Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Paul Géraldy - Passado

O poeta se penitencia por haver destruído, há alguns anos, os pudores e a timidez de que se cobria a amante, por nisso haver certo encanto, não como agora, que as coisas já estão mais sedimentadas e despir-se frente ao parceiro já se tornou algo habitual e sem constrangimentos, quando ambos se propõem a viajar até os domínios do êxtase sexual.

É que o avançar do quotidiano acaba por descortinar, possibilitar à visão, quaisquer outras realidades antes complementadas pela imaginação, um elemento primordial no jogo erótico. Se o leitor aceitar uma sugestão de leitura sobre o tema, recomendaria a obra “A dupla chama: amor e erotismo” (1993), do Nobel mexicano Octavio Paz, sempre uma referência de peso.

J.A.R. – H.C.

Paul Géraldy
(1885-1983)

Passé

Tu avais jadis, lorsque je t’ai prise,
il y a trois ans,
des timidités, des pudeurs exquises.
Je te les ai désapprises.
Je les regrette à présent.
À présent, tu viens, tu te déshabilles,
tu noues tes cheveux, tu me tends ton corps...
Tu n’étais pas si prompte alors.
Je t’appelais: ma jeune fille.

Tu t’approchais craintivement.
Tu avais peur de la lumière.
Dans nos plus grands embrassements,
je ne t’avais pas tout entière...
Je t’en voulais. J’étais avide,
ce pauvre baiser trop candide,
de le sentir répondre au mien.
Je te disais, tu t’en souviens:
“Vous ne seriez pas si timide
si vous m’aimiez tout à fait bien!...”
Et maintenant je la regrette
cette enfant au front sérieux,
qui pour être un peu plus secrète
mettait son bras nu sur ses yeux.

Esbelta no terraço
(Konstantin Razumov: pintor russo)

Passado

Há três anos, quando conheci você,
Tinham certo encanto
Essa timidez, esses pudores que
Destruí não sei porquê...
Hoje eu me arrependo tanto.
Hoje você chega, despe-se depressa,
Prende os seus cabelos, dá-se toda a mim...
Você não era bem assim.
Era somente uma promessa.

Era arisca e fugindo um pouco
Da luz brutal que você vinha.
E, nos meus transportes mais loucos,
Você não era toda minha...
Eu odiava você. Eu queria
Que o pobre beijo, que era o seu,
Correspondesse bem ao meu.
Você não se lembra? eu dizia:
“Não, você não seria assim
Se gostasse mesmo de mim!...”
E agora eu choro a cada passo
A menina de rosto sério
Que para ter maior mistério
Cobria os olhos com seu braço.

Referência:

GÉRALDY, Paul. Passé / Passado. Tradução de Guilherme de Almeida. In: ALMEIDA, Guilherme de (Seleção e tradução). Poetas de França. Prefácio de Marcelo Tápia. 5. ed. São Paulo, SP: Babel, 2011. Em francês: p. 162; em português: p. 163.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Hélio de Assis - De que cor será sentir?

São muitas as perguntas do poeta acerca das conotações negativas que são atribuídas ao negro, sendo que outras cores quase nunca as têm, nem mesmo as indagadas antonímias de situações a que o negro está associado: fome, morte, duras realidades. Ao fim, o falante se pergunta qual deverá ser a cor da opressão, por se saber que num país como o Brasil, em que praticamente uma em cada duas pessoas tem origem negra, nos presídios e nos hospícios pouco se veem cativos de outras cores.

A rigor, nos presídios de Pindorama a clivagem majoritária é típica e inconfundível: o detido é homem, negro, pobre e na faixa dos 20 (vinte) aos 40 (quarenta) anos. Os negros também são maioria entre os favelados nas cidades brasileiras. Tal é a miséria pátria, pois igualdade de oportunidades jamais se ouviu falar por estas bandas, tampouco os que dirigem a nação ou os que comandam o judiciário – majoritariamente brancos – se dispõem a alterar esse estado de coisas, antes, contribuem de modo decisivo para a manutenção do “status quo”.

J.A.R. – H.C.

Estudo de um modelo
(Théodore Géricault: pintor francês)

De que cor será sentir?

Afinal
De que cor será sentir?
Será que o amor
Tem uma cor?
Será vermelho
O ódio?
Será branca
A paz?
Sendo negra
A morte
De que cor
Será a vida?
Sendo negra a fome
Qual a cor da fartura?
Sendo negra a realidade
Qual a cor da ilusão?
Sendo negra a cor que tinge
Presídios, hospícios
Qual a cor da opressão?

Retrato de um negro
(Théodore Géricault: pintor francês)

Nota Biográfica:

Hélio de Assis nasceu em 1952, no Rio de Janeiro. É poeta, teatrólogo e argumentista. Participa do grupo “Negrícia Poesia e Arte de Crioulo”. Fundou e presidiu a CAIS - Cooperativa dos Artistas Independentes dos Subúrbios, em 1979. Participou da revista “Semente” e do grupo de teatro “Cara e Coragem”. “Boi jeans” (cordel urbano) e “No bloco das piranhas”, edição do autor, são as suas principais publicações. Atualmente, é diretor sociocultural do grupo “Agbara-Dudu” e coordenador de animação cultural no município do Rio de Janeiro. (CARLOS DOS SANTOS; GALAS; TAVARES, 2005, p. 160)

Referência:

ASSIS, Hélio de. De que cor será sentir? In: CARLOS DOS SANTOS, Luiz; GALAS, Maria; TAVARES, Ulisses (Organização e Apresentação). O negro em versos: antologia da poesia negra brasileira. 1. ed. São Paulo, SP: Moderna, 2005. p. 90. (“Lendo & Relendo”)

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Francisco Brines - O visitante me abraçou

O falante – certamente o poeta quando jovem – e o seu espelho, já envelhecido: Brines observa a passagem do tempo, a transitoriedade da vida, a efemeridade dos nossos sonhos e, como efeito consectário, o desalento e o peso de uma vida transcorrida – metaforizada numa noite de lua e estrelas –, quando já não se é capaz até mesmo de fazer subir aos olhos as lágrimas sentidas.

A vida muitas vezes nos leva a experimentar situações semelhantes às do contexto de que nos fala o autor valenciano: a de tentar, vãmente, recordar e viver o jovem já distante que fomos – recapturando os sentimentos e pensamentos que, outrora, povoaram a nossa mente –, como se pretendêssemos redigir uma longa obra memorial – a exemplo de “Em busca do tempo perdido”, de Proust.

J.A.R. – H.C.

Francisco Brines
(n. 1932)

El visitante me abrazó

El visitante me abrazó, de nuevo
era la juventud que regresaba,
y se sentó conmigo. Un cansancio
venía de su boca, sus cabellos
traían polvo del camino, débil
luz en los ojos. Se contaba a sí mismo
las tristes cosas de su vida, casi
se repetía en él mi pobre vida.
Arropado en las sombras lo miraba.
La tarde abandonó la sala quieta
cuando partió. Me dije que fue grato
vivir con él (la juventud ya lejos),
que era una fiesta de alegría. Solo
volví a quedar cuando dejó la casa.

Vela el sillón la luna, y en la sala
se ve brillar los astros. Es un hombre
cansado de esperar, que tiene viejo
su torpe corazón, y que a los ojos
no le suben las lágrimas que siente.

De: “Las Brasas” (1960)

Dois jovens num abraço (detalhe)
(Giovanni Batista Piazetta: pintor italiano)

O visitante me abraçou

O visitante me abraçou, de novo
era a juventude que regressava,
e sentou-se comigo. Um cansaço
vinha de sua boca, seus cabelos
traziam a poeira do caminho, uma tênue
luz nos olhos. Contava-se a si mesmo
as tristes coisas de sua vida, quase
se repetia nele a minha pobre vida.
Entrevia-o encoberto pelas sombras.
A tarde abandonou a sala quieta
quando partiu. Disse-me que foi agradável
viver com ele (a juventude já distante),
pois que era uma festa da alegria. Sozinho
voltei a ficar quando deixou a casa.

A poltrona a lua espreita, e da sala
se veem as estrelas a brilhar. É um homem
cansado de esperar, que já tem velho
e moroso o coração, e que aos olhos
não lhe sobem as lágrimas que sente.

De: “As Brasas” (1960)

Referência:

BRINES, Francisco. El visitante me abrazó. In: __________. Antología poética. Selección y prólogo de José Olivio Jiménez. Madrid, ES: Alianza Editorial, 1986. p. 29. (“Sección: Literatura”; “El Libro de Bolsillo”; LB 1190)

terça-feira, 28 de julho de 2020

Primo Levi - Para Adolf Eichmann

Sob a forma de uma lúgubre missiva endereçada ao oficial nazista Adolf Eichmann (1906-1962), Levi, que possuía ascendência judaica, mostra o seu lado exasperado contra aquele que perpetrou a morte de levas de humanos em Auschwitz, Polônia – cinco milhões de judeus, no dizer do falante –, reduzindo o contingente daquele povo a treze milhões.

Distintamente ao que de fato ocorreu com Eichmann – executado em Israel, depois de um midiático julgamento, que deu ensejo à notável obra “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal” (1963), de Hannah Arendt –, Levi não deseja a morte ao oficial, antes, quer que ele permaneça vivo e insone tantas noites quantas as miríades de mortes que perpetrara, para sofrer a mesma dor dos que partiram.

J.A.R. – H.C.

Primo Levi
(1919-1987)

Per Adolf Eichmann

Corre libero il vento per le nostre pianure,
Eterno pulsa il mare vivo alle nostre spiagge.
L’uomo feconda la terra, la terra gli dà fiori e frutti:
Vive in travaglio e in gioia, spera e teme, procrea dolci figli.

…E tu sei giunto, nostro prezioso nemico,
Tu creatura deserta, uomo cerchiato di morte.
Che saprai dire ora, davanti al nostro consesso?
Giurerai per un dio? Quale dio?
Salterai nel sepolcro allegramente?
O ti dorrai, come in ultimo l’uomo operoso si duole,
Cui fu la vita breve per l’arte sua troppo lunga,
Dell’opera tua trista non compiuta,
Dei tredici milioni ancora vivi?

O figlio della morte, non ti auguriamo la morte.
Possa tu vivere a lungo quanto nessuno mai visse:
Possa tu vivere insonne cinque milioni di notti,
E visitarti ogni notte la doglia di ognuno che vide
Rinserrarsi la porta che tolse la via del ritorno,
Intorno a sé farsi buio, l’aria gremirsi di morte.

20 luglio 1960

Adolf Eichmann
(1906-1962)

Para Adolf Eichmann

Corre livre o vento por nossas planícies,
Eterno pulsa o mar vivo em nossas praias.
O homem semeia a terra, a terra lhe dá flores e frutos:
Vive em ânsia e alegria, espera e teme, procria temos filhos.

... E você chegou, nosso precioso inimigo,
Você, criatura deserta, homem cercado de morte.
O que saberá dizer agora, diante de nossa assembleia?
Jurará por um deus? Mas que deus?
Saltará contente sobre o túmulo?
Ou se lamentará, como o homem operoso por fim se lamenta,
A quem a vida foi breve para tão longa arte,
De sua terrível arte incompleta,
Dos treze milhões que ainda vivem?

Ó filho da morte, não lhe desejamos a morte.
Que você viva tanto quanto ninguém nunca viveu;
Que viva insone cinco milhões de noites,
E que toda noite lhe visite a dor de cada um que viu
Encerrar-se a porta que barrou o caminho de volta,
O breu crescer em torno de si, o ar carregar-se de morte.

20 julho de 1960

Referência:

LEVI, Primo. Per Adolf Eichmann / Para Adolf Eichmann. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Mil sóis: poemas escolhidos. Seleção, tradução e apresentação de Maurício Santana Dias. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. Em italiano: p. 46; em português: p. 47.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Paulo Leminski - objeto sujeito

Entre o sujeito e o objeto, entre o poeta e a poesia, há mais segredos do que pode imaginar a nossa vã filosofia, porque até que o ente lírico seja capaz de exteriorizar em versos a “cidade” que lhe vai no íntimo, para transformar o presente em “pretérito perfeito”, quer na escala de séculos – quando um vislumbre de mais beleza e sabedoria se torna menos difícil de imaginar –, quer no recorrente trânsito de um sábado para mais um trivial domingo, o que inoportuna o falante é um nítido desconforto com a situação presente, longe de qualquer utopia como Pasárgada, Xanadu ou Shangrilá.

Essa dúvida substancial em relação ao estado de coisas, a erigir certa profusão de cenários factíveis à realidade, bem pode se materializar em uma sociedade menos injusta e mais humana – decerto mais bela e sábia! Ou não, como na intercorrência levantada pelo próprio poeta: pode redundar numa chave para um simples poema – e olhe lá!

J.A.R. – H.C.

Paulo Leminski
(1944-1989)

objeto sujeito

você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade
pelo lado de dentro
como fazer de um verso
um objeto sujeito
como passar do presente
para o pretérito perfeito
nunca saber direito

você nunca vai saber
o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo

você nunca vai saber
e isso é sabedoria
nada que valha a pena
a passagem pra pasárgada
xanadu ou shangrilá
quem sabe a chave
de um poema
e olhe lá

O artista em seu estúdio
(Rembrandt: pintor holandês)

Referência:

LEMINSKI, Paulo. objeto sujeito. In: __________. Distraídos venceremos. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 69. (‘Poesia de Bolso’)

domingo, 26 de julho de 2020

Denise Levertov - A Mudança

A presença dos mortos na vida dos vivos é um peso menos para os que já se foram do que para os que aqui permaneceram: as visões de que nos fala Levertov são lembranças indeléveis dos entes queridos finados, que possuem ainda o poder de se fazerem presentes como se magnetos fossem, pelo revolver que promovem na mente dos que se põem a neles pensar.

É o olhar prospectivo dos espectros a partir da mirada dos que se enlutam para lhes prestar honras: há quem logo esqueça dos seus mortos, mas há os que ficam a eles ligados pelo tempo que lhes resta na vida, como se os compromissos firmados num certo dia ainda os enredassem, trazendo-lhes pesares que os puxam ainda mais para baixo, “com súbita força”.  

J.A.R. – H.C.

Denise Levertov
(1923-1997)

The Change

For years the dead
were the terrible weight of their absence,
the weight of what one had not put in their hands.
Rarely a visitation – dream or vision –
lifted that load for a moment, like someone
standing behind one and briefly taking
the heft of a frameless pack.
But the straps remained, and the ache –
though you can learn not to feel it
except when malicious memory
pulls downward with sudden force.
Slowly there comes a sense
that for some time the burden
has been what you need anyway.
How flimsy to be without it, ungrounded, blown
hither and thither, colliding with stern solids.
And then they begin to return, the dead:
but not as visions. They’re not
separate now, not to be seen, no,
it’s they who see: they displace
for seconds, for minutes, maybe longer,
the mourner’s gaze with their own.  Just now,
that shift of light, arpeggio
on ocean’s harp –
not the accustomed bearer
of heavy absence saw it, it was perceived
by the long-dead, long-absent,
looking out from within one’s opened eyes.

Noite: porto ao luar
(Joseph Vernet: pintor francês)

A Mudança

Por anos, os mortos
foram o terrível peso de sua ausência,
o peso do que não se havia posto em suas mãos.
Raramente um espectro – sonho ou visão –
sustém essa carga por um momento, como alguém
parado que, num instante, recebe nas costas
o peso de uma grande mochila.
Mas as amarras perduram, e a dor –
embora se possa aprender a não senti-la,
exceto quando a memória maliciosa
puxa para baixo com súbita força.
Lentamente, surge a sensação
de que, por algum tempo, a carga se torna,
pelo sim pelo não, aquilo de que se necessita.
Quão instável é ficar sem ela, sem conexão à terra,
soprado de lá para cá, colidindo com sólidos rígidos.
E então os mortos começam a voltar:
mas não como visões. Não estão
separados agora, não podem ser vistos, não,
são eles que veem: deslocam-se
por segundos, por minutos, mais talvez, o olhar
do enlutado a acompanhar o deles. Agora mesmo,
essa mudança de luz, arpejo
na harpa do oceano –
não a viu o carregador acostumado
a pesadas ausências,  antes, foi percebida
pelos mortos de longa data, ausentes há muito,
espreitando o que se passa a partir de nossos olhos abertos.

Referência:

LEVERTOV, Denise. The change. In: __________. Sands of the well. New York, NY: New Directions, 1996. p. 62.

sábado, 25 de julho de 2020

Iwan Goll - Caravana do Desejo

Que o desejo humano é insaciável já o sabemos – como o fluxo de um Niágara ou um Nilo. Mas que esse desejo representa um fardo, já se tem uma transmigração à zona do coração – autêntica “Terra do Fogo”. Daí essa petulância de se atirar pela janela à busca de uma estrela, morrendo, por conseguinte, não exatamente mediante uma morte física, mas por um desencanto em razão de não se poder ir tão longe!

O próprio amor é um desejo insatisfazível, quer seja ele espiritual quer meramente carnal. E neste último caso, os locais de prazer e das delícias – elísios – estão por toda parte, muito embora a mira, sob a ótica do poeta – europeu, segundo ele próprio, mais que judeu, francês ou alemão –, se mostre inacessível: metaforiza-se o desejo em uma caravana em eterna busca de um oásis, jamais encontrado.

J.A.R. – H.C.

Iwan Goll
(1891-1950)

Karawane der Sehnsucht

Unsrer Sehnsucht lange Karawane
Findet nie die Oase der Schatten und Nymphen!
Liebe versengt uns, Vögel des Schmerzes
Fressen immerzu unser Herz aus.
Ach wir wissen von kühlen Wassern und Winden:
Überall könnte Elysium sein!
Aber wir wandern, wir wandern immer in Sehnsucht!
Irgendwo springt ein Mensch aus dem Fenster,
Einen Stern zu haschen, und stirbt dafür,
Irgendeiner sucht im Panoptikum
Seinen wächsernen Traum und liebt ihn –
Aber ein Feuerland brennt uns allen im lechzenden Herzen,
Ach, und flössen Nil und Niagara
Über uns hin, wir schrien nur durstiger auf!

Confidências Pastorais
(François Boucher: pintor francês)

Caravana do Desejo

A longa caravana de nosso desejo
Nunca encontra o oásis das sombras e ninfas!
Amor nos chamusca, pássaros da dor
Devoram mais e mais nosso coração.
Ah, conhecemos águas e ventos frios:
Elísio poderia estar em toda parte!
Mas caminhamos, caminhamos sempre no desejo!
Em algum lugar salta um homem da janela
Atrás de uma estrela, e morre,
Alguém procura na galeria
Seu sonho de cera e o ama –
Mas um fogo queima em nós no sequioso coração,
Ah, corressem Nilo e Niágara
Através de nós, então gritaríamos ainda mais sedentos!

Referência:

GOLL, Iwan. Karawane der sehnsucht / Caravana do desejo. Tradução de Claudia Cavalcanti. In: BECHER, Johannes R. et al. Poesia expressionista alemã: uma antologia. Organização e tradução de Claudia Cavalcanti. Edição bilíngue ilustrada. São Paulo, SP: Estação Liberdade, 2000. Em alemão: p. 80; em português: p. 81.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Sérgio de Castro Pinto - Nômade

A julgar pelo título do poema do jornalista, professor e poeta paraibano, sendo nômade o que se deduz de seus versos – declaradamente, o falo de um troglodita –, não há muita fidelidade – digamos assim – a um mesmo domínio do sexo, haja vista que não o seu antônimo, sedentário e estável: hoje numa tenda, amanhã em outra. Seja como for, é possível que o autor nem tenha tencionado levar o leitor a tão desavergonhadas conclusões (rs).

As palavras de que lança mão Castro Pinto são tais que não avançam para além do meramente erótico, ou melhor, sem descambar para o pornográfico. E as imagens remetem a um passado remoto, um pouco mais à frente daquelas cenas presumidas, embora nunca antropologicamente comprovadas, de trogloditas em busca de sexo, arrastando suas fêmeas pelos cabelos para satisfazer os seus mais carnais apelos.

J.A.R. – H.C.

Sérgio de Castro Pinto
(n. 1947)

Nômade

acha que atritas,
o meu falo queima.

somos trogloditas
descobrindo o fogo.

crescem labaredas.

sob a braguilha
armo uma tenda
com a minha glande.

e o meu falo nômade
rumo à tua tenda
levanta acampamento.

Sátiro e a Ninfa
(Gerard van Honthorst: pintor holandês)

Referência:

PINTO, Sérgio de Castro. Nômade. In: GARCÍA, Xosé Lois. Antologia da poesia brasileira / Antología de la poesía brasileña. Edición bilingüe. Santiago de Compostela, Galiza, U.E.: Laiovento, 2001. p. 362.