O ente lírico acorda
de manhã bem cedo, antes que o sol tenha se levantado, e fica a pensar na longa
jornada diária que terá pela frente. Então se recosta no leito, ao lado da
companheira ainda adormecida, pondo-se a ouvir com atenção tudo que o que se
passa à volta, ou melhor, em meio às árvores lá fora, submetidas à chuva que começa
a cair.
De início, o falante
consegue perceber as gotas da chuva caindo, uma a uma, sobre as folhas. Depois,
não mais: o barulho da bátega se tornou mais alto, combinando-se ao do caudal
de um riacho às proximidades, “rugindo sem parar na impetuosa escuridão”.
Trata-se, por conseguinte,
de uma “viagem” não literal sob (ou ‘ao’) domínio da chuva: há prazer maior do
que acordar pela manhã e ouvir aquele fragor de chuva sobre o teto ou as
vidraças, levando-nos a ficar mais um pouco na cama, tanto mais quando em boa
companhia?!
J.A.R. – H.C.
W. S. Merwin
(1927-2019)
Rain Travel
I wake in the dark
and remember
it is the morning
when I must start
by myself on the
journey
I lie listening to
the black hour
before dawn and you
are
still asleep beside
me while
around us the trees
full of night lean
hushed in their dream
that bears
us up asleep and
awake then I hear
drops falling one by
one into
the sightless leaves
and I
do not know when they
began but
all at once there is
no sound but rain
and the stream below
us roaring
away into the rushing
darkness
Viagem pela estrada
sob chuva
(Ananya Gupta:
pintora indiana)
Viagem de Chuva
Desperto no escuro e lembro-me
de que é a manhã em
que devo começar
sozinho a jornada.
Reclino-me a ouvir a
hora negra
antes do amanhecer e
você ainda
está dormindo ao meu
lado, enquanto
ao nosso redor as árvores
repletas de noite se inclinam
silenciosas em seu
sonho que nos mantém
adormecidos e despertos;
então ouço
gotas caindo uma a
uma em
folhas que não se
veem, sem que
eu saiba quando elas
começaram, mas
de repente não há
mais som, senão a chuva
e o riacho abaixo de
nós, rugindo
sem parar na
impetuosa escuridão.
Referência:
MERWIN, W. S. Rain travel. In: BENSON, Gerard; CHERNAIK, Judith; HERBERT, Cicely (Eds.). Best poems on the underground. 1st publ. London, EN: Weidenfeld & Nicolson, 2009. p. 188.
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