Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 30 de abril de 2019

Elizabeth Bishop - Um Milagre Matinal

O ente lírico, neste poema, a partir de uma varanda, vê-se separado em relação às pessoas mais humildes da sociedade, conotando a perspectiva de que, nela, ricos não se associam a pobres, sendo ele próprio alguém que se encontra acima do status social daqueles a que faz referência.

O emprego de cenas a envolver café e migalhas do pão suscita prazeres gustativos, enquanto as menções ao sol e ao rio ampliam o cenário e o impacto visual à frente de quem o descreve. Assim, as imagens reais contempladas pelo orador são vertidas em visões imaginativas autorreferenciais, vale dizer, o falante, depois de observar atentamente o homem rico a deixar cair desdenhosamente migalhas para as pessoas na calçada, passou a perceber a sua própria mansão com a jactância daqueles que põem-se a distribuir migalhas, multiplicadas como num milagre.

Daí porque o orador parece se convencer de que a distância entre ricos e pobres jamais será superada, porque o sol continua a brilhar na varanda sobre a qual não fará diferença, não exatamente na varanda onde estão os desabrigados.

O poema, ao final, inspira uma mensagem de esperança: ao afirmar que a mansão de seus sonhos foi construída ao longo dos tempos pelos pássaros e pelo rio a lavrar a terra, o ente lírico estimula os seus leitores a serem engenhosos, aproveitando ao máximo aquilo de que dispõem na vida. No fim das contas, não importa o que se perde ao longo dela, sempre teremos a natureza ao nosso lado.

J.A.R. – H.C.

Elizabeth Bishop
(1911-1979)

A Miracle for Breakfast

At six o’clock we were waiting for coffee,
waiting for coffee and the charitable crumb
that was going to be served from a certain balcony
– like kings of old, or like a miracle.
It was still dark. One foot of the sun
steadied itself on a long ripple in the river.

The first ferry of the day had just crossed the river.
It was so cold we hoped that the coffee
would be very hot, seeing that the sun
was not going to warm us; and that the crumb
would be a loaf each, buttered, by a miracle.
At seven a man stepped out on the balcony.

He stood for a minute alone on the balcony
looking over our heads toward the river.
A servant handed him the makings of a miracle,
consisting of one lone cup of coffee
and one roll, which he proceeded to crumb,
his head, so to speak, in the clouds – along with the sun.

Was the man crazy? What under the sun
was he trying to do, up there on his balcony!
Each man received one rather hard crumb
which some flicked scornfully into the river,
and, in a cup, one drop of the coffee.
Some of us stood around, waiting for the miracle.

I can tell you what I saw next; it was not a miracle.
A beautiful villa stood in the sun
and from its doors came the smell of hot coffee.
In front, a baroque white plaster balcony
added by birds, who nest along the river,
– I saw it with one eye close to the crumb –

and galleries and marble chambers. My crumb
and mansion, made for me by a miracle,
through ages, by insects, birds, and the river
working the stone. Every day, in the sun,
at breakfast time I sit on my balcony
with my feet up, and I drink gallons of coffee.

We licked up the crumb and swallowed the coffee.
A window across the river caught the sun
as if the miracle were working, on the wrong balcony.

A sala do café da manhã
(Bernhard Gutmann: pintor alemão)

Um Milagre Matinal

Às seis, estávamos à espera do café,
à espera do café e da caridosa migalha
que seriam servidos de uma certa varanda
– como por reis de outrora, ou por milagre.
Ainda estava escuro. Um dos pés do sol
se apoiava numa longa ondulação do rio.

A primeira barca do dia já cruzara o rio.
Tal era o frio que ansiávamos por café
quentíssimo – pois pelo visto o sol
não ia aquecer-nos – e uma migalha
que fosse um pão para cada um, como um milagre.
Às sete um homem apareceu na varanda.

Ficou a sós por um minuto na varanda
olhando não para nós, mas para o rio.
Um criado deu-lhe material para um milagre,
ou seja, uma única xícara de café
e um pão, que ele reduziu a migalhas, 
com a cabeça nas nuvens, tal qual o sol.

Seria um louco? Parado ali, ao sol,
que estava ele fazendo na varanda?
Cada um recebeu uma mísera migalha,
que uns, com desprezo, jogaram no rio,
e, numa xícara, uma gota de café.
Alguns de nós ficamos, à espera do milagre.

Digo o que vi em seguida: não foi milagre.
Era um belo casarão, aberto ao sol,
de onde vinha um cheiro quente de café.
À frente, uma estrutura barroca, uma varanda
de gesso branco, feita pelas aves do rio
– foi o que vi ao olhar de perto a migalha –

galerias e salões de mármore. Minha migalha,
uma mansão, feita para mim por milagre,
ao longo dos tempos, pelas aves, pelo rio
a lavrar a pedra. Todos os dias, ao sol,
pela manhã, me instalo na varanda,
os pés para cima, e bebo litros de café.

Engolimos a migalha e a gota de café.
Além-rio, uma janela refletia o sol
como se o milagre fosse em outra varanda.

Referência:

BISHOP, Elizabeth. A miracle for breakfast / Um milagre matinal. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 98 e 100; em português: p. 99 e 101.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Heládio Brito - A estopa do poema

Escrever poesias seria como o ato de fiar urdiduras nos tecidos, as quais, muitas vezes, mal se podem ver quando deles nos encontramos distantes. De outro ponto de vista, a depender do intricado do tecido, pode ele ou não deixar entrever a silhueta do corpo que reveste.

Sobreleva aqui a todas as considerações o fato de que, por trás de todo agir humano para se criar o tecido, resta o ruído azucrinante do tear ao fundo: a depender da constituição da planta da fábrica em que inserta a máquina, junto a muitas outras, seremos capazes de escutar a externalidade que mais se aproxima a uma metáfora capaz de representar o chacoalhar do poema ainda na mente do poeta.

J.A.R. – H.C.

Quando as almas deparam-se
(Tomasz Alen Kopera: pintor polonês)

A estopa do poema

tecer o poema
como uma seda
onde o fio se anula
no fio e veda
toda a trama, embora
reste transparente
para quem a veste.

tecer o poema
como esta estopa,
onde a transparência
cobre mais que roupa
e o seu grosso, mais
do que esconde, mostra
o áspero da fábrica:

seu ruidoso urdir,
o teor do tear.

Sem Título
(Melanie Authier: pintora canadense)

Referência:

BRITO, Heládio. A estopa do poema. In: BRITO, Heládio; MORAIS, Regis de et al. Oficina: exercícios do ofício da poesia. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2001. p. 10. (Edição Comemorativa Limitada)

domingo, 28 de abril de 2019

Charles Simic - Pedra

A partir de um objeto inanimado – uma pedra –, o poeta constrói um argumento capaz de resultar num belo poema: talvez esteja ele tentando apresentar-nos uma metáfora capaz de representar aquelas pessoas frias e sensatas com quem tão costumeiramente deparamos, que por mais que sejam confrontadas, conseguem se manter em equilíbrio.

Ou não: às vezes saltam chispas daquele estado imperturbável, mostrando que há algum elemento de fogo em seu interior: logo, é melhor não avançar o sinal quando em convívio com pessoas muito quietas – elas podem fazer emergir um vulcão quando são incitadas até o limite de sua capacidade para aturar desditas.

J.A.R. – H.C.

Charles Simic
(n. 1938)

Stone

Go inside a stone
That would be my way.
Let somebody else become a dove
Or gnash with a tiger’s tooth.
I am happy to be a stone.

From the outside the stone is a riddle:
No one knows how to answer it.
Yet within, it must be cool and quiet
Even though a cow steps on it full weight,
Even though a child throws it in a river;
The stone sinks, slow, unperturbed
To the river bottom
Where the fishes come to knock on it
And listen.

I have seen sparks fly out
When two stones are rubbed,
So perhaps it is not dark inside after all;
Perhaps there is a moon shining
From somewhere, as though behind a hill –
Just enough light to make out
The strange writings, the star charts
On the inner walls.

Pedras num jardim
(Asya Zalenskaya: pintora russa)

Pedra

Insinuar-se em uma pedra:
Esse seria o meu caminho.
Que outro alguém se converta em pomba
Ou ranja com dentes de tigre.
Sinto-me feliz por ser uma pedra.

Vista por fora, a pedra é um enigma:
ninguém sabe como decifrá-la.
Contudo, por dentro deve ser suave e quieta,
mesmo quando uma vaca a pisa com todo o peso,
ou quando uma criança a arremessa num rio;
a pedra imerge lenta, imperturbável
até o fundo do rio,
onde os peixes põem-se a tini-la
para a escutar.

Podem-se ver disparos de chispas
quando se atritam duas pedras.
Assim, lá dentro, talvez não seja escuro.
Talvez haja uma lua brilhando desde algum lugar,
como se por trás de uma colina estivesse –
com luz suficiente para decifrar
os estranhos escritos, as cartas estelares
nas paredes internas.

Referência:

SIMIC, Charles. Stone. In: DOVE, Rita (Ed.). The penguin anthology of twentieth century american poetry. New York, NY: Penguin Books, 2013. p. 353.

sábado, 27 de abril de 2019

Nicanor Parra - A poesia terminou comigo

Para quem viveu mais de cem anos e escreveu uma miríade de obras poéticas, falar que a poesia terminou com o autor só pode, mesmo, ter um lado irônico mais do que tangível. Afinal, o poema consta em um de seus primeiros livros, vale dizer, o quarto – “Versos de Salão”, de 1962, tendo surgido, portanto, posteriormente ao lançamento de sua obra mais propositiva – “Poemas e Antipoemas”, de 1954 –, da qual, suspeito, esteja a fazer referência velada.

Pode ser, nada obstante, que a narrativa do poema reflita um declínio momentâneo de criatividade do poeta chileno. Afinal, entre 1937, ano de lançamento de seu primeiro livro de poemas – “Cancioneiro sem Nome” – e o nomeado “Versos de Salão”, transcorreram 25 (vinte e cinco) anos, o que daria uma média de pouco mais de 6 (seis) anos para a edição de cada obra, um interregno relativamente longo para a produção de obras da espécie, supomos.

J.A.R. – H.C.


Nicanor Parra
(1914-2018)

La poesía terminó conmigo

 

Yo no digo que ponga fin a nada

No me hago ilusiones al respecto

Yo quería seguir poetizando

Pero se terminó la inspiración.

La poesía se ha portado bien

Yo me he portado horriblemente mal.

 

Qué gano con decir

Yo me he portado bien

La poesía se ha portado mal

Cuando saben que yo soy el culpable.

¡Está bien que me pase por imbécil!

 

La poesía se ha portado bien

Yo me he portado horriblemente mal

La poesía terminó conmigo.

 

En: “Versos de salón” (1962)


(Rachael McCampbell: pintora norte-americana)
Pintura inspirada em poema homônimo
de Wendell Berry

A poesia terminou comigo

 

Eu não digo que ponha fim a nada

E não tenho ilusões a esse respeito

Eu queria seguir poetizando

Porém a inspiração me abandonou.

A poesia se comportou muito bem

Eu me portei horrivelmente mal.

 

O que ganho dizendo

Eu me comportei bem

A poesia se comportou mal

Quando sabem que o culpado sou eu.

Tudo bem que eu pareça imbecil!

 

A poesia se comportou muito bem

Eu me comportei horrivelmente mal.

A poesia terminou comigo.

 

Em: “Versos de salão” (1962)

Referência:

PARRA, Nicanor. La poesía terminó conmigo / A poesia terminou comigo. Tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. In: __________. Só para maiores de cem anos: antologia (anti)poética. Seleção e tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Editora 34, 2018. Em espanhol: 206; em português: p. 66.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Luís Carlos de Oliveira - Ebulição da Escravatura

Poeta mineiro radicado em Salvador (BA), Oliveira (n. 1965) atualiza os conceitos que advieram da escravatura pela qual passou a sociedade brasileira – cumpre afirmar, uma das mais longas do mundo dito civilizado –, mas que perdura até os dias presentes, pois os negros persistem como o contingente maior desta sociedade elitista que, de todas as maneiras, procura manter os seus privilégios, colocando o Estado a seu inteiro dispor.

A senzala virou a área de serviço onde as empregadas domésticas têm reduto preferencial, os navios negreiros são os ônibus lotados para transportar o povo até os mais distantes subúrbios – como se sardinhas enlatadas fossem –, a casa-grande transformou-se naqueles edifícios de luxo nos bairros nobres das grandes cidades brasileiras – e tudo isso sob o manto de uma relação empregatícia que limita os vencimentos dos pobres, a quando muito, um salário mínimo...

Ou seja: a “abolição” da escravatura reorientou-se a uma “ebulição” da escravatura, tantos são os seus corolários nefastos em terras brasileiras, que teimam em encher os olhos dos turistas que de longe acorrem para ver um povo que, ainda assim, arroga-se feliz.

J.A.R. – H.C.

O Morro da Favela
(Tarsila do Amaral)

Ebulição da Escravatura

A área de serviço é senzala moderna,
Tem preta eclética, que sabe ler “start”;
“Playground” era o terreiro a varrer.

Navio negreiro assemelha-se ao ônibus cheio,
Pelo cheiro vai assim até o fim-de-linha;
Não entra no novo quilombo da favela.

Capitão-do-mato virou cabo de polícia,
Seu cavalo tem giroflex (radiopatrulha).
“Os ferros”, inoxidáveis algemas.

Ração poder ser o salário-mímino,
Alforria só com a aposentadoria
(Lei dos sexagenários).

“Sinhô” hoje é empresário,
A casa-grande verticalizou-se.
O pilão está computadorizado.
Na última página são “flagrados” (foto digital)
Em cuecas, segurando a bolsa e a automática:
Matinal pelourinho.

A princesa Áurea canta,
Pastoreia suas flores.
O rei faz viaduto com seu codinome.

– Quantos negros?  Quanto furor?
Tantos tambores... tantas cores...
O que comparar com cada batida no tambor?

¤¤¤¤      ¤¤¤¤      ¤¤¤¤      ¤¤¤¤

“A escravatura não foi abolida;
foi distribuída entre os pobres”.

Interior de Pobres II
(Lasar Segall: pintor lituano)

Referência:

OLIVEIRA, Luís Carlos. Ebulição da escravatura. In: CARLOS DOS SANTOS, Luiz; GALAS, Maria; TAVARES, Ulisses (Organização e Apresentação). O negro em versos: antologia da poesia negra brasileira. 1. ed. São Paulo, SP: Moderna, 2005. p. 103-104. (“Lendo & Relendo”)

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Francisco Brines - Noturno do jovem

A consciência pungente da finitude e a impotência perante os mistérios da vida levam ao estado anímico do poeta, que se deixa influenciar pelo cair da noite, em meio ao jardim, seus aromas e o aconchego do lar: é o tempo que se aproxima para carregar consigo os que sorvem o último sonho.

Como não se recordar, em associação direta, da obra “O tempo, esse grande escultor”, de Marguerite Yourcenar (1983), com a diferença de que a escritora belga não se volta tanto a esmiuçar a dúvida metafísica perto aos umbrais da morte, senão a esclarecer como a beleza penetrou-lhe os olhos por meio das obras de arte – suas e de terceiros?!

J.A.R. – H.C.

Francisco Brines
(n. 1932)

Nocturno del joven

El hombre, entre los árboles, medita
con pasión sus recuerdos. Le rodean
sombras profundas, silenciosas alas
oscuras, más arriba los viejísimos
astros. Piensa que fue su vida luz,
y que los hombres y las cosas eran
dignos de perdurar, porque era eterno
su amor. Llegan desde las blancas tapias
del jardín los jazmines, y en el campo
los deja el aire derramados. Mira
latir el faro en las tinieblas, muda
la mar está, presiente su constante
movimiento. La luz ya está gastada,
y sabe que las cosas que perduran
viven sin él, y que los hombres niegan
todo el afán del corazón. Inútil
como la estrella vieja, como el faro
lejano y débil, mas aún con vida.

Un balcón de la casa se ha encendido,
llega de allí una música. El huerto
tiembla bajo las sombras, se recoge
en el sueño. Quien reina así en el mundo
no es la noche, es el tiempo. Lo penetran
sus ojos, y arrasados por las lágrimas
regresan del misterio. Se encamina
con paso lento hacia la casa, va
con la mente sombría, siente frío.

Homem sentado no jardim
(Auguste Chabaud: pintor francês)

Noturno do jovem

O homem, entre as árvores, medita
com paixão sobre suas memórias. Rodeiam-lhe
sombras profundas, silenciosas asas
escuras, mais acima os velhíssimos
astros. Pensa que sua vida foi luz,
e que os homens e as coisas eram
dignos de perdurar, porque eterno era
o seu amor. Chegam os jasmins desde
os muros brancos do jardim, e no campo
o ar deixa-os derramados. Olha
o farol bater na escuridão, mudo
está o mar, pressente o seu constante
movimento. A luz já está gasta,
e sabe que as coisas que perduram
vivem sem ele, e que os homens negam
toda a ambição do coração. Inútil
como a velha estrela, como o farol
distante e tênue, mas ainda com vida.

Uma varanda da casa foi acesa,
e de lá chega uma música. O jardim
bole sob as sombras, recolhe-se
no sonho. Quem reina assim no mundo
não é a noite, mas o tempo. Seus olhos
o penetram, e arrasados pelas lágrimas
regressam do mistério. Encaminha-se
a passos lentos até a casa, vai
com a mente sombria, sente frio.

Referência:

BRINES, Francisco. Nocturno del joven. In: __________. Antología poética. Selección y prólogo de José Olivio Jiménez. Madrid, ES: Alianza Editorial, 1986. p. 49-50. (“Sección: Literatura”; “El Libro de Bolsillo”; LB 1190)

quarta-feira, 24 de abril de 2019

G. G. Byron - A Thomas Moore

Byron despede-se do amigo irlandês, também poeta, antes de partir para aventuras pelo mar, ou melhor, em outras terras além-mar. Com tanto mar pela frente, as palavras de Byron não deixam de ser inusitadas: estivesse ele prestes a morrer de sede e houvesse no poço uma única gota de água, não deixaria de brindá-la, dedicando-a a Moore, antes de suspirar.

Byron promete não se esquecer do amigo: mas veja-se lá que, por mais que assim o prometesse, a vida arrastou-o muito brevemente para o outro lado, pois veio a falecer com apenas 36 anos, em 1824, em terras gregas, onde, aliás, é cultuado como herói, por sua luta pela independência daquele país.

J.A.R. – H.C.

G. G. Byron
(1788-1824)
(Retrato de Thomas Phillips)

To Thomas Moore

My boat is on the shore,
And my bark is on the sea;
But, before I go, Tom Moore,
Here’s a double health to thee!

Here’s a sigh to those who love me,
And a smile to those who hate;
And, whatever sky’s above me,
Here’s a heart for every fate.

Though the ocean roar around me,
Yet it still shall bear me on;
Though a desert should surround me,
It hath springs that may be won.

Were’t the last drop in the well,
As I gasp’d upon the brink,
Ere my fainting spirit fell,
’Tis to thee that I would drink.

With that water, as this wine,
The libation I would pour
Should be – peace with thine and mine,
And a health to thee, Tom Moore.

(1817)

Thomas Moore
(1779-1852)
(Autoria Desconhecida)

A Thomas Moore

Está na praia o meu bote,
Meu navio está no mar:
Mas antes que eu vá, Tom Moore,
Quero em dobro te brindar!

Eis um suspiro aos que me amam,
Aos que odeiam, um sorriso;
Qualquer o céu que me cubra,
Enfrento o que for preciso.

Ruja o oceano em torno a mim,
Em suas águas irei;
Um deserto me rodeie,
Nele a fontes chegarei.

Só uma gota no meu poço,
E eu nas bordas a ofegar:
Antes de ir-se o meu espírito,
A ti é que a vou tomar.

Com esta água e com este vinho,
A libação que eu verter
Será – paz aos teus e aos meus
E a ti, Tom Moore, vou beber.

(1817)

Referência:

BYRON, G. G. To Thomas Moore / A Thomas Moore. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In: __________. Poemas. Organização e tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Edição bilíngue. 2. ed. São Paulo, SP: Hedra, 2008. Em inglês: p. 40; em português: p. 41.