A voz poética, neste
poema, submerge numa metamorfose simbiótica com a paisagem árida ao redor, adotando
suas características e fundindo sua própria essência com os elementos naturais,
para adaptar-se física e espiritualmente às condições extremas, até que, por
fim, extrapolando a sede que a embarga, transmuta-se numa espécie de cactácea, para
reter dentro de si a água do “mar, do lago e do rio”.
Poder-se-ia atribuir
um sentido apologético à mensagem transmitida pela poetisa portorriquenha, digo
melhor, à capacidade que tem o ser humano de se adaptar e de se transformar diante
das adversidades, mostrando resiliência e perseverança inquebrantável para
fazer, como se diz, de um limão uma limonada, habilitando-se, desse modo, a dispor
as coisas em perspectiva para dar importância ao que de fato é relevante, ao
tempo que reforça a autoestima para enfrentar novos desafios.
J.A.R. – H.C.
Nicole Cecilia Delgado
(n. 1980)
transformaciones del
desierto
la sequía me descubre
pensándole un corazón
tan grande
que sabe sonrojarse
de sí mismo
soy fototrópica
me tuesto al sol
el desierto me
transforma en espina reptil
arruga la espesura de
mi piel
dibuja fractales
dérmicos conmigo
bailamos una danza
seca
de artesana que
construye con arena
sus sórdidos oasis
mi voz blanca arrastra
piedritas de cal
sudor de tiza llueve
el viento del desierto
el aire marca pasos
de aserrín
y sin embargo hay un
camino verde
por donde aúlla un
río
sus tiernos amoríos
con la tierra
el paisaje grita con
su árida garganta
soy un insecto
que sobrevuela los
charcos que apresuran
vagamente por la
cuenca rota
se me enrosca una
serpiente milenaria entre los pies
la arena me revela
canas dulces
muto
cactácea
llevo al mar al lago
al río adentro
estoy llena de agua
y tengo sed
Cactos perto do mar
(Tetiana Bondar:
artista ucraniana)
transformações do
deserto
a seca me expõe
revelando um coração
tão grande
capaz de ruborizar-se
de si mesmo
sou fototrópica
me bronzeio ao sol
o deserto me
transforma num espinho réptil
enruga a espessura da
minha pele
desenha fractais
dérmicos sobre mim
dançamos uma seca coreografia
de artesã que
constrói com areia
seus sórdidos oásis
minha voz branca
arrasta pedrinhas de cal
o vento do deserto
faz chover suor de giz
o ar marca passos de
serragem
e no entanto há um caminho
verde
por onde uiva um rio
seus ternos idílios
amorosos com a terra
a paisagem grita com
sua árida garganta
sou um inseto
que sobrevoa os
charcos que correm
vagamente pela bacia
fragmentada
uma serpente
milenária enrosca-se em meus pés
a areia me revela
doces cãs
em constante mutação
cactácea renascida
levo o mar o lago o
rio em meu interior
estou cheia de água
e tenho sede
Referência:
DELGADO, Nicole
Cecilia. transformaciones del desierto. In: MONTECINOS, Héctor Hernández
(Selección y Prólogo). 4M3R1C4: novísima poesía latinoamericana.
Santiago (CL): Ventana Abierta, 2010. p. 187.
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