Somos fluxo, correnteza,
mutação – nunca estabilidade ou segura constância –, numa jornada irreversível do
nascimento à morte, pouco importando o anseio que manifestemos de permanência,
de sofreguidão por tornarmo-nos um ser no sentido autêntico da palavra:
pairamos nos imperscrutáveis, nos insondáveis desígnios do Criador.
O afã de se
transformar em pedra, relatado pela voz lírica, tem por escopo o atingimento da
eternidade. Mas mesmo a pedra se submete ao transitório, ainda que possa perdurar
como tal por centúrias e centúrias: repouso não é verbete que sintetize as
voltas e reviravoltas de nossas sendas. Como Heráclito: “Nada é permanente,
exceto a mudança”.
J.A.R. – H.C.
Hermann Hesse
(1877-1962)
Klage
Uns ist kein Sein
vergönnt. Wir sind nur Strom,
Wir fließen willig
allen Formen ein:
Dem Tag, der Nacht,
der Höhle und dem Dom,
Wir gehn hindurch,
uns treibt der Durst nach Sein.
So füllen Form um
Form wir ohne Rast,
Und keine wird zur
Heimat uns, zum Glück, zur Not,
Stets sind wir
unterwegs, stets sind wir Gast,
Uns ruft nicht Feld
noch Pflug, uns wächst kein Brot.
Wir wissen nicht, wie
Gott es mit uns meint,
Er spielt mit uns,
dem Ton in seiner Hand,
Der stumm und bildsam
ist, nicht lacht noch weint,
Der wohl geknetet
wird, doch nie gebrannt.
Einmal zu Stein
erstarren! Einmal dauern!
Danach ist unsre
Sehnsucht ewig rege,
Und bleibt doch ewig
nur ein banges Schauern,
Und wird doch nie zur
Rast auf unsrem Wege.
(Januar 1934)
O Lamento
(Alina Suleyman:
artista cazaquistanesa)
Lamento
A nós não foi doado
um ser. Somos apenas correnteza,
Fluímos de bom grado
pelas formas:
Pelo dia e a noite, a
gruta e a catedral.
Por elas penetramos,
incitados pela sede de ser.
Assim nós vamos sem
repouso, enchendo as formas uma a uma,
Sem que nenhuma delas
seja para nós a pátria, a ventura ou a dor.
Estamos sempre a
caminhar, somos sempre visitantes,
Não ouvimos o apelo
do campo nem do arado, para nós
não cresce o pão.
Os desígnios de Deus
sobre nós não sabemos,
Ele brinca conosco,
barro em sua mão,
O barro que é mudo e
tem plasticidade, que não sabe nem
rir nem chorar:
Barro amassado, porém
jamais queimado.
Ah! Quem me dera
transformar-me em dura pedra!
Permanecer enfim!
É que nós aspiramos à
eternidade,
Mas nossa aspiração é
apenas, eternamente, um medroso tremor,
E não virá jamais a
ser repouso em nossa via.
(Janeiro de 1934)
Referências:
Em Alemão
HESSE, Hermann. Klage.
In: __________. Die gedichte: 1892-1962. 19. auflage. Frankfurt am Main,
DE: Suhrkamp, 1977. s. 628.
Em Português
HESSE, Hermann. Lamento.
Tradução de Lavinia Abranches Viotti e Flávio Vieira de Souza. In: __________. O
jogo das contas de vidro. 7. ed. Tradução de Lavinia Abranches Viotti e
Flávio Vieira de Souza. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso, 2017. p. 517-518.
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