Se longa é a procura
a que se refere Borges, deve-se ao fato de que a plena convergência entre o “eu”
– e, portanto, os homens enquanto categoria – e o “animal invisível e diáfano”
que “buscamos e que nos busca” revela-se improvável, elusiva de certo modo,
senão impossível.
Presume-se que o fabuloso
pássaro em questão, considerando o trecho da infratranscrita prosa na qual
Borges alude ao idioma árabe, seja Anqa (Simorgh), uma espécie mista entre o
grifo e a fênix.
Jean Chevalier &
Alain Gheerbrant enfatizam, no proverbial “Dicionário de Símbolos” do qual são
editores, que Simorgh tornou-se um símbolo para os místicos a alçarem voo rumo
à Divindade e, mais amplamente, para “[...] a parcela do ser humano que é
convocada a unir-se misticamente à Divindade. Nessa união, abolidas todas as diferenças,
a Anqa é a um só tempo o criador e a criatura espiritual”. (2001, p. 63)
Contudo, como se
observa mais abaixo, a busca de Borges denota incursões a inúmeros outros veios
figurativos, sendo perceptíveis ecos, v.g., da busca de Deus por intermédio das
cartas, de influxos da Cabala e mesmo de enunciados contidos na Bíblia, a saber,
“Sou o que sou” – a forma autorreferente como Deus teria se apresentado a
Moisés, em Êxodo 3:14.
Tudo gira à volta de
uma busca que se submete ao tempo, não como o conhecemos – grandeza expressiva
da Mecânica Clássica –, pois que Borges o “renega”, senão como metáfora daquilo
que flui initerruptamente, do devir heraclitiano, do rio no qual ninguém se
banha duas ou mais vezes.
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Anterior al tiempo o
fuera del tiempo (ambas locuciones son vanas) o en un lugar que no es del
espacio, hay un animal invisible, y acaso diáfano, que los hombres buscamos y
que nos busca.
Sabemos que no puede medirse. Sabemos que no puede contarse, porque las
formas que lo suman son infinitas.
Hay quienes lo han buscado en un pájaro, que está hecho de pájaros; hay
quienes lo han buscado en una palabra o em las letras de esa palabra; hay
quienes lo han buscado, y lo buscan, en un libro anterior al árabe en que fue
escrito, y aún a todas las cosas; hay quien lo busca en la sentencia Soy El Que
Soy.
Como las formas universales de la escolástica o los arquetipos de
Whitehead, suele descender fugazmente. Dicen que habita los espejos, y que
quien se mira Lo mira. Hay quienes lo ven o entrevén en la hermosa memoria de uma
batalla o en cada paraíso perdido.
Se conjetura que su sangre late en tu sangre, que todos los seres lo
engendran y fueron engendrados por él y que basta invertir una clepsidra para
medir su eternidad.
Acecha en los crepúsculos de Turner, en la mirada de uma mujer, en la
antigua cadencia del hexámetro, en la ignorante aurora, en la luna del
horizonte o de la metáfora.
Nos elude de segundo en segundo. La sentencia del romano se gasta, las
noches roen el mármol.
En: “Los conjurados”
(1985)
Simorgh
(Mahtab Abdollahi:
artista iraniana)
A longa busca
Anterior ao tempo ou
fora do tempo (ambas as locuções são vãs) ou em um lugar que não é do espaço,
há um animal invisível, e talvez diáfano, que nós, homens, procuramos e que nos
procura.
Sabemos que não pode ser medido. Sabemos que não pode ser contado,
porque as formas que o cifram são infinitas.
Há aqueles que o procuraram em um pássaro, que é feito de pássaros; há
aqueles que o procuraram em uma palavra ou nas letras dessa palavra; há aqueles
que o procuraram, e o procuram, em um livro anterior ao árabe em que foi escrito,
e mesmo a todas as coisas; há quem o procure na sentença Sou Aquele que Sou.
Como as formas universais da escolástica ou os arquétipos de Whitehead,
costuma descer fugazmente. Dizem que mora nos espelhos e que quem se olha O
olha. Há quem o veja ou entreveja na bela memória de uma batalha ou em cada paraíso
perdido.
Conjectura-se que seu sangue pulsa em teu sangue, que todos os seres o
geraram e foram gerados por ele e que basta inverter uma clepsidra para medir
sua eternidade.
Espreita nos crepúsculos de Turner, no olhar de uma mulher, na antiga
cadência do hexâmetro, na ignorante aurora, na lua do horizonte ou da metáfora.
Elude-nos de segundo em segundo. A sentença do romano se gasta, as
noites roem o mármore.
Em: “Os conjurados”
(1985)
Referências:
BORGES, Jorge Luis. La
larga busca / A longa busca. Tradução de Josely Vianna Baptista. In:
__________. Poesia. Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2009. Em espanhol: p. 634; em português: p. 411.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Tradução de Vera da Costa e Silva et al. 16 ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 2001.
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