Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Sylvia Plath - Espelho

A voz poética de um espelho reflete apenas a “verdade” corpórea daquela que, dia após dia, põe-se à sua frente, melhor dizendo, a realidade de uma mulher exposta às contingências do tempo, lembrando-a do indefectível processo de envelhecimento, em direção ao fatal e intimidante momento, em que tudo há de findar.

 

Como muitas das criações de Plath, este poema chega até o leitor pejado de emoções angustiosas: o tom rosado da juventude vai perdendo o seu viço, o rosto envelhece e a “verdade” que se reflete ao espelho muitas vezes entra em conflito com um mundo de aparências enganosas (muitas vezes assumidas na tentativa de se ostentar um estado feliz – deveras presente no espírito).

 

J.A.R. – H.C.

 

Sylvia Plath

(1932-1963)

 

Mirror

 

I am silver and exact. I have no preconceptions.

Whatever I see I swallow immediately

Just as it is, unmisted by love or dislike.

I am not cruel, only truthful –

The eye of a little god, four-cornered.

Most of the time I meditate on the opposite wall.

It is pink, with speckles. I have looked at it so long

I think it is a part of my heart. But it flickers.

Faces and darkness separate us over and over.

 

Now I am a lake. A woman bends over me,

Searching my reaches for what she really is.

Then she turns to those liars, the candles or the moon.

I see her back, and reflect it faithfully.

She rewards me with tears and an agitation of hands.

I am important to her. She comes and goes.

Each morning it is her face that replaces the darkness.

In me she has drowned a young girl, and in me an old woman

Rises toward her day after day, like a terrible fish.

 

23 October 1961

 

Mulher à beira de um lago

(James Smetham: pintor inglês)

 

Espelho

 

Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.

O que quer que veja, assimilo de imediato

Tal como é, sem névoas de amor ou aversão.

Não sou cruel, apenas veraz –

O olho quadrangular de um pequeno deus.

Na maior parte do tempo medito sobre a parede oposta.

É rosada, com manchas. Tanto tempo levo a observá-la

Que penso já fazer parte de meu coração. Mas ela meneia.

Rostos e escuridão nos separam vezes sem conta.

 

Agora sou um lago. Uma mulher se inclina sobre mim,

Procurando em meus domínios pelo que ela realmente é.

Então se volta para aquelas mentirosas, as velas ou a lua.

Vejo suas costas, e as reflito com fidelidade.

Ela me recompensa com lágrimas e um agitar de mãos.

Sou importante para ela. Ela vem e vai.

A cada manhã, é o seu rosto que substitui a escuridão.

Em mim ela afogou uma jovem, e em mim uma velha

Se ergue até ela, dia após dia, como um terrível peixe.

 

23 de outubro de 1961

 

Referência:

 

PLATH, Sylvia. Mirror. In: __________. The collected poems. Edited by Ted Hughes. New York, NY: Harper & Row Publishers, 1981. p. 173-174.

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