Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Manuel Azevedo da Silveira Neto - Beethoven e Chopin

Dois dos maiores gênios da música erudita são homenageados nestes sonetos do poeta paranaense, ambos a relembrar o que de mais representativo há em suas obras, vale dizer, a composição sinfônica, na do alemão Beethoven (1770-1827), e os famosos noturnos, na do polonês Chopin (1810-1849).

Com relação à obra poética simbolista de Silveira Neto, quase se resume a notas de rodapé nos livros escolares de língua e literatura de segundo grau – isto, quando muito! –, onde pontuam, quase que isoladamente, menções ao mineiro Alphonsus de Guimaraens e ao catarinense Cruz e Souza.

J.A.R. – H.C.

Manuel Azevedo da Silveira Neto
(1872-1942)

Beethoven

A música dos mundos, a poesia
Da terra em flor ao espaço constelado,
Fez-se alma e o gênio em ti, grande isolado!
No estro maior que o Ideal comportaria.

Da muralha em que – trágica ironia –
A surdez te encerrou, transfigurado,
Surge teu gênio, mais profundo e ousado,
Na amplidão fulgural da Sinfonia.

Miguel Ângelo de outra esfera imensa,
Legaste à Vida, que te fez proscrito,
Na epopeia do Som, tão larga e intensa,

Um poema como nunca fora escrito,
Para que a Terra um dia aos astros vença
Na harmonia assombrosa do Infinito.

Ludwig van Beethoven
Retrato de Joseph Karl Stieler (1820)

Chopin

Nos teus noturnos, trêmulo, perpassa,
Como um lamento a ecoar por horas mortas,
Vindo talvez de um cárcere sem portas,
O longo miserere de uma raça.

O martírio da Pátria se entrelaça
Ao mal da vida, rude, que suportas,
E quando, pelo gênio à glória aportas,
É uma ronda de lágrimas, que passa.

Os teus acordes lembram agonias,
Como o luto violáceo das olheiras
Recorda pranto, evoca funerais:

Ressoam, mesmo no antro de almas frias,
Relembrando em crepúsculos, nas eiras,
Horas profundas que não voltam mais.

Fryderyk Franciszek Szopen
Retrato de Maria Wodzińska (1835)

Referência:

SILVEIRA NETO, Manuel Azevedo da. Beethoven / Chopin. Luta Democrática, Rio de janeiro, ano XVIII, n. 5.291, 21 e 22 mar. 1971. Caderno 2, p. 5. Disponível nesta página. Acesso em: 31 out. 2018.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Juan de Salinas - Em louvor à rosa em disputa com o jasmim

Quando éramos crianças, ouvíamos nossas mães cantarem, para nos ninar até o sono, aquela cantiga popular que falava de um cravo que brigava com a rosa, ficava doente, mas que, depois de um dengo, melhorou e, por fim, no mundo das flores, houve muita festa, pois, ao final, resolveram se casar.

Nesta décima, do epigramista espanhol Juan de Salinas y Castro (1559-1643), por outro lado, vemos um embate entre o jasmim e a rosa, tudo em razão do perfume que exalam, mais renitente nesta que naquele, motivo pelo qual à rosa são dedicados louvores e louvores mesmo após fenecer e se despetalar, porquanto, ainda assim, persiste a evolar os seus derradeiros aromas – distintamente daquele, de fragrância menos subsistente.

J.A.R. – H.C.

Natureza-morta de rosas, jasmins
e outras flores
(Jules Ferdinand Médard: pintor francês)

Décima I: En alabanza de la rosa
en competência del jazmín

El que eligió en el jardín
el jazmín, no fue discreto,
que no tiene olor perfeto
si se marchita el jazmín.
Mas la rosa hasta su fin,
porque aun su morir se alabe,
tiene olor más dulce y suave,
fragancia más olorosa,
luego mejor es la rosa
y el jazmín menos suave.

Tú, que rosa y jazmín ves,
eliges la pompa breve
del jazmín, fragante nieve,
que un soplo al céfiro es;
mas conociendo después
la altiva lisonja hermosa
de la rosa cuidadosa,
la antepondrás en tu amor,
que es el jazmín poca flor,
mucha fragancia la rosa.

Rosas e jasmins num vaso de Delft
(Pierre-Auguste Renoir: pintor francês)

Décima I: Em louvor à rosa
em disputa com o jasmim

O que escolheu no jardim
o jasmim, não foi sensato,
pois não deleitará o olfato
quando a flor chegar ao fim.
Fenece a rosa, outrossim,
sob cânticos de louvor,
tem olor mais doce e suave,
fragrância mais olorosa.
Logo melhor é a rosa,
e o jasmim menos suave.

Tu, que vês rosa e jasmim,
escolhes a pompa breve
do jasmim, fragrante neve,
um sopro de brisa, enfim;
mas ao saberes, assim,
da altiva loa formosa
à rosa tão caprichosa,
a anteporás em teu amor,
pois o jasmim é pouca flor,
e muita fragrância a rosa.
        
Referência:

SALINAS, Juan de. En alabanza de la rosa en competência del jazmín. In: __________. Poesías del doctor D. Juan de Salinas y Castro. Tomo Segundo. Sevilha, ES: Imp. de D. José María Geofrin, 1869. p. 163-164.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Sor Juana Inés de la Cruz - Este, que vês, engano colorido

A fazer “tabula rasa” dos humanos, seus pares – ou de alguém em específico, talvez ela própria –, a sóror mexicano-espanhola recorre à tese de que os sentidos de que dispomos nos levam a erros e, miséria de todas as misérias, a existência humana é um nada, a despeito da experiência que tenhamos tido na vida, ou ainda, mesmo que povoada pelo colorido das artes.

Afinal, aos seus olhos, a arte mente, engana astutamente por intermédio de “falsos silogismos de cores”. E mais do que isso: ao conectar a falsidade da obra de arte – aparentemente um retrato pintado em tela –, ao tema da mortalidade, Inés acaba por denunciar o engano do que se postula ser a verdade.

J.A.R. – H.C.

Sor Juana Inés de la Cruz
(1648-1695)
Retrato de Juan de Miranda

Este que ves, engaño colorido

Este que ves, engaño colorido,
que, del arte ostentando los primores,
con falsos silogismos de colores
es cauteloso engaño del sentido;

éste, en quien la lisonja ha pretendido
excusar de los años los horrores,
y venciendo del tiempo los rigores
triunfar de la vejez y del olvido,

es un vano artificio del cuidado,
es una flor al viento delicada,
es un resguardo inútil para el hado:

es una necia diligencia errada,
es un afán caduco y, bien mirado,
es cadáver, es polvo, es sombra, es nada.

O grito nº 3
(Oswaldo Guayasamin: pintor equatoriano)

Este, que vês, engano colorido

Este, que vês, engano colorido,
que, ostentando das artes os primores,
com silogismos pérfidos de cores
é cauteloso engano dos sentidos;

este, em quem a lisonja pretendido
tem escusar dos anos os horrores,
e, ao tempo subjugando-lhe os rigores,
triunfar sobre a velhice e sobre o olvido,

é vazio artifício do cuidado,
é flor exposta ao vento, delicada,
é inútil resguardo contra o fado:

é apenas néscia diligência errada,
afã caduco, e, bem considerado,
é cadáver, é pó, é sombra, é nada.

Referência:

DE LA CRUZ, Sor Juana Inés. Este que ves, engaño colorido / Este, que vês, engano colorido. Tradução de Anderson Braga Horta. In: ÉGÜEZ, Gustavo Pavel (Org.). Antologia poética ibero-americana. Edição bilíngue espanhol x português. Traduções de Fernando Mendes Vianna; José Jeronymo Rivera e Anderson Braga Horta. Cuiabá, MT: Associación de Agregados Culturales Iberoamericanos, 2006. Em espanhol: p. 167; em português: p. 168.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Geir Campos - Tarefa

A falsidade, a injustiça e a amargura: três componentes da vida quotidiana não só do poeta quanto de toda a gente simples da sociedade, eram as componentes contra as quais se sustentava um plano para mudá-la, tornando-a mais humana, isto na já meio longínqua década de 60 do século passando, quando os clarins da ditadura ainda não haviam ressoado.

Mas haverá alguma surpresa em dizer que tais componentes ainda são o substrato vivo da sociedade brasileira nos dias que correm – e tanto mais hoje, quando os arautos exatamente do que se pretende por “justiça” é que estão jogando multidões na rua da amargura, longe de seus empregos, tudo em razão do pretextual combate à corrupção – que, de fato, só tem um lado?! Aliás, como ocorrera naquela malfadada década: a história se repete como farsa!

J.A.R. – H.C.

Geir Campos
(1924-1999)

Tarefa

Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
– do amargo e injusto e falso por mudar –
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.

Árvore em flor perto de Vetheuil
(Claude Monet: pintor francês)

Referência:

CAMPOS, Geir. Tarefa. In: SANT’ANNA, Affonso Romano de et al. Violão de rua: poemas para a liberdade. V. I. Rio de Janeiro, GB: Civilização Brasileira, 1962. p. 38. (“Cadernos do Povo Brasileiro”; Volume Extra)

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Carl Sandburg - Felicidade

Todos à busca de felicidade: basta ver a quantidade de obras que já foram redigidas sobre a matéria, desde a clássica “Ética a Nicômaco”, do estagirita Aristóteles, até “Fluir: a psicologia da felicidade”, do húngaro “Mihaly Csikszentmihalyi”, passando, é claro, pela insigne “A Conquista da Felicidade”, do inglês Bertrand Russell. E a produção se mantém, até com a concepção de fórmulas matemáticas capazes de dar conta de um estado que expressa muito de psicológico do ser humano!!?

Mas o poema de Sandburg firma-se apenas por confrontar essa verborrágica produção – acadêmica ou de autoajuda – com um estado natural de experimentar o momento – “Carpe Diem”, diriam os romanos! –, dos homens, com suas companheiras, um pouco de bebida para relaxar e as crianças à volta, como se quisesse afirmar que a felicidade decorre, naturalmente, dessa sucessão de instantes prazerosos.

J.A.R. – H.C.

Carl Sandburg
(1878-1967)

Happiness

I asked professors who teach the meaning of life to
tell me what is happiness.
And I went to famous executives who boss the work
of thousands of men.
They all shook their heads and gave me a smile as
though I was trying to fool with them.
And then one Sunday afternoon I wandered out along
the Desplaines River.
And I saw a crowd of Hungarians under the trees with
their women and children and a keg of beer
and an accordion.

Piquenique às margens do Rio Cam
(Cambridge)
(Richard Harpum: pintor inglês)

Felicidade

Pedi aos professores que instruem sobre o sentido da vida
que me dissessem  o que é a felicidade.
Fui ter com famosos executivos que gerenciam o trabalho
de milhares de homens.
Todos eles menearam suas cabeças e me sorriram como se
eu estivesse tentando enganá-los.
E então, numa tarde de domingo, fui passear ao longo do
Rio Desplaines.
E vi um grupo de húngaros debaixo das árvores, com suas
mulheres, crianças, um tonel de cerveja
e um acordeão.

Referência:

SANDBURG, Carl. Happiness. In: __________. Selected poems of Carl Sandburg. New York, NY: Harcourt, Brace and Company Inc., 1926. p. 37.

domingo, 25 de novembro de 2018

Kóstas Ouránis - A minha vida

Tendo por tema a fugacidade da vida, o poeta nos oferece alegorias sobre a forma como se vê no presente momento, já avançado na idade, quando se costuma metaforizar o período ao crepúsculo da tarde, rumo ao estágio de receios que a noite arrasta, cortada por ventos sob os quais os espíritos somente dúvidas presenciam.

Ouránis sente-se como se fosse uma casa de marujos, há tanto tempo fechada e à beira-mar, sem os barcos, ademais, pois os homens há muito tempo partiram e a abandonaram. E diga-se: a esse ponto chegou depois de lhe haver escorrido os anos como areia pelas mãos, construindo quimeras sem perceber o fluxo do tempo, que logo avançou às raias outonais. E agora, José? – perguntaria Drummond!

J.A.R. – H.C.

Kóstas Ouránis
(1890-1953)

Η ζωη μου

Μι νοσταλγία λάκερη ζωή μου κι νας πόθος!
Πότε παλάτια θέλοντας χιμαιρικ ν χτίσω
κα πότε ξεφυλλίζοντας τς σκέψεις μου σ ρόδα
στν τάφο το ,τι πέρασε, – λησμόνησα ν ζήσω.
Τ χρόνια π τ χέρια μου γλιστρήσανε σν μμος
πο νειροπόλα δάχτυλα κρατνε, κι ψυχή μου,
μιν ρα χινοπωριν πο σήμαιναν καμπάνες,
εδε ν πέφτει νέκκλητα τ Βράδυ στ ζωή μου.
Εμαι σ σπίτι ναυτικν στ θάλασσα κοντά,
πο ο ντρες χαθήκανε μαζ μ τ καράβια
κα πού, σ σκούζει νεμος τ’ γριεμένα βράδια,
ο μάνες κα ο δερφές, μαυροντυμένες, σκύβουν
τν κεφαλν μίλητες. σκιαγμένες, σ ν’ κονε

στν πόρτα, τν κατάκλειστη γι πάντα, ν χτυπονε.

Σε: “Νοσταλγίες” (1920)

Casa-concha do marujo
(Abigail White: pintora norte-americana)

A minha vida

A minha vida toda, nostalgia só e anseios!
Ora eu palácios de quimera edificar queria,
ora então, como rosas, desfolhar meus pensamentos
sobre a tumba do que passa – e de viver me esquecia.
Os anos me correram como areia pelas mãos,
pelos meus dedos sonhadores, e a alma dolorida,
na hora de outono em que os sinos puseram-se a tocar,
viu cair inexorável a Noite em minha vida.
Sou como uma casa de marujos à beira-mar,
cujos homens sumiram juntamente com os barcos;
quando sopram os ventos durante as noites de medo,
suas mães e irmãs, todas elas vestidas de negro,
inclinam as cabeças silentes, apavoradas,

como se ouvissem bater na porta há tanto fechada.

Em: “Nostalgias” (1920)

Referências:

ΟΥΡΆΝΗΣ, Κώστας. Η ζωη μου. Disponível neste endereço. Acesso em: 31 out. 2018.

OURÁNIS, Kóstas. A minha vida. Tradução de José Paulo Paes. In: PAES, José Paulo (seleção e tradução). Poesia moderna da Grécia. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1986. p. 126.

sábado, 24 de novembro de 2018

Cassiano Ricardo - Ladainha

Já há algumas décadas, o poeta paulista imaginava um mundo tomado pelos robôs, que cumpririam as mais comezinhas atividades humanas, mormente as que despendessem esforços acentuados, embora não só: tudo seria substabelecido às máquinas – raciocínio, “animus”, inclusive a tarefa a que mais se dedica o vate, ou seja, redigir poemas.

E veja, leitor, que o arremate do poema tangencia o limite do sarcástico: já não teríamos mais a necessidade de orar ao Eterno que nos criou. O criador – Deus – criou a criatura – o homem – que, por sua vez, criou a máquina, para, em incursão circular – louvar o criador primeiro! Temos aí uma antiapologia do ócio! (rs).

J.A.R. – H.C.

Cassiano Ricardo
(1895-1974)

Ladainha

Por que o raciocínio,
os músculos, os ossos?
A automação, ócio dourado.
O cérebro eletrônico, o músculo
mecânico
mais fáceis que um sorriso.
Por que o coração?
O de metal não tornará o homem
mais cordial,
dando-lhe um ritmo extracorporal?

Por que levantar o braço
para colher o fruto?
A máquina o fará por nós.
Por que labutar no campo, na cidade?
A máquina o fará por nós.
Por que pensar, imaginar?
A máquina o fará por nós.
Por que fazer um poema?
A máquina o fará por nós.
Por que subir a escada de Jacó?
A máquina o fará por nós.

Ó máquina, orai por nós.

Robô: pintando um autorretrato
(Johan Scherft: artista holandês)

Referência:

RICARDO, Cassiano. Ladainha. In: SEABRA, José Augusto (Organização e Estudo Introdutório). Poetas portugueses y brasileños: de los simbolistas a los modernistas. Edición bilíngüe: portugués x español. Buenos Aires: Instituto Camões; Brasília: Thesaurus, 2002. p. 344.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Robert Hass - O Pornógrafo

Provavelmente Hass descreve, neste poema, o cotidiano de um dos muitos autores dos desenhos daqueles livrinhos que, nos anos 60 e 70, eram vendidos às escondidas, com historinhas banais que, ao final, resultavam em cenas de sexo explícito. Depois veio o cinema, a internet e, agora, tudo está muito mais escancarado nos sítios de pornografia que disponibilizam vídeos ao gosto do cliente!

O pornógrafo até que tenta, em imaginação, deslocar-se rumo às paragens mais distantes do oriente, onde são comuns as imagens da natureza, com céu límpido, cerejeiras em flor e algumas nuvens ao fundo. Mas para quem concebe as imagens mais nítidas de sexo, Freud veria como falsa a ideia de que, mesmo estando no oriente, não terá ele fantasiado algum enredo devasso por lá...

J.A.R. – H.C.

Robert Hass
(n. 1941)

The Pornographer

He has finished a day’s work.
Placing his pencil in a marmalade jar
which is colored the soft grey
of a crumbling Chinese wall
in a Sierra meadow, he walks
from his shed into the afternoon
where orioles rise aflame from the orchard.
He likes the sun and he is tired
of the art he has spent on the brown starfish
anus of his heroine, the wet duck’s-feather tufts
of armpit and thigh, tender and roseate enfoldings
of labia within labia, the pressure and darkness
and long sudden falls from slippery stone
in the minds of the men with anonymous tongues
in his book. When he relaxes, old images
return. He is probably in Central Asia.
Once again he is marched to the wall.
All the faces are impassive. Now
he is blinded. There is a long silence
in which he images clearly the endless sky
and the horizon, swift with cloud scuds.
Each time, in imagination, he attempts
to stand as calmly as possible
in what is sometimes morning warmth,
sometimes evening chill.

Sem título
(Jim Herbert: pintor norte-americano)

O Pornógrafo

Ele findou um dia de trabalho.
Depois de colocar o lápis num pote de geleia
que tem a cor de um gris suave
de um muro chinês em ruínas
numa pradaria de Sierra, dirige-se
ao entardecer para fora de seu alpendre
onde os papa-figos adejam fogosos no pomar.
Ele adora o sol e está cansado
da arte que dedicara à estrela-do-mar marrom
do ânus de sua heroína, aos tufos molhados como
plumas de pato de coxas e axilas, às pregas tenras e rosadas
de lábios dentro de lábios, à pressão, à escuridão
e às longas quedas repentinas de pedra resvaladiça
nas mentes dos homens com anônimas línguas
em seu livro. Quando relaxa, imagens antigas
regressam. Decerto se encontra na Ásia Central.
Mais uma vez é levado até o muro.
Todos os rostos são impassíveis. Agora,
ele está às cegas. Há um vasto silêncio durante o qual
imagina nitidamente o céu infinito
e o horizonte, vivaz e com nuvens deslizantes.
A cada vez, quando põe-se a imaginar, tenta
permanecer o mais tranquilo possível,
em meio ao que às vezes é o calor matinal,
às vezes é o frio da noite.

Referência:

HASS, Robert. The pornographer. In: DOVE, Rita (Ed.). The penguin anthology of twentieth century american poetry. New York, NY: Penguin Books, 2013. p. 390-391.