Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 31 de janeiro de 2021

R. S. Thomas - Via Negativa

Pervagando pela “via negativa” do conhecimento de Deus, o poeta inglês – também clérigo anglicano – aproxima-se de uma súmula desesperadora, na qual, paradoxalmente, a presença do divino é uma ausência tangível a ocupar os espaços vazios de nossa percepção, tanto mais que nada comparável às coisas que nos cercam: são-nos, decerto, desafiadoras as proposições definidoras, descritoras ou adjetivadoras desse Deus inefável!

Alguns dos versos do poema lembram-nos de passagens dos Evangelhos, como em João (20: 20; 27), quando Cristo expõe as suas mãos e o flanco a Tomé, para que creia no milagre de sua ressurreição: a tepidez do contato seria capaz de revelar o quanto a fé se mantém firme no pensamento daquele que crê em suas palavras.

J.A.R. – H.C.

 

R. S. Thomas

(1913-2000)

 

Via Negativa

 

Why no! I never thought other than

That God is that great absence

In our lives, the empty silence

Within, the place where we go

Seeking, not in hope to

Arrive or find. He keeps the interstices

In our knowledge, the darkness

Between stars. His are the echoes

We follow, the footprints he has just

Left. We put our hands in

His side hoping to find

It warm. We look at people

And places as though he had looked

At them, too; but miss the reflection.

 

Há Sussurros de Seus Caminhos

(Grace C. Bomer: pintora canadense)

 

Via Negativa

 

Não, absolutamente! Jamais pensei em outra coisa

Exceto que Deus seja aquela grande ausência

Em nossas vidas, o silêncio vazio

Interior, o lugar pelo qual andamos

À procura, não com a esperança de

Acercar-nos ou deparar-nos. Ele preenche

Os interstícios de nosso conhecimento, a escuridão

Entre as estrelas. Dele são os ecos

Que seguimos, os rastros há pouco

Deixados. Pomos nossas mãos em

Seu flanco, na esperança de o encontrarmos

Aquecido. Olhamos as pessoas

E os lugares como se ele também os tivesse

Olhado; mas extraviam-se os seus reflexos.


Referência:

THOMAS, R. S. Via negativa. In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st. ed. New York, NY: Miramax Books, 2003. p. 429.

sábado, 30 de janeiro de 2021

Série “A” 2020 – Fim da 32ª Rodada – Projeções do Modelo Esotérico-Matemático (MEM)

Mais duas rodadas e têm-se aqui as projeções do MEM para o final da Série “A” do Brasileirão 2020, agora faltando apenas 6 (seis) partidas para cada time para o torneio se completar.

Quanto ao Z4, o modelo permanece a projetar os mesmos times para a Série “B”, no Brasileirão 2021: Bahia, Goiás, Coritiba e Botafogo. No caso do Bahia, a projeção exibe a diferença de apenas 1 (um) ponto em relação ao Sport e ao Vasco da Gama, podendo haver, ainda, eventual permuta na ordem, em relação a tais equipes. Com respeito a Goiás, Coritiba e Botafogo, a margem já supera os 7 (sete) pontos, o que denota certa estabilidade nas posições indicadas.

Na parte de cima da tabela, há mais proximidade, na projeção de pontos, entre Flamengo, Atlético-MG e São Paulo, do que desse grupo em relação ao Internacional.

Ao final, ofereço outras projeções para o topo, considerando a média de pontos conquistados pelos 5 (cinco) primeiros colocados na tabela, nos últimos 10 (dez) jogos, primeiramente considerando apenas as partidas dentro e fora de seus domínios (P.1), quer para o histórico quer para os prélios faltantes, e depois, agregando-se ainda o fato de quais partidas foram ou vão ser disputadas contra equipes “fracas”, “medianas” ou “fortes” (P.2), a depender da posição conquistada no precitado histórico das últimas 10 (dez) partidas, disputadas por cada time.

Daqui a mais 2 (duas) rodadas, ou seja, ao final da 34ª volta, retornarei com novas projeções.

Um grande abraço a todo(a)s.

J.A.R. – H.C.

Fontes:

Chance de Gol

UFMG Matemática

Infobola








Sylvia Plath - Ovelha na Cerração

Os versos deste curto poema espelham os sentimentos do falante, vale dizer, permeados pela impressão de ser como uma ovelha desencaminhada, num mundo sombrio e sem sentido: o cenário à volta, em resposta, “consterna-se” com essa sensação de estranhamento, desalento e inquietude.

Os recursos metafóricos empregados, bem assim os expedientes de personificação, somente acentuam as consequentes ilações que o leitor pode arrebatar às linhas do poema: o ente lírico experimenta certo aperto por encontrar-se egresso de seus pares, não cedendo em harmonizar-se com suas expectativas.

J.A.R. – H.C.

 

Sylvia Plath

(1932-1963)

 

Sheep in Fog

 

The hills step off into whiteness.

People or stars

Regard me sadly, I disappoint them.

 

The train leaves a line of breath.

O slow

Horse the colour of rust,

 

Hooves, dolorous bells –

All morning the

Morning has been blackening,

 

A flower left out.

My bones hold a stillness, the far

Fields melt my heart.

 

They threaten

To let me through to a heaven

Starless and fatherless, a dark water.

 

Ovelhas na Cerração

(Elena Yushina: pintora crimeia)

 

Ovelha na Cerração

 

Os morros desaparecem na brancura.

Pessoas ou estrelas

Tristes me olham, desapontadas comigo.

 

O trem deixa uma linha de sopros.

O lento

Cavalo cor de ferrugem.

 

Cascos, dolorosos guizos –

Toda manhã a

Manhã esteve escura,

 

Uma flor esquecida.

Meus ossos gozam de uma calma, os campos

Longe derretem meu coração.

 

Tudo ameaça

Deixar-me ir por um céu

Sem estrelas e órfão, uma água espessa.


Referência:

PLATH, Sylvia. Sheep in fog / Ovelha na cerração. Tradução de Afonso Félix de Souza. In: KEYS, Kerry Shawn (Org.). Quingumbo. New North American Poetry / Nova Poesia Norte-Americana. Antologia bilíngue. São Paulo, SP: Escrita, 1980. Em inglês: p. 206; em português: p. 207. (Coleção ‘Marginais, Profetas e Malditos’)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

António Gancho - Sintaxe

Tudo se passa como se o poeta estivesse a dispor harmoniosamente, num quadro, os elementos constituintes do afeto por sua amada, exprimindo-se numa linguagem plena de referentes sensuais ou eróticos, no exato instante em que esmaecida a cordura.

Em meio à graça das imagens empregadas, Gancho lança mão de alguma iconoclastia verbal para sobrepor distintas camadas de significados, até que sobrevenha o clímax de um orgasmo: trata-se, decerto, de um desejo não realizado, a projetar, sob as vestes de sua Dulcineia, cenários capazes de revolver o fogo ardente do amor carnal.

J.A.R. – H.C.

 

António Gancho

(1940-2005)

 

Sintaxe

 

Aonde a planície já não tiver um sentido

e os campos forem já só o horizonte

aí o teu vestido há-de ser cor esmaecido

e sobre ti a minha fronte.

Por te sobre os joelhos uma flor rubra

por te no lugar das pernas o mais amor que me houver

aí onde a flor deixa o pólen

aí o sémen mulher.

Por te sobre o sémen o gemido do teu acto

por te sobre o gemido

a planície sem sentido

aí o teu vestido há-de ser cor esmaecido

por te sobre as pernas me dilato.

 

O amor é cego

(Olumide Egunlae: pintora gambiana)


Referência:

GANCHO, António. Sintaxe. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1789.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Derek Walcott - Terra

O escritor santa-lucense leva-nos a um ponto de dúvida acerca de nossa relação com a Terra, a vida e o dia: somos por eles “possuídos” ou os “possuímos”?! De fato, há uma relação recíproca, pois nos aclimatamos ao mundo natural, harmonizando-nos ao correr do tempo, do alvorecer ao crepúsculo, quando então nos tornamos “árvores negras”, estabilizadas no solo.

Há uma nítida envoltória de metáforas que se sucedem ao fim da tarde e começo da noite, interregno em que assomam os componentes reveladores de um indutor domínio criativo: nesse cadinho, conceitos, memórias e valores se amalgamam numa síntese, com o propósito de regenerar o espírito à luz de uma lua nova.

J.A.R. – H.C.

 

Derek Walcott

(1930-2017)

 

Earth

 

Let the day grow on you upward

through your feet,

the vegetal knuckles,

 

to your knees of stone,

until by evening you are a black tree;

feel, with evening,

 

the swifts thicken your hair,

the new moon rising out of your forehead,

and the moonlit veins of silver

 

running from your armpits

like rivulets under white leaves.

Sleep, as ants

 

cross over your eyelids.

You have never possessed anything

as deeply as this.

 

This is all you have owned

from the first outcry

through forever;

 

you can never be dispossessed.

 

A Conexão

(Lisete Alcalde: pintora mexicana)

 

Terra

 

Deixa que o dia cresça e ascenda em ti,

através dos teus pés,

das articulações vegetais,

 

ao encontro dos teus joelhos de pedra,

até que, ao crepúsculo, sejas uma árvore negra;

sente, com o anoitecer,

 

os guilros espessarem o teu cabelo,

a lua nova a surgir da tua fronte,

e as veias de prata iluminadas pela lua

 

correndo por tuas axilas,

como regatos sob folhas brancas.

Dorme, enquanto as formigas

 

cruzam as tuas pálpebras.

Jamais possuíste nada

tão profundamente quanto isso.

 

Isso é tudo de que fruíste

desde o primeiro clamor

e daqui para sempre;

 

nunca poderás ser expropriado.


Referência:

WALCOTT, Derek. Earth. In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st. ed. New York, NY: Miramax Books, 2003. p. 423.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Fayad Jamís - Auschwitz não foi o jardim de minha infância

Longe das agruras vivenciadas pelas levas de pessoas – muitas crianças entre elas – que foram arrastadas pelos alemães ao campo de concentração de Auschwitz (PL), o poeta usufruiu de uma infância aparentemente feliz, junto à natureza, ainda que exposto a algumas limitações, em razão da pouquidade de recursos financeiros.

Ele o revela neste poema-narrativa, julgando-se um privilegiado de seu tempo, haja vista que a precitada infância foi, em grande parte, contemporânea a um período da História considerado como um dos mais destrutores, vale dizer, o da quadra referente à 2GM, que provocou perdas de 60 a 70 milhões de vidas.

J.A.R. – H.C.

 

Fayad Jamís

(1930-1988)

 

Auschwitz no fue el jardin de mi infancia 

 

A Otto Fernández

 

Auschwitz no fue el jardín de mi infancia. Yo crecí

entre bestias y yerbas, y en mi casa

la pobreza encendía su candil en las noches.

Los árboles se cargaban de nidos y de estrellas,

por los caminos pasaba asustándose una yegua muy blanca.

 

Auschwitz no fue el jardín de mi infancia. Sólo puedo

recordar el sacrificio de las lagartijas,

el fuego oscuro del hogar en las noches de viento,

las muchachas bañando sus risas en el río,

la camisa sudada de mi padre, y el miedo

ante el brutal aullido de las aguas.

 

Auschwitz no fue el jardín de mi infancia, comí caramelos

y lágrimas, en mi avión de madera conquisté

nubes de hierba y no de piel humana.

Soy un privilegiado de este tiempo, crecí bajo la luz

violenta de mi tierra, nadie me obligó a andar

a cuatro patas, y cuando me preguntan mi nombre

un rayo parte la sombra de una guásima.

 

De: “La pedrada” (1981)

 

Crianças em um restolho

(Antonio López Torres: pintor espanhol)

 

Auschwitz não foi o jardim de minha infância

 

A Otto Fernández

 

Auschwitz não foi o jardim de minha infância. Eu cresci

entre bestas e ervas, e em minha casa

a pobreza acendia seu candeeiro de noite.

As árvores se enchiam de ninhos e de estrelas,

pelos caminhos, assustando-se, passava uma égua muito branca.

 

Auschwitz não foi o jardim de minha infância. Só posso

recordar o sacrifício das lagartixas,

o fogo escuro do lar nas noites de vento,

as mocinhas banhando seus risos no rio,

a camisa suada de meu pai, e o medo

diante do brutal uivo das águas.

 

Auschwitz não foi o jardim de minha infância, chupei balas

e lágrimas, em meu avião de madeira conquistei

nuvens de capim e não de pele humana.

Sou um privilegiado deste tempo, cresci sob a

luz violenta de minha terra, ninguém me obrigou a andar

de quatro, e quando me perguntam meu nome

um raio parte a sombra de uma guásima. (*)

 

De: “A pedrada” (1981)


Nota dos tradutores:

(*) Guásima - árvore típica do campo cubano.

Referência:

JAMÍS, Fayad.  Auschwitz no fue el jardin de mi infância / Auschwitz não foi o jardim de minha infância. Tradução de Ali Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. In: LEMUS, Virgilio López (Seleção, prefácio e notas). Vinte poetas cubanos do século XX. Edição bilíngue. Tradução de Ali Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. Florianópolis (SC): Ed. da UFSC, 1994. Em espanhol: p. 246; em português: p. 247.