Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 31 de janeiro de 2015

Serafín Quiteño – Poeta

Temos aqui mais um poema que busca projetar luzes sobre o que seja a figura do poeta: Serafín Quiteño, vate salvadorenho, lança mão de múltiplas funções da linguagem para falar daquele que, levado pelas emoções originárias de “obscuros mananciais”, alça aos céus do Parnaso as suas “infantis” catedrais.

O poema foi extraído da série “Sonetos de la palabra” (“Sonetos da palavra”), incorporada à obra “Corasón con S”, de 1941, por meio da qual o poeta “sustenta que a linguagem humana não deve agasalhar as ideias do homem, mas há de servir para desnudá-las” (CULTURA, 1969, p. 14).

J.A.R. – H.C.

Serafín Quiteño
(1906-1987)

Poeta

iOh! tú, el abandonado entre puñales,
entre densos fantasmas, en perdidos
mares de sombra, selvas de gemidos
y ausentes golondrinas y rosales.

iOh! tú, el ciego, el confiado entre fanales
hoscos de noche y muertos sumergidos...
Confiado entre lebreles contenidos
y solo ante los dioses inmortales.

Con todo, sosegado en la agonia,
fuerte en el llanto, casto en la alegria
resurrecta de oscuros manantiales.

Ahi un rodar de lagrimas te guia
y una palabra pura frente al dia
alza sus infantiles catedrales.

Retrato do Poeta Peter Hille
(Franz Heinrich Lovis Corinth: 1858-1925)

Poeta

Oh! tu, o abandonado entre punhais,
entre densos fantasmas, em perdidos
mares de sombra, selvas de gemidos
e ausentes andorinhas e roseirais.

Oh! tu, o cego, o crédulo entre fanais
toscos da noite e mortos submersos...
Crédulo entre lebréus comedidos
e sozinho ante os deuses imortais.

Contudo, sossegado na agonia,
forte no pranto, casto na alegria
ressurreta de obscuros mananciais.

Aí um rolar de lágrimas te guia
e uma palavra pura frente ao dia
alça suas infantis catedrais.

Referência:

CULTURA. San Salvador (SV), Revista del Ministerio de Educación, n. 54, oct.-dic. 1969.

QUITEÑO, Serafín. Poeta. Cultura. San Salvador (SV), Revista del Ministerio de Educación, n. 54, p. 80, oct.-dic. 1969.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Edward Lear – O Mocho e a Gatinha

Um poema que é o máximo do nonsense – afinal, o que se diria de um amor entre uma coruja-macho e uma gata? –, com vocábulos e expressões que ganharam sentido por meio da imaginativa mente de seu autor, o britânico Edward Lear, como  “Bong-Tree” e “runcible”, para os quais há tentativas de explicações em inúmeros “sites” na internet.

A intérprete gaúcha Adriana Calcanhotto musicalizou a seu modo a historinha, no endereço do youtube que mais abaixo apresentamos. Ademais, as ilustrações anexadas a esta postagem, de autoria de William Foster, foram extraídas deste endereço, associado ao Projeto  Gutenberg.

Enfim: como a poesia parece estar mesmo direcionada às crianças, elas certamente, em suas fantasias, saberão usufruir melhor o prazer que o poeta, em sua criação, procurou engendrar.

J.A.R. – H.C.

Edward Lear
(1812-1888)


The Owl and the Pussy-Cat

(I)

The Owl and the Pussy-cat went to sea
In a beautiful pea green boat,
They took some honey, and plenty of money,
Wrapped up in a five pound note.
The Owl looked up to the stars above,
And sang to a small guitar,
“O lovely Pussy! O Pussy my love,
What a beautiful Pussy you are,
You are,
You are!
What a beautiful Pussy you are!”


(II)

Pussy said to the Owl, “You elegant fowl!
How charmingly sweet you sing!
O let us be married! too long we have tarried:
But what shall we do for a ring?”
They sailed away, for a year and a day,
To the land where the Bong-tree grows
And there in a wood a Piggy-wig stood
With a ring at the end of his nose,
His nose,
His nose,
With a ring at the end of his nose.


(III)

“Dear pig, are you willing to sell for one shilling
Your ring?” Said the Piggy, “I will”.
So they took it away, and were married next day
By the Turkey who lives on the hill.
They dined on mince, and slices of quince,
Which they ate with a runcible spoon;
And hand in hand, on the edge of the sand,
They danced by the light of the moon,
The moon,
The moon,
They danced by the light of the moon. 


 

O Mocho e a Gatinha

O Mocho e a Gatinha lançaram-se ao mar
Em um belo barco verde-ervilha,
Levaram um pouco de mel e dinheiro bastante,
Envolto numa nota de cinco libras.
Contemplando as estrelas no firmamento,
E ao som de uma pequena guitarra, o mocho cantou:
“Ó encantadora Gatinha, ó Gatinha, meu amor,
Que bela Gatinha você é,
Você é,
Você é!
Que linda Gatinha você é!”


Ao que Gatinha lhe disse, “Você é uma elegante ave!
E como você canta de modo doce e cativante!
Ó casemo-nos! Já deixamos passar muito tempo:
Onde, porém, encontraremos um anel?”
Eles navegaram mar afora, durante um ano e um dia,
Até a terra onde vicejam as árvores de Bong,
E ali no bosque encontraram um nobre leitão
Com um anel na ponta de seu nariz,
Seu nariz,
Seu nariz,
Com um anel na ponta de seu nariz.


“Querido leitão, você está disposto a vender por um xelim
O seu anel?” Disse-lhes o porquinho, “Pois sim”.
Desse modo o tomaram, e foram casados no dia seguinte
Por um Peru que vivia na colina.
Eles cearam carne picada e rodelas de marmelo,
Que saboreavam com uma colher-garfo.
E de mãos dadas, bem próximo à praia,
Dançaram ao clarão da lua,
Da lua,
Da lua,
Eles dançaram ao clarão da lua.


 
Adriana Calcanhotto
(O Mocho e a Gatinha)

Referência:

LEAR, Edward. The owl and the pussy-cat. In: __________. The owl and the pussy-cat. London (EN): Sovereign Classic, 2014. p. 7-8. (Sovereign Children’s Classics)
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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

W. B. Yeats – Os Eruditos

Mais que um poeta, o irlandês Yeats era um artista da palavra. E sabia lançar mão da ironia e do sarcasmo para deixar suficientemente assentes os seus pontos de vista sobre determinados temas.

Para ilustrar o que afirmamos, selecionamos a poesia “The Scholars” de sua coletânea completa de poemas. Diz ele acerca dos estudiosos, como os críticos da academia, que “todos pensam o que os outros pensam”, parecendo sugerir que são guiados pela tradição, ou melhor, que hipoteticamente julgam haver uma forma correta de se acercar do fenômeno poético, qual seja, o estreito apreço aos cânones literários clássicos.

Notemos que as palavras de Yeats não deixam margens para dúvidas acerca de quais atributos são os mais censuráveis entre os “veneráveis acadêmicos”: conformismo, complacência e falta de sensibilidade. Condena-os ainda mais por se aproveitarem – zombaria das zombarias! – das emoções dos autênticos poetas.

Observe-se, por fim, que a referência de Yeats ao poeta romano Catulo (87 ou 84 a.c. – 57 ou 54 a.c.) não é gratuita. Catulo, em boa medida, rompeu com o passado literário latino, estabelecendo outros estilos de escrita. Por conseguinte, parecia-lhe representar a inovação que, em seu dias, percebia ausente entre aqueles contra quem dirigiu o poema.

J.A.R. – H.C.

W. B. Yeats
(1865-1939)

The Scholars

Bald heads forgetful of their sins,
Old, learned, respectable bald heads
Edit and annotate the lines
That young men, tossing on their beds,
Rhymed out in love’s despair
To flatter beauty’s ignorant ear.

All shuffle there; all cough in ink;
All wear the carpet with their shoes;
All think what other people think;
All know the man their neighbour knows.
Lord, what would they say
Did their Catullus walk that way?

O Erudito em seu Estudo
(Rembrandt: 1606-1669)

Os Eruditos

Calvas cabeças esquecidas de seus pecados,
Velhas, doutas, calvas e respeitáveis cabeças
Editam e anotam os versos
Que jovens, inquietos em suas camas,
Fixaram em rimas sob a chama do amor
Para lisonjear o ignaro ouvido da beleza.

Todos se arrastam penosamente; tossem sobre a tinta;
Todos desgastam o tapete com seus sapatos;
Todos pensam o que os outros pensam;
Todos conhecem quem o seu parceiro conhece.
Senhor, o que eles teriam a dizer
Se Catulo, íntimo deles, agisse desse modo?

Referência:

YEATS, W. B. The scholars. In: __________. Collected Poems. New York (US): The Macmillan Publishing Company, 1956. p. 158.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Samuel Daniel - Poesia como Comunhão Através do Tempo

Eis aqui mais um poema que busca reatar as conexões entre presente, passado e futuro, neste caso, por meio da literatura. A poesia, de 1599, extraída da obra Musophilus”, do poeta e historiador inglês Samuel Daniel, destaca-se pela premissa de que a literatura – ou as literaturas – teriam o poder de fazer a história humana ganhar vida, mesmo que muitos dos eventos que narra ou descreve  representem lídimas metáforas.

Daniel não faz maiores distinções entre mortos e vivos, pois as “abençoadas literaturas” deteriam a capacidade de partilhar todas as eras numa só: os mortos falam aos vivos pelo legado escrito que deixaram; aqueles ainda por vir receberão de nós o que formos aptos a criar. E com isso o presente flui como uma dádiva perpétua.

Para o autor, o Conhecimento – e ele o grafa assim, com “C” maiúsculo! – é a alma do mundo e, sem ele, nada há que seja efetivamente glorioso sobre a Terra. Afinal, do que se orgulhar se tudo o que há vier a cair no mais abjeto descuido?

J.A.R. – H.C.

Samuel Daniel
(1562-1619)

Daniel, poeta da corte de Elizabeth I e de James I, escreveu numa variedade de gêneros, de uma sequência de sonetos (Delia, 1592) ao épico (The Civil Wars, 1595-1609). Entre os seus admiradores estavam Lamb, Wordsworth e Coleridge (HOPKINS, 2005, p. 22).

O blessed letters

O blessed letters, that combine in one
All ages past, and make one live with all;
By you we do confer with who are gone,
And the dead-living unto counsel call;
By you the unborn shall have communion
Of what we feel, and what doth us befall.

Soul of the world, Knowledge, without thee,
What hath the earth that truly glorious is?
Why should our pride make such a stir to be,
To be forgot? What good is like to this,
To do worthy the writing, and to write
Worthy the reading, and the world’s delight?

A Jovem Leitora
(Pierre A. Renoir: 1841-1919)

Ó abençoadas literaturas

Ó abençoadas literaturas, que combinais numa só
Todas as eras passadas, permitindo-nos viver com todas;
Por meio de vós dialogamos com quem já se foi,
E os mortos-vivos até um conselho convocam;
Por meio de vós os nascituros entrarão em comunhão
Com o que sentimos, e o que por fortuna nos acontece.

Alma do mundo, Conhecimento, sem vós,
O que há na terra que seja verdadeiramente glorioso?
Por que deveria o nosso orgulho mais parecer um frenesi,
Para ser olvidado? O aprazível é isto em suma,
Enobrecer a escrita, tornando-a
Digna de leitura, e o deleite do mundo?

Referência:

DANIEL, Samuel. O blessed letters. In: HOPKINS. David (Ed.). The routledge anthology of poets on poets: poetic responses to english poetry from Chaucer to Yeats. London (EN): Routledge, 2005. p. 22.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

E. E. Cummings: homem não, se os homens são deuses

Conhecemos por demais o famoso poema de Pessoa sobre o poeta (Autopsicografia): um fingidor, “(...) finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente”.

Como Pessoa, o poeta norte-americano E. E. Cummings também buscou caracterizar o poeta em um de seus poemas: ele é um deus, porque tem o dom de criar mundos pelo poder da palavra. Assim como no Gênesis, uma ordem como “Faça-se a luz” equivaleria a “Faça-se o verso”!

Mas ele é mais do que isso: “covarde, palhaço, traidor, idiota, sonhador, fera”. Um ser humano que se autodeprecia por puro fingimento. Quem não haveria de perceber que em seu peito repousam “todos os sonhos do mundo”?!

J.A.R. – H.C.

Edward Estlin Cummings
(1894-1962)

xxii. no man, if men are gods

no man, if men are gods; but if gods must
be men, the sometimes only man is this
(most common, for each anguish is his grief;
and, for his joy is more than joy, most rare)

a fiend, if fiends speak truth; if angels burn

by their own generous completely light,
an angel; or (as various worlds he'll spurn
rather than fail immeasurable fate)
coward, clown, traitor, idiot, dreamer, beast –

such was a poet and shall be and is

– who’ll solve the depths of horror to defend
a sunbeam’s architecture with his life:
and carve immortal jungles of despair
to hold a mountain’s heartbeat in his hand

O Poeta
Egon Schiele: pintor austríaco
(1890-1918)

xxii. homem não, se os homens são deuses

homem não, se os homens são deuses; mas se os deuses devem
ser homens, por vezes é este o único homem
(o mais comum, para cada angústia é a sua dor;
e o mais raro, sua alegria é mais do que prazer)

um demônio, se os demônios dizem a verdade; se os anjos ardem

plenamente por sua própria e generosa luz,
um anjo; ou (uma vez que muitos mundos ele recusaria
a ter que falhar com o seu incomensurável destino)
covarde, palhaço, traidor, idiota, sonhador, fera –

assim foi e será e é o poeta

– aquele que deslindará os abismos do horror para defender
a arquitetura de um raio de sol com a sua vida:
e esculpe selvas infindáveis de desalento
para segurar a pulsação de uma montanha em sua mão

Referência:

CUMMINGS, E. E. no man, if men are gods. In: __________. Complete poems: 1904-1962. 1 X 1 [One Times One]. Edited by George J. Firmage. New York (US): Liveright Publishing Corporation, 1991. p. 562.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Nelo Risi – Tautologia

Muitos e muitos anos atrás, um mestre de origem nipônica, de cujas aulas participávamos na pós-graduação, exigia, a cada início de suas preleções, que todos entoássemos a máxima “Kaizen”, advinda de um programa de melhoria implementado lá nas terras do sol nascente, logo depois da 2GM, para alavancar os negócios e a produtividade das empresas japonesas: “Hoje melhor do que ontem; amanhã melhor do que hoje”.

Mas sempre existem aqueles que preferem pertencer ao time “do contra”, e ficavam lá no fundo da sala a subverter a frase: “Hoje pior do que ontem; amanhã pior do que hoje”. Resultado: mais alguns minutos de “catequização” por parte do mestre, para colocar aqueles “filhos” desguiados no “bom caminho”! (rs).

Contudo, caro internauta, há formas distintas de ver a coisa: é o que desvenda o poeta italiano Nelo Risi, no poema em epígrafe. Diz ele que, se a piora quotidiana é irreversível, devemos piorar da melhor forma possível. Não se pode negar que é uma maneira singular de resguardar os juízos, a contemporizar as duas posições prévias, a do mestre e a de seus discípulos. Ora, ora...

J.A.R. – H.C.

Nelo Risi
(n. 1920)

Tautologia

Su
e giú
sull’altalena
a ripagarci d’ogni pena
ogni sera ci auguriamo
un mattino migliore.
Ma i nostri sforzi sono frivoli
ma non si può che
peggiorare in meglio.

Velho Sábio
(Andrew Judd: artista canadense)

Tautologia

Acima
  e abaixo
sobre o balanço
para compensar todo o sofrimento
a cada noite esperamos
por uma manhã melhor.
Mas nossos esforços são inúteis
e nada se pode fazer
senão piorar melhor.

Referência:

RISI, Nelo. Tautologia. In: SMITH, Lawrence R. The new italian poetry: 1945 to the present. A Bilingual Anthology. Berkeley and Los Angeles, Califórnia: University of Califórnia Press, 1981. p. 242.

domingo, 25 de janeiro de 2015

É noite... e os gatos estão à espreita!

Resgatamos, neste ‘post’, um poema do filósofo alemão Nietzsche, extraído de seus “Fragmentos do Espólio”. Retrata ele o comportamento noturno dos gatos, que furtivamente sobem aos telhados para dar vazão às suas lascivas paixões. Rechonchudos como os monges libidinosos, compara Nietzsche, a sublinhar a sua mais do que conhecida aversão às religiões.

J.A.R. – H.C.

Caricatura de Nietzsche
(1844-1900)

Nacht ist’s

Nacht ist’s: wieder über den Dächern
wandelt des Mondes feistes Antlitz.
Er, der eifersüchtigste aller Kater,
Allen Liebenden blickt er eifersüchtig
Dieser blasse fette “Mann im Monde.
Lüstern schleicht er um alle dunklen Ecken,
Lehnt breit sich in halbverschlossene Fenster,
Einem lüsternen, fetten Mönche gleich, geht
Frech er nachts auf verbotnen Wegen.

Gato sobre o Telhado
(Dean Wittle: artista norte-americano)

It is night

It is night: again over the roofs,
wanders the fat face of the moon.
He, the most jealous of all cats,
looks jealously at all lovers,
this pale, fat “man in the moon”.
He creeps around all dark corners,
leans far into half open windows,
like a lecherous, fat monk, he travels
cheekily upon nightly forbidden paths.

Gato à Janela
(Alexander Gunin: artista russo)

É noite

É noite: novamente sobre os telhados
Vagueia a face redonda da lua.
Ele, o mais ciumento de todos gatos,
Olha com ciúmes para todos os amantes,
Esse pálido e gorducho “homem da lua”.
Esgueira-se lascivo pelos cantos mais escuros,
Recosta-se folgadamente a janelas meio abertas.
Como um libidinoso e rechonchudo monge, ele anda
Insolente de noite, por caminhos proibidos.

Referência:

NIETZSCHE, Friedrich. It is night. In: __________. The peacock and the buffalo: the poetry of Nietzsche. Through the Circle of Dionysos Dithyrambs, n. 122. Translation by James Luchte. New York (US); London (EN): Continuum International Publishing Group, 2010. p. 381.

NIETZSCHE, Friedrich. Nacht ist’s. __________. Nachgelassene fragmente: 1882-1884. Kritische studienausgabe herausgegeben von Giorgio Colli und Mazzino Montinari. 2. Durchgesehene Aufllage. München (DE): Deutscher Taschenbuch Verlag, 1988. p. 425.
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sábado, 24 de janeiro de 2015

Wallace Stevens - O Claro Sentido das Coisas

Num poema no qual parece deplorar a encruzilhada em que o conhecimento humano se meteu, nas estações do outono ou do inverno – quando então as folhas caem –, ali onde a existência e o saber conformariam um estado hipotético com potencial para tornar estática nossa consciência, sem impulsos capazes de fazê-la avançar, Wallace Stevens vê somente na imaginação o recurso primeiro a ser buscado para reinterpretar criativamente o mundo.

 

Há elementos epistêmicos nesses versos de Stevens: a estrutura de todo o conhecimento adquirido pela humanidade parece haver-se contraído, apequenado, por vezes desassistido ficou, malcuidado. No meio de sua lagoa já meio degradada, assomam ‘lírios’ que foram indevidamente abandonados, mas que podem, assim mesmo, constituir o húmus com que a própria casa do saber humano poderá se renovar.

 

J.A.R. – H.C.

 

Wallace Stevens

(1879-1955: poeta norte-americano)

 

The Plain Sense of Things

 

After the leaves have fallen, we return

To a plain sense of things. It is as if

We had come to an end of the imagination,

Inanimate in an inert savoir.

 

It is difficult even to choose the adjective

For this blank cold, this sadness without cause.

The great structure has become a minor house.

No turban walks across the lessened floors.

 

The greenhouse never so badly needed paint.

The chimney is fifty years old and slants to one side.

A fantastic effort has failed, a repetition

In a repetitiousness of men and flies.

 

Yet the absence of the imagination had

Itself to be imagined. The great pond,

The plain sense of it, without reflections, leaves,

Mud, water like dirty glass, expressing silence

 

Of a sort, silence of a rat come out to see,

The great pond and its waste of the lilies, all this

Had to be imagined as an inevitable knowledge,

Required, as a necessity requires.

 

Old Knowledge

(Huang Qiang: artista chinês)

 

O Claro Sentido das Coisas

 

Depois de as folhas terem caído, regressamos

A um claro sentido das coisas. É como se

Houvéssemos chegado a um fim da imaginação,

Inanimada em um saber inerte.

 

Torna-se até difícil escolher o adjetivo

Para este simples resfriado, esta tristeza sem causa.

A grande estrutura tornou-se uma casa menor.

Nenhum turbante atravessa os reduzidos pavimentos.

 

A estufa nunca necessitou tanto de pintura.

A chaminé tem cinquenta anos e se inclina para um lado.

Um fantástico esforço falhou, uma repetição

Num ciclo de repetições de homens e moscas.

 

No entanto, a própria ausência de imaginação tinha

Que ser imaginada. A grande lagoa,

O seu claro sentido, sem reflexões, folhas,

Lodo, água como vidro sujo, expressando um tipo

 

De silêncio, silêncio de um rato a esgueirar-se para ver,

A grande lagoa e o desperdício de seus lírios, tudo isto

Tinha que ser imaginado como um inevitável conhecimento,

Requerido, como uma necessidade requer.

 

Referência:

 

STEVENS, Wallace. The plain sense of things. IN: __________. The collected poems  The rock. 11th printing. New York: Alfred A. Knopf Inc., 1971. p. 502-503.