser uma fonte de alimento, embora ainda não consiga ver com precisão o que seja.

O gato tateando uma presa. Bukowski em busca de algo novidadeiro e relevante em matéria de arte. Ambos prosseguem em sua batida...

J.A.R. – H.C.

Charles Bukowski
(1920-1994)

Manx

have we gone wrong again?
we laugh less and less,
become more sadly sane.
all we want is
the absence of others.
even favorite classical music
has been heard too often and
all the good books have been
read...

there is a sliding
glass door
and there outside
a white Manx sits
with one crossed eye
his tongue sticks out the
comer of his mouth,
I lean over
and pull the door open
and he comes running in
front legs working
in one direction,
rear legs
in the other.

he circles the
room in a scurvy angle
to where I sit
claws up my legs
my chest
places front legs
like arms
on my shoulders
sticks his snout
against my nose
and looks at me as
best he can.
also befuddled,
I look back.

a better night now,
old boy,
a better time,
a better way now
stuck together
like this
here.

I am able
to smile again
as suddenly
the Manx
leaps away
scattering across the
rug sideways
chasing something now
that none of us
can see.

Bukowski e o seu gato Manx

o gato da ilha de Man

será que erramos de novo?
rimos menos e menos,
ficamos mais tristemente sãos.
tudo o que queremos
a ausência dos outros.
até mesmo a música clássica favorita
foi ouvida demais e
todos os bons livros foram
lidos...

há uma porta de vidro
deslizante
e lá fora
um gato branco da ilha de Man
está sentado com um olho vesgo
sua língua saindo por um
canto para fora da boca.
me inclino
e abro a porta
e ele vem correndo para dentro
as pernas da frente correndo
em uma direção,
e as traseiras
em outra.

ele dá a volta no
quarto com um ângulo doentio
para onde estou sentado
sobe com as garras pelas minhas pernas
meu peito
põe as patas dianteiras
como se fossem braços
sobre meus ombros
enfia seu foginho
no meu nariz
e olha para mim
tão bem quanto pode.
também perplexo,
eu olho para ele.

uma noite melhor agora,
meu velho,
um momento melhor,
um jeito melhor agora
presos juntos
desse jeito
aqui.

sou capaz
de sorrir de novo
quando de repente
o gato da ilha de Man
salta longe
dispersando pela
saída acarpetada
caçando alguma coisa que agora
nenhum de nós
consegue ver.

Referências:

Em Inglês:

BUKOWSKI, Charles. Manx. In: __________. The pleasures of the damned. Edinburgh, GB: Canongate Books Ltd., 2010. p. 411-412.

Em Português:

BUKOWSKI, Charles. o gato da ilha de Man. In: __________. Vida desalmada. Tradução Fabio Soares e Gerciana Espíndola. Florianópolis, SC: Spectro, 2006. p. 47-48.
ö

quarta-feira, 29 de julho de 2015

João Cabral de Melo Neto - Os Vazios do Homem

Neste belo poema, cheio de elipses e metáforas propositadas, de presenças e de ausências, de símiles e de oposições, João Cabral observa que o vazio do homem não é como qualquer outro, como o de um casaco ou de um saco vazios.

O vazio do homem é como a plenitude de coisas inchadas, como no caso de uma esponja, cheio de bolhas vazias, mas onde pulsa a vida. Um vazio que incha por estar vazio.

Obviamente que se trata de um vazio existencial – não inerte, como os vazios da própria esponja, aqui usada apenas como metáfora –, mas onde pulula o ser, ainda que em estado de potência, como numa semente ou nos componentes de um ovo, se empregarmos os referentes utilizados pelo poeta.

João Cabral sabe muito bem ao que busca aludir, pois não há quem duvide de que os vazios da existência são exatamente os que doem mais e levam o homem ao desespero!

J.A.R. – H.C.

João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)

Os Vazios do Homem

1.

Os vazios do homem não sentem ao nada
do vazio qualquer: do do casaco vazio,
do da saca vazia (que não ficam de pé
quando vazios, ou o homem com vazios);
os vazios do homem sentem a um cheio
de uma coisa que inchasse já inchada;
ou ao que deve sentir, quando cheia,
uma saca: todavia não, qualquer saca.
Os vazios do homem, esse vazio cheio,
não sentem ao que uma saca de tijolos,
uma saca de rebites; nem têm o pulso
que bate numa de sementes, de ovos.

2.

Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude (gora mas presença)
contêm nadas, contêm apenas vazios:
o que a esponja, vazia quando plena;
incham do que a esponja, de ar vazio,
e dela copiam certamente a estrutura:
toda em grutas ou em gotas de vazio,
postas em cachos de bolha, de não-uva.
Esse cheio vazio sente ao que uma saca
mas cheia de esponjas cheias de vazio;
os vazios do homem ou o vazio inchado:
ou o vazio que inchou por estar vazio.

Esponjas do Mar

Referência:

MELO NETO, João Cabral. Os vazios do homem. In: __________. Antologia poética. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora - Sabiá, 1973. p. 29.

terça-feira, 28 de julho de 2015

W. G. Sebald - Austerlitz

Considerado por muitos como um dos grandes romances produzidos neste início de terceiro milênio, “Austerlitz”, do alemão W. G. Sebald, é leitura ao mesmo tempo árdua e fascinante. Ele trata, sem angústia ou sentimentalismo, a história de Jacques Austerlitz, contada por seu amigo, o narrador dos eventos do livro que, por inferência, bem pode ser o próprio Sebald.

Austerlitz, um historiador da arte em Londres, mais precisamente da Arquitetura, parte em busca de suas raízes, uma vez que desconhece as circunstâncias de sua infância. Nascido em 1939, em Praga, de pais judeus, foi mandado ainda criança, com quatro ou cinco anos, ao Reino Unido, para que pudesse ser salvo dos alemães.

O fato é que Austerlitz foi criado por pais adotivos no País de Gales, com o nome de Dafydd Elias, completando seus estudos em Oxford, após o que passou à carreira acadêmica.

Foi em suas andanças como pesquisador que ele, casualmente, se encontrou com o narrador, na Estação Central de Antuérpia, mais tarde, em Bruxelas, e, posteriormente, num passeio marítimo em Zeebrugge, oportunidades em que narrou os fatos que compõem a parte mais significativa do romance de que se trata.

Já adulto, Austerlitz volta à sua cidade natal, onde revê a sua antiga babá (Vera), que lhe fala sobre sua mãe (Ágata), presa num campo de concentração, e sobre o seu pai (Maximilian), desaparecido na França. Visita ainda Terezín, local onde sua mãe passou os seus derradeiros dias e onde há um museu em memória dos mortos, que quase ninguém frequenta.

A obra mescla texto com imagens, gravuras, fotos, fazendo o livro parecer um pequeno documentário, cuja pesquisa centra-se na própria memória dos acontecimentos. As imagens que perduram na mente do leitor são as estações de trem, paredes e arcos decorados, capitéis de colunas, cemitérios, água e muita névoa. Daí a sensação de hipnotismo que perpassa o livro. São particularmente belas as fotos da Estação Central de Antuérpia e do Palácio da Justiça de Bruxelas, ambos na Bélgica.

Uma observação final: tal como nas obras de José Saramago, o número de parágrafos existentes no livro de Sebald pode ser contado com apenas alguns dedos das mãos.

Nossa cotação para a obra (0-10): 8,5.

J.A.R. – H.C.

W. G. Sebald
Wertach, Alemanha: 1944
Norfolk, Reino Unido: 2001

Não me parece, disse Austerlitz, que compreendemos as leis que governam o retorno do passado, mas sinto cada vez mais como se o tempo não existisse em absoluto, somente diversos espaços que se imbricam segundo uma estereometria superior, entre os quais os vivos e os mortos podem ir de lá para cá como bem quiserem e, quanto mais penso nisso, mas me parece que nós, que ainda vivemos, somos seres irreais aos olhos do mortos e visíveis somente de vez em quando, em determinadas condições de luz e atmosfera (SEBALD, 2008, p. 182).

Wertach
(Bavária - Alemanha)

Referência:

SEBALD, W. G. Austerlitz. Tradução de José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Brasileirão 2015 - Fim da 15ª Rodada - Projeções para o Final

Transcorridas mais cinco rodadas do Brasileirão 2015, apresentamos mais uma projeção para o seu final, pelo Modelo Esotérico-Matemático.

Na parte de cima da tabela, nota-se que a classificação real ao final da 15º rodada já apresenta o Palmeiras no G4, circunstância que o MEM já projetava ao final da 10ª rodada, quando, de fato, o Palmeiras se encontrava na 9º posição da tabela. Uma subida relevante, portanto, do Verdão: do 9º ao 3º em cinco rodadas.

Ademais, o modelo evidencia que o campeonato, no que tange à conquista do título, está totalmente em aberto, com uma diferença mínima de pontos projetados para Corinthians, Palmeiras e Atlético-MG – este o atual líder.

Na parte do meio da tabela, enquanto o Flamengo melhorou de posição, de 15º a 11º – decerto pela entrada dos jogadores Paolo Guerrero e Émerson no time –, a Ponte Preta caiu do 8º para o 12º. Isso revela um começo de acomodação no desempenho dos diversos clubes: quem tem potencial para melhorar, melhora de fato, e os clubes ditos “pequenos”, se não se deram bem até aqui, tenderão a cair, doravante.

Quanto ao Z4, o desempenho de Joinville, Coritiba e Vasco reforçam as projeções de manutenção na zona de rebaixamento até o final do campeonato.

Outras informações importantes: (i) melhor defesa do certame – Corinthians, com 9 gols tomados, o que reforça o viés de projeção em direção ao topo da tabela; (ii) pior defesa – Vasco da Gama, com 26 gols, idem em direção ao Z4; (iii) melhor ataque – Atlético-MG, com 29 gols e líder; (iv) pior ataque – Joinville, com 7 gols; (v) melhor linha de passes – Santos, com 91,7% de acertos; (vi) pior linha – Figueirense, com 85,8%.

Concentrando, agora, a nossa análise nos quatro times que o MEM projetou ao final para o G4 (vide tabela abaixo), fazemos ver que Palmeiras e Atlético-MG são equipes mais equilibradas no balanço de seus ataques e defesas, consideradas as quinze rodadas até aqui, contrariamente a Corinthians – que tem um ataque apenas mediano –, e Grêmio – cuja defesa é somente um pouco melhor que a média das outras defesas. Nossa opinião: são grandes as chances de Palmeiras e Atlético-MG entrarem, daqui para frente, numa disputa mais acirrada pelo título.

TIMES PROJ. NO G4
GOLS PRÓ E POSIÇÃO
GOLS CONTRA E POSIÇÃO
Corinthians
17 - 9º melhor ataque
9 - melhor defesa
Palmeiras
26 - 2º melhor ataque
11 - 2ª melhor defesa
Atlético-MG
29 - melhor ataque
13 - 3ª melhor defesa
Grêmio
20 - 5º melhor ataque
15 - 7ª melhor defesa

Fazendo o mesmo para o Z4, são suficientemente autoexplicativas as razões pelas quais o MEM projeta Goiás, Coritiba, Joinville e Vasco em piores condições: seus ataques e suas defesas deixam muito a desejar, exceção feita apenas à defesa do Goiás, que é um pouco melhor que a média.

TIMES PROJ. NO Z4
GOLS PRÓ E POSIÇÃO
GOLS CONTRA E POSIÇÃO
Goiás
12 - 4º pior ataque
15 - 11º pior defesa
Coritiba
9 - 3º pior ataque
18 - 7ª pior defesa
Joinville
7 - pior ataque
19 - 4ª pior defesa
Vasco
8 - 2º pior ataque
26 - pior defesa

É isso aí, por ora. Daqui a quatro rodadas, com o final do primeiro turno, apresentaremos nova projeção para a Primeirona. Quanto à Segundona, daqui a uma rodada, quando o certame completar quinze ao todo, rodaremos novamente o MEM. Ok?!

Um abraço a todo(a)s.

J.A.R. – H.C. 






Referências:

Jorge de Lima - Distribuição da Poesia

Naquele que considero um dos mais belos poemas brasileiros do século passado, o alagoano Jorge de Lima discorre ao modo de uma prédica, como se recitasse um sermão para os seus interlocutores, a quem pede que se acomodem sentados para ouvi-lo.

Mas o que se oferece aos presentes, além disso, não é um pão que se multiplica para poder saciar a fome das multidões, mas poesia, esse modo particular de ver o mundo, cujo conteúdo pode derivar tanto do belo quanto do seu oposto, tanto do material quanto do intangível, ou como antepõe o próprio poeta, tanto do doce mel silvestre, quanto do sal dos mares. Em suma, quer dos prazeres quer dos padecimentos da vida!

J.A.R. – H.C.

Jorge de Lima
(1893-1953)

Distribuição da Poesia

Mel silvestre tirei das plantas,
sal tirei das águas, luz tirei do céu.
Escutai meus irmãos: poesia tirei de tudo
para oferecer ao Senhor.
Não tirei ouro da terra
nem sangue de meus irmãos.
Estalajadeiros não me incomodeis.
Bufarinheiros e banqueiros
sei fabricar distâncias
para vos recuar.
A vida está malograda,
creio nas mágicas de Deus.
Os galos não cantam,
a manhã não raiou.
Vi os navios irem e voltarem.

Vi os infelizes irem e voltarem.
Vi homens obesos dentro do fogo.
Vi ziguezagues na escuridão.
Capitão-mor, onde é o Congo?
Onde é a ilha de São Brandão?
Capitão-mor que noite escura!
Uivam molossos na escuridão.
Ó indesejáveis, qual o país,
qual o país que desejais?
Mel silvestre tirei das plantas,
sal tirei das águas, luz tirei do céu.
Só tenho poesia para vos dar.
Abancai-vos meus irmãos.

A Apanhadora de Flores
(John William Waterhouse: pintor inglês)

Referência:

LIMA, Jorge de. Distribuição da poesia. In: __________. Melhores poemas de Jorge de Lima. Seleção de Gilberto Mendonça Teles. 3. ed. São Paulo, SP: Global, 2006. p. 81-82. (Coleção ‘Melhores Poemas’)

domingo, 26 de julho de 2015

Aricy Curvello - Cézanne

Um artista da palavra – o poeta mineiro Aricy Curvello –, nos propõe um poema no qual veicula a negativa de uma expressão idiomática bastante comum entre os franceses para destacar a fama de descortesia dos pintores, vale dizer, “bête comme un peintre”, ou em português claro, “estúpido como um pintor”.

A referência está associada ao pintor francês Paul Cézanne (1839-1906), que teria se recusado a “pintar como um animal”, propondo-se a recolocar a inteligência, as ideias, as ciências, a perspectiva em contínuo contato com o mundo natural, do qual, na noite dos tempos, partiram, mantendo, hoje ainda, a nítida missão de compreendê-lo, em especial as ciências (MARLEAU-PONTY, 1984, p. 116-117).

J.A.R. – H.C.

Aricy Curvello
(n. 1945)

Cézanne

Jamais quis pintar
como um animal

porém
na dimensão que nos dá as coisas
repletas de reservas, inesgotáveis:
a do mundo em sua espessura
(não as só palavras em discurso).

Massa sem lacuna:
um organismo de cores.
A vibração das aparências não é o berço das coisas.
Escrevia enquanto pintor
o que não havia sido pintado ainda.

(A criação do que existe é uma tarefa infinita).

Natureza-morta com maçãs
e um vaso de prímulas
(Paul Cézanne: pintor francês)

Referências:

CURVELLO, Aricy. Cézanne. In: GARCÍA, Xosé Lois. Antologia da poesia brasileira / Antología de la poesía brasileña. Edición bilingüe. Santiago de Compostela, Galiza, U.E.: Laiovento, 2001. p. 348.

MERLEAU-PONTY, Maurice. A dúvida de Cézanne” (Tradução de Nélson Alfredo Aguilar). In: MERLEAU-PONTY. São Paulo, Abril Cultural, 1984. (Col. Os Pensadores)

sábado, 25 de julho de 2015

Poetas do Grão-Pará (VII) - Joaquim-Francisco Coelho

Para finalizar esta semana de postagens com poemas de autores que nasceram no Grão-Pará, selecionamos um poema que homenageia o grande escritor argentino Jorge Luis Borges, no momento mesmo de seu passamento.

O seu autor, o poeta Joaquim-Francisco Coelho, retrata muito bem as particularidades da personalidade de Borges, suas preferências temáticas, cegueira vespertina, a aficção por espelhos e labirintos. Ao final, carreia ao Eterno um atributo meio insólito: seria cego como Borges. Se a justiça é cega e algo que tange as cordas do divino, eis aí o que seria uma bela metáfora. Algo como se estivéssemos a fazer justiça ao escritor do país vizinho, que não se sabem quais os motivos, não foi agraciado com um Nobel!

J.A.R. – H.C.

Joaquim-Francisco Coelho
(SAVARY, 2001, p. 227)

Além de grande poeta, é excelente crítico. Transferindo-se para os Estados Unidos da América do Norte há vários anos, foi professor de literatura luso-brasileira e espanhola na Universidade de Stanford, Califórnia, anteriormente, e hoje é catedrático de literatura luso-brasileira e comparada da Universidade de Harvard.
Tem muitas obras publicadas sobre escritores relevantes, entre os quais Virgílio, Camões, Antero de Quental, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Sena e Jorge Luís Borges.
Fora estes livros de ensaio e crítica do estudioso sério que Joaquim-Francisco é, encontra-se no prelo um seu livro de poemas intitulado Os Meus Orfeus, seleção de peças celebratórias (tanto editas quanto inéditas) da obra e da personalidade criadora de escritores e artistas que lhe são particularmente familiares. Pertencem a este livro inédito os poemas que aqui se apresentam nesta antologia de poesia paraense, selecionados pelo próprio autor, a meu pedido insistente.
Joaquim-Francisco Coelho: poeta, crítico, professor. Em todas estas áreas em que atua, com louvor, nos dá motivos de sobra para, como brasileiros e paraenses, nos orgulharmos da brilhante carreira que ele desenvolve lá fora, protótipo da inteligência e da criatividade brasileiras tão nossas.

Joaquim-Francisco Coelho
(n. 1938)

Na morte de Jorge Luis Borges

Com teu passo de cego e tua bengala
tu ascendes ao último recinto
buscando pelo tato e pelo instinto
penetrar o segredo desta sala

Aqui se encontra a sombra que não fala
aqui te aguarda o Tempo agora extinto
aqui o construtor do labirinto
abre-te a porta ao Livro da Cabala

Entras e vês (por trás da tua cegueira)
que o mistério da sala derradeira
jaz no livro e no rosto que ele tem

No livro em cuja estranha cercadura
a tua face de Borges configura
o semblante de Deus – cego também

Jorge Luis Borges
(Alejandro Cabeza: pintor catalão)

Referência:

COELHO, Joaquim-Francisco. Na morte de Jorge Luís Borges. In: SAVARY, Olga (Seleção e Notas). Poesia do Grão-Pará. Rio de Janeiro, RJ: Graphia Editorial, 2001. p. 228.