Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

David Markson - História e Teoria da Arte

Eis um poema com título a prometer bem mais do que nele consta: afinal, trata-se de um arranjo gracioso para, a sério, entabular digressões sobre fatos ou lendas que se contam da vida de grandes artistas – Michelangelo, Rafael, Dürer e outros –, cujas obras, estas sim, por suas peculiaridades, entraram para a grande história da arte.

Ao final, o poeta afirma que cada obra capaz de marcar presença no contexto da arte surge pautada por suas próprias leis, a pouco importar se, os que as avaliam, nelas percebam algumas imperfeições – adjetivadas, aliás, como, “idiossincráticas” –, pois o que conta é que o ofício do artista seja desenvolvido em plena liberdade, mesmo à margem de regramentos canônicos.

J.A.R. – H.C.

David Markson
(1927-2010)

History and Theory of Art

Pontormo there, for anatomic truth,
Was said to house cadavers ‘neath his roof,
And Cosimo, disdaining meals, would stew
Four dozen eggs at once, while cooking glue.
Of doltish mold, Uccello could not sleep
For trying cruel perspective till he’d weep.
Your Dürer, reading Luther, cracked, and raved –
Though unlike Michelangelo, he bathed.
Fra Lippi spoiled, but later wed, a nun,
And Raphael, for bawds, left walls undone;
Yet Van der Goes could only work when calm,
So friars shrewdly lifted voice in psalm.
Van Gogh, who shot himself, was long since vague,
While Titian died at ninety-nine, of plague.
El Greco thrived in dark, when all was stilled,
And Caravaggio once killed.

Each work of art is disciplined by laws,
Nor will they bend to idiosyncratic flaws;
As Leonardo doubtless would agree –
Who bought caged birds, and set them free.

Dama com Unicórnio
(Rafael Sanzio: artista italiano)

História e Teoria da Arte

Eis ali Pontormo que, pela fidedignidade anatômica,
Dizia-se albergar cadáveres debaixo de seu teto,
E Cosimo, desdenhando as refeições, que preparava
Quatro dezenas de ovos por vez, enquanto cozia a cola.
De têmpera insana, Uccello não era capaz de dormir
Ao obstinar-se numa perspectiva cruel que o fizesse chorar.
Mr. Dürer, ao ler Lutero, deixou-se cativar a ponto de delirar, 
Embora, distintamente de Michelango, zelasse em banhar-se.
Fra Lippi corrompeu-se, mas depois casou-se com uma freira,
E Rafael, por messalinas, deixou murais inacabados;
Já Van der Goes só podia trabalhar quando tranquilo estava,
Pelo que astutamente os frades erguiam o tom ao salmodiar.
Van Gogh, que se alvejou, por muito tempo esteve a vaguear,
Enquanto de peste morreu Ticiano aos noventa e nove anos.
El Greco prosperou nas sombras, quando tudo estava calmo,
E Caravaggio cometeu um assassínio em certa ocasião.

Cada obra de arte aflora disciplinada por leis próprias,
Nem hão de se dobrar a idiossincráticas imperfeições;
Assim como Leonardo, sem dúvida, estaria de acordo –
Ele que certa vez comprou pássaros cativos e os libertou.

Referência:

MARKSON, David. History and theory of art. In: __________. Collected poems. 1st. ed. Normal, IL: Dalkey Archive Press, 1993. p. 13.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Jorge Luis Borges - Baruch Espinosa

Aqui temos um outro soneto de Borges sobre o grande filósofo holandês, como tema alternativo ao soneto mais conhecido, já aqui postado e confrontado com o de Machado de Assis sobre o mesmo pensador: o tema converge agora para as elucubrações de Espinosa sobre a natureza de Deus, ou melhor, Deus e a natureza como sendo realidades equivalentes.

 

Quer na primeira parte da “Ética”, quer no “Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar”, sobressai a versão, deduzida racionalmente, de um Deus que em muito pouco ou nada se parece com o Deus judaico-cristão – não sendo exigente quanto às preces que lhe devem ser dirigidas pelos humanos –, haja vista que abstrato e impessoal. Nesse plano, Deus é erigido com o poder da palavra de um homem, uma inversão, com efeito, em relação aos termos bíblicos, em cujo cânon consta que o homem teria sido criado pelo poder da palavra de Deus.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge Luis Borges

(1899-1986)

 

Baruch Espinosa

 

Bruma de oro, el occidente alumbra

La ventana. El asiduo manuscrito

Aguarda, ya cargado de infinito.

Alguien construye a Dios en la penumbra.

Um hombre engendra a Dios. Es un judío

De tristes ojos y de piel cetrina;

Lo lleva el tiempo como lleva el río

Una hoja en el agua que declina.

No importa. El hechichero insiste y labra

A Dios con geometría delicada;

Desde su enfermedad, desde su nada,

Sigue erigiendo a Dios con la palabra.

El más pródigo amor Ie fue otorgado,

El amor que no espera ser amado.

 

En: “La Moneda de Hierro” (1976)

 

Baruch Spinoza

(Samuel van Hoogstraaten: pintor holandês)

 

Baruch Espinosa

 

Bruma de ouro, o ocidente alumbra

A janela. O assíduo manuscrito

Aguarda, já repleto de infinito.

Alguém fabrica Deus entre a penumbra.

Um homem engendra Deus. É um judeu

De tristes olhos e pele citrina;

O tempo o leva como o rio perdeu

Uma folha na água que declina.

Não importa. O feiticeiro insiste e lavra

Deus com geometria delicada;

De sua enfermidade, de seu nada,

Segue erigindo Deus com a palavra.

O mais pródigo amor lhe foi outorgado,

O amor que não espera ser amado.

 

Em: “A Moeda de Ferro” (1976)

 

Referência:

 

BORGES, Jorge Luis. Baruch Espinosa / Baruch Espinosa. Tradução de Josely Vianna Baptista. In: __________. Poesia. Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009. Em espanhol: p. 543; em português: p. 235.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Tanussi Cardoso - Teias

Uma bela alegoria da arte de escrever poemas: fazer a poesia tocar as coisas, emulando estados que extravasem os efeitos do tempo, como as aranhas em seu ofício de urdir as teias, suas tramas tentaculares, por onde se estendem os “véus de astúcia, morte e viuvez” – eis que os teares instilam, em seus “tatos improváveis”, ardis para aqueles que se debruçam sobre suas linhas de força.

O poeta vê o seu próprio destino entrelaçado com o dessas aranhas, com quem espera aprender o “ritmo do salto”, seja ele de que modalidade for: poderia supor que, no domínio da poesia, um dos mais frequentes saltos é o da evolução temática; depois, o da forma; e, mais à frente – quem sabe? –, o da distorção do significante e/ou do significado.

J.A.R. – H.C.

Tanussi Cardoso
(n. 1946)

Teias

Alimentar aranhas,
eis o meu ofício.
Deixá-las criar tentáculos.
Moscas mansas
apaixonadamente sangrar.
Cuidá-las para tecer
os pequenos vícios
do seu tear:
venenos sutis
tatos improváveis
– vivê-las.
Redescobrir as cores
as sedes e as sedas.
Entrelaçar as sendas
do meu destino nelas:
véus de astúcia
morte e viuvez.
Decifrar sua dança:
rede de valsas
fios de arame.
Aprender com elas
o ritmo do salto.

Em: “Beco com saídas” (1991)

Aranhas Assustadoras
(Robert Phelps: pintor norte-americano)

Referência:

CARDOSO, Tanussi. Teias. In: __________. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2008. p. 11. (Coleção 50 poemas escolhidos pelo autor’; v. 35)

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Sandra M. Gilbert - O que há

Salvo engano, a poetisa está saturada com tantas palavras a descreverem o que quer que seja, em especial as formações da natureza: o céu, a praia, as focas, os minúsculos frutos que encetam percursos pelo ar, arrastados pelo vento. Com tanto discurso, verborragia, palavrório, o que haveria mais a dizer que, de fato, por sua singularidade, valeria a pena ser registrado?

Sugere-se o silêncio e a contemplação devota de tudo o que nos cerca, talvez até com mais eloquência do que qualquer tentativa de pormenorizar os sentimentos que nos vão na alma, intraduzíveis a quem esteja a nos escutar a fala. Não o solipsismo, mas a parcela da individualidade intransponível e incognoscível ao outro.

J.A.R. – H.C.

Sandra M. Gilbert
(n. 1936)

What’s there

to write about but the daily
walk to the beach, the look at the sky, the seals,
the black mass of the cypresses, the rocks –

and even there, in the landscape,
what’s to say?
A gust of nearly microscopic fruit flies

from the harvest down the road
fills the house with dancing others who
swim in my wine, skitter and skate

at the edge of everything:
why bother to write that down?
What else is new? What else is there to say?

Let go of this leaky pen is what I say.
Wipe your hands on your apron.
Stand in the doorway. Turn off the oven.

Regard the moon.

Campo de Trigo com Ciprestes
(Vincent van Gogh: pintor holandês)

O que há

a escrever senão sobre a diária
caminhada até a praia, o olhar para o céu, as focas,
a massa negra dos ciprestes, as rochas –

e mesmo acolá, na paisagem, o que há a dizer?

Uma rajada de frutos quase microscópicos desprende-se

da colheita pela estrada,
enche a casa com outros dançantes que
flutuam em meu vinho, deslizam e patinam

à beira de tudo:
por que preocupar-se em escrever sobre isso?
O que mais há de novo? O que mais há a dizer?

Largue essa caneta porosa é o que digo.
Limpe suas mãos no avental.
Ponha-se em pé à soleira da porta. Desligue o forno.

Contemple a lua.

Referência:

GILBERT, Sandra M. What’s there. In: __________. Aftermath: poems. 1st ed. New York, NY: W. W. Norton & Company, 2011. p. 115.

domingo, 27 de outubro de 2019

John Brinnin - O Jardim É Político

Cheio de alegorias, é mais do que certo que o poema de Brinnin vai muito além da “consolda real, da zínia e da flox” em sentido literal, para espargir críticas, muito provavelmente, à politização da paisagem poética, plasmada num EUA onde se confrontavam – como de certa forma, até hoje se confrontam – republicanos, democratas e comunistas.

Os versos de Brinnin têm uma certa capacidade para evocar imagens que se poderiam extrair a um sonho, fartas de complexidade, e, no presente caso, evocativas de um mundo que opõe revolucionários a conservadores, modernistas a antimodernistas, a linguagem solta e vanguardista a outra mais densa e opaca – neste caso, assim como a própria poesia de Brinnin se nos apresenta.

J.A.R. – H.C.

John Brinnin
(1916-1998)

The Garden Is Political

The garden is political,
Nor may the moody eyes
Of larkspur, zinnia, phlox
Stare that manifest horror down.

Nor will percussive rain come down,
Exciting, quick to change
Flower to essence, essence to flower,
As though the planted headlines

Were a row of four-o’clocks, not headlines,
As though the garden were
I A progeny of earth
And not a mask for tragedy

O, no, garden is tragedy
Up to its generous eyes,
Its sensual order, its élan.
The whole beguiling summer burns

With guilty pleasure, gaily burns
Waltzes and rounds before
The glünmering imminence of guns.
People like headstones walk

Among the twilit hedges, walk
Slow-motioned, fearing the sudden
Scream, the mutilated body,
Headless, under the leaves.

The lisp and grinning of the leaves
Lasts all the dripping night;
Even the illiterate snake must know
The garden is political.

O Jardim do Encantamento
(Thomas Edwin Mostyn: pintor inglês)

O Jardim É Político

O jardim é político,
E não podem os olhos soturnos
Da consolda real, da zínia e da flox
Contemplar esse horror manifesto.

Nem a chuva percussiva descerá,
Excitante, ávida de transformar
A flor em essência, a essência em flor,
Como se as manchetes espalhadas

Fossem uma fila de boninas, não manchetes,
Como se o jardim fosse
Uma prole da terra,
E não um disfarce para a tragédia,

Ó, não, o jardim é tragédia
Até seus olhos generosos,
Sua ordem sensual, seu élan.
Todo o sedutor verão queima.

Com culposo prazer, queima alegremente
As valsas e volteia diante
Da reluzente iminência das armas.
As pessoas, como marcos, caminham.

Por entre sebes pouco iluminadas, andam
Em movimentos lentos, temendo o grito
Súbito, o corpo mutilado,
Sem cabeça, sob as folhas.

O ciclo e o sorriso das folhas
Duram por toda a encharcada noite;
Mesmo a serpente, iletrada, deve saber
Que o jardim é político.

Referência:

HOWES, Barbara. The garden is political / O jardim é político. Tradução de Marcos Santarrita. In: NEMEROV, Howard (Coord.). Poesia como criação. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro, GB: Edições GRD, 1968. Em inglês: p. 99-100; em português: p. 117.

sábado, 26 de outubro de 2019

Bueno de Rivera - A Dança dos Obesos

Os obesos, neste poema, certamente são os mais abonados – a banca, a mídia manipuladora, grande parte do judiciário tupiniquim e a elite estúpida –, que esmagam a maioria desprovida, humilhada nos seus mais básicos direitos e, por conseguinte, afastada do que quer que seja capaz de ser associado à dignidade da pessoa humana.

Para quê, pensam os obesos, se teria que elevar a um patamar de equilíbrio social toda essa gente? Contanto que os obesos mantenham o seu pernóstico status, que todos os outros sucumbam na miséria. Afinal, ainda perdura a malfadada divisão entre a Casa Grande e a Senzala!

J.A.R. – H.C.

Bueno de Rivera
(1911-1982)

A Dança dos Obesos

Felizes são os obesos! Vede como dançam
no tapete dos humilhados!

No entanto, são feitos do mesmo limo.
Nossa angústia os alimenta,
nosso gemido é a sua música, e eles não percebem
a melodia subterrânea.
Moldamos em nosso ódio as suas faces,
são nossos semelhantes, inconscientes nos esmagam.

Deixai dançar os obesos no crepúsculo.
Eles ignoram a noite absoluta
que rolará da montanha sobre as pérgolas.

Deixai-os. Vinde também à nossa festa.
Agora, que a treva mergulha nas piscinas,
dançarão sobre o pântano
os esqueletos de cal.

Em: “Luz do Pântano” (1948)

Casal Dançando
(Fernando Botero: artista colombiano)

Referência:

RIVERA, Bueno de. A dança dos obesos. In: __________. Melhores poemas de Bueno de Rivera. Seleção de Affonso Romano de Sant’Anna. São Paulo, SP: Global, 2003. p. 47. (‘Os Melhores Poemas’; n. 46)

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Katherine Mansfield - Cortam o Rubro Céu

Dois pássaros atravessam o céu avermelhado, num voo silencioso e aziago. Um sol abrasador fustiga implacavelmente a terra, fazendo-a verter sangue, que, por sua vez, é lançado sobre o céu, ao anoitecer – do que se deduz que tal é a razão de este aparentar o fundo vermelho por onde os pássaros adejam.

A imagem de uma terra cega, imersa em quietude, com os olhos direcionados aos pássaros, a quem perscruta incansavelmente, completa essa imaginosa interpretação de fatos da natureza pela mente da grande escritora neozelandesa, fatos esses plenos de um conteúdo não exatamente redutível à pura razão, embora capazes de inspirar presságios não propriamente venturosos.

J.A.R. – H.C.

Katherine Mansfield
(1888-1923)

Across the Red Sky

Across the red sky two birds flying,
Flying with drooping wings.
Silent and solitary their ominous flight.
All day the triumphant sun with yellow banners
Warred and warred with the earth, and when she yielded
Stabbed her heart, gathered her blood in a chalice,
Spilling it over the evening sky.
When the dark plumaged birds go flying, flying,
Quiet lies the earth wrapt in her mournful shadow.
Her sightless eyes turned to the red sky
And the restlessly seeking birds.

(1911)

Eterno IV
(Kalpana Soanes: pintora anglo-indiana)

Cortam o Rubro Céu

Cortam o rubro céu dois pássaros a voar,
A voar com as asas arqueadas;
Silente e solitário o ominoso voo.
Durante todo o dia, o sol triunfante, com insígnias amarelas,
Gladiou e gladiou com a terra, e, quando esta se rendeu,
Golpeou-lhe o coração, recolhendo o sangue num cálice,
Vertendo-o sobre o céu noturno.
Quando os pássaros de escura plumagem saem a voar, a voar,
Plácida jaz a terra, envolta em lúgubre sombra.
Seus olhos cegos voltados ao rubro céu,
Incansavelmente à procura dos pássaros.

(1911)

Referência:

MANSFIELD, Katherine. Across the red sky. In: __________. Poems. 1st. publ. London, EN: Constable & Co. Ltd., 1923. p. 21.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Barbara Howes - Mistral

Segundo relata a própria autora na obra em referência (NEMEROV, 1968, p. 91), o poema abaixo foi redigido quanto ela voltava a pé para casa, retornando da aldeia de Lavandou, no sul da França, ensejo em que o Mistral soprava tão fortemente que a custo se podia divisar o caminho, e Howes diz ter sentido uma poderosa impressão do mal, transtornando a vida naquela região.

Mistral, importa dizer, é como se denomina o vento seco que sopra do norte pelo vale do Ródano, na França, a emular, como no presente caso, uma forte sensação ou ameaça de tribulação. Aliás, mais ou menos da mesma forma como Emily Dickinson intuiu neste poema já postado no bloguinho.

J.A.R. – H.C.

Barbara Howes
(1914-1996)

Mistral

Percussive, furious, this wind
Sweeps down the mountain, and
Under the pennon of skirling air
Blows through each red-tiled house as if
Nothing were there: Mistral,
Quartz-clear, spread-eagle,
Falls on the sea.
Gust upon gust batters
The surface – darkening blue –
Into a thousand scalloped fans. Where
Shall our noontime friends,
Cicada, hummingbird,
Who stitched the air vvith sound and speed,
Now hide? All rocks, islands, penínsulas
Draw near, hitch up their chairs,
Companions in this clearer, clean
Air, while inland fields arc stripped of soil.
As I start home, a coven
Of winds is let loose at every corner;
Alone in a howling 
Waste, figurehead sculptured in air,
Bent low, deafened, I plunge
On, blind in the eye of the storm.

Agay, a baía durante o Mistral
(Armand Guillaumin: pintor francês)

Mistral

Percussivo, furioso, esse vento
Desce a montanha,
E sob seu pendão de ar uivante
Sopra através de cada uma das casas de telhados vermelhos
Como se nada ali houvesse: o Mistral,
límpido como o quartzo, águia estendida,
Abate-se sobre o mar.
Rajada após rajada golpeia
A superfície – azul escura –
Transformando-a em milhares de leques recortados. Onde
Se esconderão agora nossos amigos do meio-dia,
A cigarra, o beija-flor,
Que ponteavam o ar com seus sons e movimentos?
Todas as rochas, as ilhas, as penínsulas
Aconchegam-se, apegam-se a seus postos,
Companheiros nesse ar mais claro, limpo,
Enquanto os campos do interior são devastados.
Quando volto a casa, um sabat
De ventos desprende-se a cada esquina;
Sozinha em um deserto
Uivante, carranca esculpida no ar,
Curvada, ensurdecida, eu mergulho,
Cega no meio da tempestade.

Referência:

HOWES, Barbara. Mistral / Mistral. Tradução de Marcos Santarrita. In: NEMEROV, Howard (Coord.). Poesia como criação. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro, GB: Edições GRD, 1968. Em inglês: p. 91; em português: p. 94.