O monge, autor
imaginário dos poemas de “O Livro de Horas”, de Rilke, dedica-se aqui a
solenizar o ideal franciscano de pobreza, vale dizer, o princípio da renúncia
como forma de concretizar os seus anseios de proximidade com Deus –
assumindo-se, claro está, uma interpretação magnânima para tais versos, menos
que filosófica na extensão de seus exatos termos.
Com efeito, a abordagem
mística assumida converte quaisquer traços de vontade e de orgulho em
humildade, corolário das ilusões e das “contradições do ser”, expondo o falante
a uma “hora estranha”, vivenciada angustiosamente nas grandes cidades, onde aspira
libertar-se de toda dúvida e desespero pela via da reconciliação com o divino.
J.A.R. – H.C.
Rainer Maria Rilke
(1875-1926)
Du Berg, der blieb...
Du Berg, der blieb,
da die Gebirge kamen, –
Hang ohne Hütten,
Gipfel ohne Namen,
ewiger Schnee, in dem
die Sterne lahmen,
und Träger jener Tale
der Zyklamen,
aus denen aller Duft
der Erde geht;
du, aller Berge Mund
und Minaret
(von dem noch nie der
Abendruf erschallte):
Geh ich in dir jetzt?
Bin ich im Basalte
wie ein noch
ungefundenes Metall?
Ehrfürchtig füll ich
deine Felsenfalte,
und deine Härte fühl
ich überall.
Oder ist das die
Angst, in der ich bin?
die tiefe Angst der
übergroßen Städte,
in die du mich
gestellt hast bis ans Kinn?
O daß dir einer recht
geredet hätte
von ihres Wesens Wahn
und Abersinn.
Du stündest auf, du
Sturm aus Anbeginn,
und triebest sie wie
Hülsen vor dir hin...
Und willst du jetzt
von mir: so rede recht, –
so bin ich nicht mehr
Herr in meinem Munde,
der nichts als zugehn
will wie eine Wunde;
und meine Hände
halten sich wie Hunde
an meinen Seiten,
jedem Ruf zu schlecht.
Du zwingst mich,
Herr, zu einer fremden Stunde.
In: Drittes Buch –
“Von der Armut und vom Tode” (1903)
Vale da Montanha
Verde
(Steve Henderson:
pintor norte-americano)
Tu, que montanha já
eras...
Tu, que montanha já
eras quando as montanhas chegaram
– ladeira sem
cabanas, cumeadas sem nome,
neve eterna em que
afogam-se todas as estrelas
e portador dos vales
de ciclames
dos quais emanam uns
cheiros de terra –
Tu, boca e minarete
de todas as montanhas
(de onde jamais se
ouviram no crepúsculo os sinos).
Por ti vou eu agora.
Estarei no basalto
que nem um mineral
ainda não descoberto?
Respeitoso preencho
tuas rochosas fendas
e teu coração duro eu
sinto em toda parte.
Ou será isto a
angústia em que me encontro?
A funda angústia das
grandes cidades
em que tu me enfiaste
até o pescoço?
Ah, se alguém de bem
te houvesse falado
das ilusões e das
contradições do ser,
adiá-las-ias tu,
procela dos começos,
e as jogarias diante
de ti, recipiente imóvel.
E agora é de mim que
queres saber?
Fala direito, pois já
não sou senhor de minha boca
que nada mais quer
ser senão ferida,
e minhas mãos
aguardam como cães
a meu lado, mais
bravos a cada chamado.
Tu me forças, Senhor,
a uma hora estranha!
Em: Livro Terceiro –
“Da Pobreza e da Morte” (1903)
Referências:
Em Alemão
RILKE, Rainer Maria. Du berg, der blieb... In:
__________. Das Stunden-Buch. Leipzig, DE: Insel-Verlag, 1918. p. 83-84.
Disponível neste endereço. Acesso em: 28 set. 2022.
Em Português
RILKE, Rainer Maria.
Tu, que montanha já eras... Tradução de Geir Campos. In: __________. Livro
das horas. Tradução de Geir Campos. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Civilização
Brasileira, 1994. p. 148-149.
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