Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS
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sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Allen Shawn - Sobre a indispensabilidade na variedade de expressões e de modos humanos

O autor celebra a diversidade humana, não só a de ordem natural – como a de sexo ou de outros atributos corporais –, mas, singularmente, a que se costuma caracterizar como cultural, a traduzir toda a ampla complexidade de formas de vida, os mais distintos cuidados, toda a gente que desempenha um papel vital para a construção de um quotidiano sustentável neste mundo multíplice.

 

Com efeito, nem só de pessoas com poder de liderança militar ou habilidades artísticas vive a humanidade – nem só de cientistas, como também de filósofos e poetas; nem só dos que reprisam, mas também dos criativos e dos que inovam: é a variedade de habilidades, de personalidades e de enfoques o que enriquece a sociedade e a torna equilibrada e funcional.

 

Perceba-se que o próprio autor do pensamento – o norte-americano Allen Evan Shawn – atua em diferentes ofícios, obrando como compositor, pianista, educador e, claro está, escritor: notem-se as suas alusões a certa passagem contida no volume I da série “Em busca do tempo perdido”, nomeadamente, “No caminho de Swann”, de Marcel Proust (1871-1922) – ou seja, o menino à espera do beijo noturno da mãe –, e aos muitos e breves poemas orientais que enaltecem as belíssimas temporadas anuais de floração das cerejeiras, sobretudo no Japão.

 

J.A.R. – H.C.

 

Allen Shawn

(n. 1948)

 

So multifarious is existence that infinite varieties of attention are required to build a sustainable life within it. Those who particularly notice what is worrisome or anticipate – even to their detriment – what will be painful may be just those who notice nuances of life others might neglect. A species in which everyone was General Patton would not succeed, any more than would a race in which everyone was Vincent van Gogh. I prefer to think that the planet needs athletes, philosophers, sex symbols, painters, scientists; it needs the warmhearted, the hardhearted, the coldhearted, and the weakhearted. It needs those who can devote their lives to studying how many droplets of water are secreted by the salivary glands of dogs under which circumstances, and it needs those who can capture the passing impression of cherry blossoms in a fourteen-syllable poem or devote twenty-five pages to the dissection of a small boy’s feelings as he lies in bed in the dark waiting for his mother to kiss him good night. It needs people who can design air conditioners, and it needs people who can inspire joy.

 

Avenida das Cerejeiras

(Yoshida Hiroshi: artista japonês)

 

Tão multifacetada é a existência que são necessárias infinitas variedades de atenção para se construir uma vida sustentável dentro dela. Aqueles que se fixam particularmente no que é preocupante ou antecipam – mesmo em seu detrimento – o que haverá de ser doloroso podem ser, precisamente, os que notam nas nuances da vida o que outros poderiam negligenciar. Uma espécie em que todos fossem o General Patton não seria bem-sucedida, não mais do que uma raça em que todos fossem Vincent van Gogh. Prefiro pensar que o planeta necessita de desportistas, filósofos, símbolos sexuais, pintores, cientistas; necessita de pessoas com o coração compassivo, com o coração austero, com o coração frio, bem assim dos que têm o coração não tão resoluto. Necessita daqueles que possam dedicar suas vidas a estudar quantas gotas de água são secretadas pelas glândulas salivares dos cães em determinadas circunstâncias, e necessita também daqueles que são capazes de capturar a impressão passageira das flores de cerejeira em um poema de quatorze sílabas ou dedicar vinte e cinco páginas à dissecação dos sentimentos de um garoto deitado na cama, no escuro, à espera de um beijo de boa-noite da mãe. Necessita, em suma, tanto de pessoas que sejam capazes de projetar condicionadores de ar, quanto daquelas que têm o poder de inspirar alegria.

 

Referência:

 

SHAWN, Allen. Wish I could be there: notes from a phobic life. New York: Penguin, 2007. p. 249-250.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Pablo Neruda - Versos Curtos e Longos

Nesta breve reflexão sobre o ofício de escrever poesias, o poeta chileno dirige-se, quase sempre, aos que o detrataram, procurando diminuir-lhe os méritos, sem o conseguir, obviamente! Porque Neruda atingiu um alto grau de síntese em sua poesia, que somente os que contra ela – a poesia! – muito lutaram, como Jacó em contenda com o Anjo do Senhor, mostram-se capazes de atingir o estágio epifânico da revelação.

No meio termo entre a poesia realista e o primado do não racional, Neruda soube cadenciar os versos num serpenteio por entre os celestinos redutos do venerável, embora não descuidasse dos meandros mais prosaicos de que se revestem nossas existências: há um dedo apontando para os vales da terra, há outro que se dirige ao topo das montanhas!

J.A.R. – H.C.

Pablo Neruda
(1904-1973)

Versos Curtos e Longos

Como poeta ativo combati meu próprio ensimesmamento. Por isso o debate entre o real e o subjetivo foi determinado dentro do meu próprio ser. Minhas experiências podem ajudar, sem pretensões de aconselhar ninguém. Vejamos à primeira vista os resultados.
É natural que minha poesia esteja submetida ao juízo, tanto da crítica elevada como exposta à paixão do libelo. Isto faz parte das regras do jogo. Sobre este ponto da discussão não tenho o que dizer, mas tenho argumento. Para a crítica especializada, meu argumento são meus livros, minha poesia inteira. Para o libelo incompatível tenho também o direito de argumentar com a minha própria e constante criação.
Se o que digo parece vaidoso vocês teriam razão. Em meu caso, trata-se da vaidade do artesão que exercitou um ofício por longos anos com amor indelével.
Mas de uma coisa estou satisfeito: de uma forma ou de outra fiz respeitar, pelo menos em minha pátria, o ofício do poeta, a profissão da poesia.
No tempo em que comecei a escrever, o poeta tinha duas características. Uns eram poetas – grandes-senhores, que se faziam respeitar por seu dinheiro que os ajudava em sua legítima ou ilegítima importância; a outra família de poetas era a dos militantes errantes da poesia, gigantes de bar, loucos fascinantes, sonâmbulos atormentados. Fica também, antes que eu me esqueça, a situação dos escritores acorrentados – como os galés aos seus grilhões – ao banco dos réus da administração pública. Seus sonhos foram quase sempre afogados por montanhas de papel timbrado e terríveis temores à autoridade e ao ridículo.
Lancei-me à vida mais nu do que Adão, mas disposto a manter a integridade de minha poesia. Esta atitude irredutível não valeu somente para mim, mas também para que os bobalhões deixassem de rir. Mas depois os ditos bobalhões, se tiveram coração e consciência, renderam-se como bons seres humanos diante do essencial que meus versos despertavam. E, se eram malignos, foram ficando com medo.
E assim a Poesia, com maiúscula, foi respeitada. Não só a poesia como também os poetas foram respeitados. Toda a poesia e todos os poetas.
Deste serviço à cidadania estou consciente e este galardão não deixo que me seja arrebatado por ninguém, porque gosto de carregá-lo como uma condecoração. Tudo o mais pode ser discutido, mas isto que estou dizendo é a verdade nua e crua.
Os inimigos obstinados do poeta esgrimirão com muitas argumentações que já não contam. A mim me chamaram de morto de fome na minha juventude. Agora me hostilizam, fazendo crer às pessoas que sou um potentado, dono de uma fabulosa fortuna que, embora não tenha, gostaria de ter, entre outras coisas, para aborrecê-los mais.
Outros medem as linhas de meus versos provando que os divido em pequenos fragmentos ou os alongo demais. Não tem importância alguma. Quem institui os versos mais curtos ou mais longos, mais delicados ou mais largos, mais amarelos ou mais vermelhos? O poeta que os escreve é quem o determina. Determina-o com a respiração e com o sangue, com sua sabedoria e com sua ignorância porque tudo isto entra no pão da poesia.
O poeta que não seja realista está morto. Mas o poeta que seja somente realista está morto também. O poeta que seja somente irracional será entendido só por si mesmo e por sua amada – e isto é bastante triste. O poeta que seja só um racionalista será entendido até pelos asnos – e isto é também sumamente triste. Para tais equações não existem cifras no quadro-negro, não há ingredientes decretados por Deus nem pelo Diabo, mas sim que estes dois personagens importantíssimos mantêm uma luta dentro da poesia e nesta batalha vence ora um e ora outro, mas a poesia não pode ficar derrotada.
É claro que está havendo um certo abuso no ofício de poeta. Aparecem tantos poetas novos e incipientes poetisas que logo parecemos todos poetas, desaparecendo os leitores. Teremos que ir buscar os leitores em expedições que atravessarão os areais em camelos ou circulando pelo céu em astronaves.
A inclinação profunda do homem é a poesia e dela saiu a liturgia, os salmos e também o conteúdo das religiões. O poeta ousou contra os fenômenos da natureza e nas primeiras eras se intitulou sacerdote para preservar sua vocação. Daí que na época moderna o poeta, para defender sua poesia, tome a investidura que as ruas e as massas lhe conferem. O poeta civil de hoje continua sendo o poeta do mais antigo sacerdócio. Antes compactuou com as trevas e agora deve interpretar a luz.

Vanitas: natureza-morta com livros
(Jan Lievens: pintor holandês)

Referência:

NERUDA, Pablo. Versos curtos e longos. Tradução de Olga Savary. In: __________. Confesso que vivi: memórias. Tradução de Olga Savary. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Difel, 1977. p. 268-270.

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Gabriel Saldivia - Os livros

O autor venezuelano revela, em seu discurso, todo o amor que tem pelos livros, eles que são capazes de abrir mundos ao mundo, tirando-nos da letargia em que somos lançados pela rotina do quotidiano, jogando-nos, então, no cadinho da beleza e do entusiasmo pela grande literatura.

Mas havemos de assinalar o contraponto que o escritor evoca ao final deste rápido panegírico: os livros também recolhem a história de nossa breve passagem sobre a terra, e, para sermos verazes, nem sempre a ação humana é digna de elogios. Ou o que seriam as guerras, a fome, a violência política ou que tais?!

J.A.R. – H.C.

Gabriel Saldivia
(n. 1956)

Los libros
(En: “Desenfreno”)

Qué triste sería pasar por los días y noches del mundo, sin dejar siquiera una palabra, que diga lo que somos, lo que una vez fuimos. Una palabra al menos, para ser leida por los hijos de nuestros sueños, dudas y aciertos que configuran nuestro paso fugaz por los laberínticos pasillos de la vida. Sería muy triste pasar, sin ni siquiera intentar abrir la puerta de esa casa mágica hecha de palabras, que nos invitan a dialogar com nuestros silencios y misterios. Esa casa que nos espera siempre desde las más apartadas estanterias. Porque eso son los libros, casas de voces para ser leídas y escuchadas. Lugar que propicia el encuentro con otras vidas, otros espacios, otras historias y con personajes rebelándose en el misterio de la palabra que los nombra y los eterniza. Cada libro contiene, sin lugar a dudas, es una lucha constante por vencer la brevedad del tiempo que nos signa. Cada libro hace del instante vivido, instante que no vuelve, pero que se hace imperecedero en la palabra impresa,que hace posible el milagro de la trascendencia. Somos personajes de un libro que tal vez no llegue a escribirse nunca. O personajes del libro que no leeremos, ese libro que se extravia entre ocultos anaqueles y entre las miles de páginas que conservan en sus tintas la voz de una buena parte de historia de la humanidad. Entonces, dónde buscamos, si somos personajes en constante configuración y transformación. Personajes inmersos en aquello que trascurre con asombrosa rapidez, que apenas alcanzamos a leer em las páginas de nuestras vidas, sólo fragmentos y palabras rotas, que se van quedando calladas en alguna calle de nuestra pequeña historia, pequeña, pero particular, unica e irrepetible en la sagrada vida de todo ser humano, que habita este extraordinario y muchas veces maltratado planeta. A veces, leer un libro nos hace cruzar puentes hacia paisajes sólo posibles en el reino de la fantasia y el sueño. Paisajes que habitamos y recorremos en las naves de la imaginación. Paisajes que nos hacen sentir emociones, que en nuestra realidad circundante nos resultarían imposibles de alcanzar. Y si nos adentramos em otras lecturas podemos ir a lugares, pueblos y ciudades en alas mágicas de cuentos y novelas que nos invitan a realizar viajes inesperados. Leer un libro nos convierte inevitablemente en el otro, nos hace caminar por los predios de otra vida, por lo general, distante de la rutina que nos agobia. Pero, si leemos otras páginas, nos encontramos también con historias crudas y lamentablemente reales sobre guerras, invasiones, hambrunas y otras desgracias padecidas por la humanidad.

Natureza-morta com obras-primas
(Claude R. Hirst: pintora norte-americana)

Os livros
(Em: “Desenfreio”)

Quão triste seria passar pelos dias e pelas noites do mundo, sem deixar sequer uma palavra, que diga o que somos, o que uma vez fomos. Uma palavra ao menos, para ser lida pelos filhos de nossos sonhos, dúvidas e acertos que configuram nosso caminhar pelos labirínticos corredores da vida. Seria muito triste passar, sem nem sequer tentar abrir a porta dessa casa mágica feita de palavras, que nos convidam a dialogar com nossos silêncios e mistérios. Essa casa que nos espera sempre desde as mais distanciadas estantes. Porque os livros são isso, casas de vozes para serem lidas e escutadas. Lugar que propicia o encontro com outras vidas, outros espaços, outras histórias e com personagens rebelando-se no mistério da palavra que os nomeia e os eterniza. Cada livro contém, sem lugar a dúvidas, uma luta constante para vencer a brevidade do tempo que nos delimita. Cada livro faz do instante vivido, instante que não retorna, mas que se faz imperecível na palavra impressa, a tornar possível o milagre da transcendência. Somos personagens de um livro que, talvez, jamais venha a ser escrito. Ou personagens do livro que não leremos, esse livro que se extravia entre ocultas prateleiras e entre as milhares de páginas que conservam em suas tintas a voz de uma boa parte da história da humanidade. Então, onde haveremos de procurar, se somos personagens em constante configuração e transformação. Personagens imersos naquilo que transcorre com assombrosa rapidez, que mal conseguimos ler nas páginas de nossas vidas, como simples fragmentos e palavras desgastadas, que pouco a pouco silenciam em alguma rua de nossa breve história, breve, mas particular, única e irrepetível na sagrada vida de todo ser humano, que habita este extraordinário e muitas vezes maltratado planeta. Às vezes, ler um livro nos faz cruzar pontes até paisagens somente possíveis no reino da fantasia e do sonho. Paisagens que habitamos e percorremos nas naves da imaginação. Paisagens que nos fazem sentir emoções, que em nossa realidade circundante nos resultariam impossíveis de alcançar. E se adentramos em outras leituras podemos ir a lugares, povos e cidades nas asas mágicas dos contos e romances que nos convidam a realizar inesperadas viagens. Ler um livro nos converte inevitavelmente no outro, nos faz caminhar pelos terrenos de outra vida, modo geral, a certa distância da rotina que nos oprime. Nada obstante, se lemos outras páginas, nos encontramos também com histórias cruas e lamentavelmente reais sobre guerras, invasões, fomes e outros infortúnios de que a humanidade padece.

Referência:

SALDIVIA, Gabriel. Los libros. In: __________. Antología poética. Caracas, VE: Fundarte, 2010. p. 149-150. (“Cuadernos de Difusión – Mención Poesía”; nº 290)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Mahatma Gandhi – O Que É Verdade?

“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Como são similares as palavras do líder indiano Gandhi com determinadas passagens dos Evangelhos sobre a vida de Cristo. É como se Gandhi houvesse introjetado algumas máximas do Nazareno: “A verdade está dentro de nós mesmos” quase equivale a “O Reino de Deus está em vós”, com explícita referência, pelo título, à obra de Tolstói.

E tudo porque nem sempre expressamos o que pensamos, e nem sempre agimos em conformidade com aquilo que apregoamos: “A tua piscina está cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos fatos: o tempo não para!”, já dizia o Cazuza lá pelos 90.

Mas retornando à associação: será mesmo que a influência se deu na direção mencionada, das palavras de Cristo sobre Gandhi? Ou terá sido Cristo que, na primavera dos tempos, sofreu a influência da milenar cultura indiana, ao passo que Gandhi, no século passado, estava-a apenas reproduzindo?

Ou seria tudo muito recíproco?! Afinal, Gandhi conhecia os livros do Hinduísmo tão bem quanto os do Cristianismo. Tese mais plausível, enquanto síntese das anteriores!

J.A.R. – H.C.
  
Mahatma Gandhi
(1869-1948)

O Que É Verdade?

O que é verdade afinal? Trata-se de uma pergunta difícil, mas acho que consegui respondê-la ao concluir que a verdade é aquilo que sua voz interior diz a você. Então você poderia perguntar: Por que pessoas diferentes abrigam verdades distintas e até mesmo contraditórias?

É porque, no momento em que vivemos, cada pessoa afirma possuir o direito à consciência individual, sem, entretanto, obedecer a qualquer tipo de disciplina. O fato é que há muitas inverdades sendo proferidas e proliferadas neste mundo completamente estupefato e desnorteado. Assim, tudo o que posso lhes dizer, e com a mais profunda humildade, é que a verdade não será encontrada por ninguém que não possua um abundante senso de reverência e autoentrega. Se pretendemos navegar pelo oceano da verdade, precisamos reduzir a nós mesmos ao completo nada.

A verdade está dentro de nós mesmos. Em cada ser humano existe um núcleo central em que a verdade plena habita. Cada indivíduo que atua de maneira incorreta sabe perfeitamente que suas ações são erradas; a inverdade jamais pode ser confundida com a verdade. Justiça e verdade devem permanecer para sempre como leis supremas no mundo de Deus.

A lei da verdade é compreendida meramente como o nosso dever de dizer a verdade. Todavia, compreendemos que essa palavra tem um sentido muito mais amplo. A verdade deve prevalecer no que pensamos, no que dizemos e em todas as nossas ações.

Referência:

GANDHI, Mahatma. O que é verdade?. In: __________. O caminho da paz: respostas sobre amor, fé e vida. Tradução de Cissa Tilelli Holzschuh. São Paulo: Editora Gente, 2014. p. 43-44.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Gandhi – O “Mahatma”

A figura de Gandhi paira sobre as nossas mentes como a do homem que conseguiu libertar a sua Índia milenar do jugo britânico, com a surpreendente proposta de não violência.

Mas, ao que parece, Gandhi não era um nacionalista radical, isso porque era capaz de ver a humanidade inteira na figura do oponente. Parecia-lhe saudável o contato com outras culturas, fundamentado no respeito mútuo, no convívio pacífico com as diferenças, na manutenção criteriosa das tradições de cada povo, seus idiomas, sua ordem ética e social.

Reconhecia ele, além desse direito à diversidade cultural, muitos dos requerimentos presentes nas pautas contemporâneas, associadas à necessidade de reconhecimento, de afirmação, de identidade, seja étnica seja religiosa ou outras quaisquer.

O excerto abaixo que escolhemos para ilustrar essa visão que, hoje, denominamos multicultural – exatamente o de nº 729 da obra em referência –, é datado de 1º de junho de 1921, e se encontra à pág. 170 do tomo original “Young India”, com recolhas dos escritos de Gandhi entre 1919 e 1932.

Gandhi faz particular menção ao aprendizado do inglês, pois, decerto, via na cultura da Inglaterra, nomeadamente em sua literatura, um acervo de obras clássicas que poderia ser traduzido para as línguas faladas na Índia, em proveito e para deleite daquele numeroso povo.

J.A.R. – H.C. 
Mahatma Gandhi
(1869-1948)

The Future Culture of India

I do not want my house to be walled in on all sides and my windows to be stuffed. I want the cultures of all lands to be blown about my house as freely as possible. But I refuse to be blown off my feet by any. I would have our young men and women with literary tastes to learn as much of English and other world-languages as they like, and then expect them to give the benefits of their learning to India and to the world like a Bose, a Roy or the Poet himself. But I would not have a single Indian to forget, neglect or be ashamed of his mother tongue, or to feel that he or she cannot think or express the best thoughts in his or her own vernacular. Mine is not a religion of the prison-house.

My World: Three Art Tasks to do
Before the New Year
(Karen Margulis)

A Cultura Futura da Índia

Não quero que minha casa seja cercada de muros por todos os lados, tampouco que suas janelas sejam tapadas. Quero que as culturas de todos os lugares sejam sopradas para o seu interior tão livremente quanto possível. Mas recuso-me a ser dela desapossado por qualquer outra. Gostaria de ver nossos jovens amantes da literatura estudando com determinação o inglês e outros idiomas do mundo que lhes interessem, e então esperar que trouxessem os benefícios desse aprendizado para a Índia e para o mundo, como um Bose, um Roy ou um poeta por estatura própria. Mas não apreciaria ver um único indiano esquecer, negligenciar ou se envergonhar de sua língua materna, ou julgar que ela é imprópria para pensar ou expressar as suas melhores ideias em seu próprio vernáculo. Minha religião não é tal que faça da casa uma prisão.

Referência:

GANDHI. M. K. The Future Culture of India. In: __________. Selections from Gandhi. Selections by Nirmal Kumar Bose. Ahmedabad (IN): Navajivan Publishing House, 1948, p. 267.

sábado, 9 de agosto de 2014

Blaise Pascal: Beleza, Verdade e Outros Conceitos

O matemático, filósofo e – por que não dizer? – místico francês Blaise Pascal é autor de alguns pensamentos que marcaram a história da cultura ocidental: quem jamais ouviu falar na expressão “O coração tem suas razões, que a razão não conhece.” (PASCAL, 2005, p. 110; n. 277), ou mesmo “Divertida justiça que um rio limita! Verdade aquém dos Pirineus, erro além.” (PASCAL, 2005, p. 110; n. 294)?!

Por aí já se percebe toda a complexidade do raciocínio de Pascal, que, nada obstante, condena a racionalidade imoderada na experiência humana. Diz-nos ele: “Dois excessos: excluir a razão; só admitir a razão” (PASCAL, 2005, p. 100; n. 253).

Não se estranhe, por conseguinte, que haja passagens em sua obra máxima – “Pensamentos” – impregnadas de pessimismo e de invocação deísta, quando, por exemplo, vem a tratar da questão da verdade, como neste excerto: “Não é este o país da verdade: esta erra, desconhecida, entre os homens. Deus a envolveu com um véu que a mantém desconhecida dos que não lhe ouvem a voz” (PASCAL, 2005, p. 276; n. 843).

Mas o nosso interesse com esta postagem é trazer o brilho de algumas reflexões selecionados de Pascal, sobre temas variados como a verdade, a mentira, a argumentação, a persuasão e a beleza poética – e lá vem, de novo, a alegoria feminina justaposta nos contrafortes do raciocínio por ele lavrado! (rs).

J.A.R. – H.C. 
Blaise Pascal
(1623-1662)

9.   Para que se possa repreender de maneira útil e que se mostre a alguém o seu erro, é preciso observar de que ponto de vista se enxerga o assunto, porque, em geral, é verdadeiro para aquele que observa, e então reconhecer-lhe a verdade, mas desvendar-lhe o lado falso. Dessa maneira, contentamos à pessoa enganada, pois ela percebe que não estava equivocada e sim que deixara apenas de encarar as coisas de todos os ângulos possíveis; ninguém se aborrece por não ter visto tudo, mas ninguém deseja equivocar-se; e talvez isso derive do fato de o homem ser incapaz de ver tudo e de, naturalmente, não poder se enganar no ângulo escolhido; e isso porque as percepções dos sentidos são sempre verdadeiras (PASCAL, 2005, p. 32).

10.  O homem em geral se convence mais com os argumentos que ele mesmo tece do que com aqueles que surgem no espírito alheio (PASCAL, 2005, p. 32).

33. Beleza poética: Assim como dizemos beleza poética, deveríamos dizer beleza geométrica e beleza médica; não o dizemos, porém; e o motivo é que conhecemos bem o objeto da geometria, o qual consiste em provar, e o objeto da medicina, que é curar; mas não sabemos em que consiste o prazer, objeto da poesia. Desconhecemos esse modelo natural que é preciso imitar; e, na ausência desse conhecimento, criamos estranhos termos: séculos de ouro, maravilha de nossos dias, fatal etc., e a esse jargão denominamos beleza poética.
    Quem imaginar, porém, uma mulher conforme o modelo que consiste em falar ninharias com palavras belas irá deparar com uma bela senhorita com muitas pulseiras e de quem zombará, pois sabemos melhor a respeito do encanto de uma mulher do que do prazer de um verso. Aqueles que não o soubessem, no entanto, admirá-la-iam com esses adornos; e em muitas aldeias tomá-la-iam por rainha. Por isso chamamos aos sonetos assim feitos as rainhas da aldeia (PASCAL, 2005, p. 37).

739. A verdade está tão ofuscada nestes tempos, e a mentira tão assentada que, a menos que amemos a verdade, não saberíamos reconhecê-la (PASCAL, 2012, p. 582-583).

740. Os (astutos) são pessoas que conhecem a verdade, porém somente a defendem quanto convém a seus interesses, fora dos quais a abandonam (PASCAL, 2012, p. 583).

Referências:

PASCAL, Blaise. Pensamentos. Consultoria de Marilena de Souza Chauí. Tradução de Olívia Bauduh. São Paulo: Nova Cultural, 2005. (Os Pensadores)

PASCAL, Blaise. Pensamientos y otras obras. Estudio introductorio por Alicia Villar Ezcurra. Traducción de Carlos R. de Dampierre. Madrid (ES): Gredos, 2012. (Grandes Pensadores)

segunda-feira, 31 de março de 2014

Santo Agostinho – A Tentação do Olhar

O santo de Hipona nos traz uma reflexão sofre os “perigos” da beleza, que podem nos levar à concupiscência e à corrupção da alma, fazendo-a acobertar-se, em favor da visibilidade dos corpos, ou melhor, da matéria. E tais “perigos” entram-nos, primordialmente, pelos olhos, já que a visão é o mais poderoso dos sentidos – isso a despeito de a beleza também poder ser experimentada por outras vias sensoriais, como a audição (ah! a poderosa sugestão da música de Mozart!).

Como não poderia deixar de ser, os argumentos de Agostinho voltam-se às invocações de uma vida consagrada e virtuosa, em que a pureza da alma há de prevalecer sobre a exposição do corpo à degeneração moral e, com a idade, física.

O apelo do autor tem a contundência que se fundamenta em sua própria experiência de vida, porquanto – narra-nos ele em suas “Confissões” – antes de se dedicar aos serviços do Eterno, teve experiências absolutamente dissolutas e desregradas!

Mas um breve aparte: o que diria o santo homem se tivesse a capacidade de, num salto de séculos, vaguear pelas galerias e corredores do Museu do Vaticano, exposto ao possante efeito de suas obras de arte – em sua maior parte, é verdade, de caráter religioso? Ficaria a tartamudear como muitos turistas, diante do esplendor que emana do belo? Reprovaria as suas repercussões?

Vamos às palavras literais de Agostinho: os negritos, no corpo do excerto abaixo, são de minha autoria.

J.A.R. – H.C. 

Santo Agostinho
Philippe de Champaigne (1602-1674)

34. A Tentação do Olhar

(51) Resta-me falar da voluptuosidade destes olhos da minha carne. Confessarei essas fraquezas, a fim de que cheguem aos ouvidos do teu templo [1], ouvidos fraternos e piedosos. Concluiremos assim as tentações da concupiscência que ainda me perseguem, apesar dos meus gemidos e meu ardente desejo de ser revestido de minha habitação celeste [2].

Os olhos amam a beleza e a variedade das formas, o brilho e a luminosidade das cores. Oxalá tais atrativos não me acorrentem a alma. Que ela somente seja possuída por aquele Deus que criou essas coisas “tão boas” [3]. Somente ele é o meu sumo bem, não elas. Todos os dias, enquanto estou acordado, elas me importunam sem dar-me descanso, como dão as vozes que cantam, e outros sons, quando silenciam. Apropria rainha das cores, a luz que inunda tudo o que vemos, me alcança de mil maneiras, onde quer que eu esteja, durante o dia, e acaricia-me até mesmo quando me ocupo de outra coisa e dela me abstraio. Insinua-se com tal vigor que, se de repente me falta, a procuro com ansiedade, e se permanece ausente por muito tempo, minha alma se entristece.

(52) Ó luz, que Tobias contemplava quando, cego dos olhos do corpo, ensinava ao filho o caminho da vida e o precedia, caminhando com os passos do amor sem jamais se perder [4]; ou luz que Isaac via, tendo embora os olhos da carne oprimidos e velados pela velhice, quando, abençoando os filhos sem reconhecê-los, mereceu reconhecê-los ao abençoá-los [5]; ou luz que Jacó via quando, cego também pela idade avançada, irradiou, do coração ilumina do, clarões sobre as gerações futuras, representadas nos seus filhos, e impôs as mãos, misteriosamente cruzadas, sobre os filhos de José, seus netos, não segundo a ordem em que o pai exteriormente os colocara, mas segundo a ordem que ele distinguia interiormente [6]. É esta a luz verdadeira, a luz única, e os que a veem e amam são todos um. A outra luz corporal, aquela à que me referia, ameniza a vida dos cegos amantes do mundo, com sua sedutora e perigosa doçura. Contudo, os que sabem louvar-te por causa dessa luz, “ó Deus, criador de todas as coisas” [7], adotam-na nos hinos em teu louvor, sem por ela serem dominados no sono [8]. É assim que desejo ser. Resisto às seduções dos olhos, para que não se enredem os meus pés ao trilhar os teus caminhos. Elevo a ti olhos invisíveis, para que libertes os meus pés das armadilhas [9]. Tu o fazes continuamente, pois frequentemente eles se deixam prender. Não cessas de libertar-me, e eu, continuo a cair nas insídias esparsas por toda parte, porque não dormirás nem cochilarás, ó tu, que cuidas de Israel [10].

(53) Quantas e quantas coisas os homens não acrescentaram às seduções da vista, com a variedade das artes e com o trabalho de suas mãos, na roupa, nos calçados, nos vasos e objetos de todos os gêneros, e também na pintura e outras reproduções, indo além dos limites da necessidade, da moderação e de uma pia significação! Seguindo exteriormente suas criações, os homens abandonam interiormente o Criador deles, deturpando em si a obra divina. Eu, porém, ó meu Deus e minha glória, encontro também aí oportunidade de erguer um hino e um sacrifício de louvor [11] àquele que sacrifica por mim. A beleza que, através da alma do artista, é transmitida às suas mãos, procede daquela Beleza que está acima de nossas almas, e pela qual a minha alma suspira noite e dia [12]. No entanto, aqueles que fabricam ou admiram essas obras dotadas de beleza exterior, delas tiram o critério para um julgamento estético, e não a norma para bem usá-las. Todavia, essa norma aí está, mas eles não enxergam, do contrário, não se afastariam tanto de ti, mas te reservariam todas as suas forças [13], não as dispersando em prazeres que cansam. Eu mesmo, apesar de expor e compreender essas verdades, também me deixo prender por essas belezas exteriores; mas tu, Senhor, me libertas! Tu me libertas, porque “ante os meus olhos está a tua misericórdia” [14]. Caio miseravelmente, e tu me levantas misericordiosamente, às vezes sem eu perceber, apenas resvalado de leve, às vezes penosamente, por ter ficado preso ao chão.

Notas:

[1]    O templo de Deus são os fiéis de Cristo: cf. 3,16s e De Civ. Dei 17,8.
[2]   Cf. 2Cor 5,2.
[3]   Gn 1,31.
[4]   Cf. Tb 4,2.
[5]   Cf. Gn 27, 1-40.
[6]   Cf. Gn 48,3 e 49,28.
[7]   Ambrósio Hymni 4,1.
[8]   Agostinho faz alusão aos maniqueus, que consideravam o sol como criador de tudo: cf. De moribus manichaeorum 2,8.
[9]   Cf. Sl 24,15.
[10]  Cf. Sl 120,4.
[11]  Cf. Sl 115,17.
[12]  Cf. Sl 1,2.
[13]  Cf. Sl 58,10.
[14]  Sl 25,3.

Referência:

Agostinho, Santo [354-430]. A tentação do olhar. In: __________.  Confissões. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 1984. (Coleção Espiritualidade). p. 305-308.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Objetivos Universais

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Estive consultando alguns sites para encontrar logogramas chineses simplificados que representassem as palavras paz, felicidade e amor. E o olhem o que encontrei:




Não são uma beleza?! Eles não estão aí por acaso, mas para expressar o meu desejo de que tais valores estejam presentes na vida de todos os seres humanos, uma vez que, imagino, sejam universais. E não somente nesta época de final de ano, como também ao longo de todos os seus dias!

J.A.R./H.C.

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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O Brilho Intelectual como Fator de Atração

O leitor deste blog pode bem aferir, pela descrição de meu perfil, postado à sua esquerda superior, que tenho particular apreço às pessoas que expressam com brilho as suas ideias, por mais contraditórias ou excêntricas que sejam.

Mais do que pugnar por qualquer pretensão de verdade, sou afeiçoado ao modo como o pensamento é expresso pelos interlocutores. Há formas cultivadas de se manter uma conversação, e o padrão britânico que, com frequência, é veiculado pelo cinema ali produzido, não deixa de nortear o comportamento dito civilizado, pelo menos aqui pelas bandas ocidentais.

Claro está que não sou fleumático como os ingleses. Antes, sou sanguíneo, latino, birrento às vezes. Mas jamais perco a visão do conjunto e do que é importante. E para mim, tal como a beleza para o poeta Vinicius de Moraes, vivacidade de intelecto é fundamental!

E aqui resgato uma passagem que Theodore Zeldin, em sua obra “Uma História Íntima da Humanidade”, atribui ao artista renascentista italiano Michelangelo Buonarroti, famoso pintor dos afrescos da Capela Sistina, no Vaticano, e que, até certo ponto, se adéqua ao meu jeito de apreciar a beleza:

De todos os viventes, sou o mais inclinado a amar pessoas. Onde quer que encontre alguém com certo talento ou mostras de agilidade mental, capaz de fazer ou dizer algo mais expressivamente que o resto da humanidade, vejo-me compelido a me apaixonar e me dedico de forma tão intensa que já não me pertenço mais, mas a ele, e totalmente (MICHELANGELO apud ZELDIN, 2008, p. 155-156). 


O parágrafo acima, que serviu de mote para este ‘post’, pertence ao desenvolvimento da seção que, no livro, se intitula “Como o desejo dos homens pelas mulheres, e por outros homens, mudou ao longo dos séculos”. O internauta atento pode inferir o que este blogueiro andou a deduzir das linhas de argumentação do texto: atração homossexual como corolário de atração intelectual. Afinal, Michelangelo, se a tradução estiver correta, afirma, ao fim, que não mais se pertence, mas a ele (e por que não a ela?) por paixão que adjetiva como avassaladora.

Não chego a tanto: da forma como usufruo as coisas, não há interseções ou detrimentos ontológicos, mas apenas exercícios de admiração. A beleza pode estar lá... e eu aqui! (rs).

J.A.R. – H.C.

REFERÊNCIA:

ZELDIN, Theodore. Uma história íntima da humanidade. Tradução de Hélio Pólvora. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Cérebro ou Coração?


Um primoroso livro de ensaios, O Sabor da Vida, do filósofo paulista Gilberto Kujawski, encanta pelas passagens cheias de erudição e de desconcertantes argumentos. Vejam o seguinte excerto, que põe-se em oposição aos que comumente expressamos sobre a fonte primeira da inteligência: cérebro ou coração ?

A inteligência pode servir-se do cálculo, mas não é cálculo. Consiste a inteligência, fundamentalmente, numa palpitação divinatória do coração, que é o centro da personalidade, com antenas para o mundo inteiro; palpitação a ser decodificada, organizada e verbalizada pelo cérebro, mas que, em si, nada tem de cerebral. Em suma, a inteligência tem a sua fonte no coração, ela é alimentada por raízes pré-intelectuais. Só o coração é clarividente, só ele sabe, vê e prevê. O cérebro não passa de seu humilde servo; ou humilhado, quando se rebela contra o coração. É isso, em definitivo, o que significa o famoso e tão citado pensamento de Pascal: “O coração tem razões que a razão desconhece”.

Fonte: KUJAWSKI, Gilberto de Mello. O sabor da vida. Brasília: Letraviva, 1999. p. 31.

(H.C./J.A.R.)

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sonho de um Sonho - A Máquina do Mundo

Reproduzo, aqui, parte do poema "Sonho de um Sonho", do poeta Carlos Drummond de Andrade, no qual o itabirano, negando o sonho, por distinto da realidade, busca contornar o quadro de pesadelo que se observa nesta última:
 SONHO DE UM SONHO
(...)
"Sonhava, ai de mim, sonhando
que não sonhara ...
Mas via
na treva em frente a meu sonho,
nas paredes degradadas,
na fumaça, na impostura,
no riso mau, na inclemência,
na fúria contra os tranqüilos,
na estreita clausura física,
no desamor à verdade,
na ausência de todo o amor,
eu via, ai de mim, sentia
que o sonho era sonho, e falso".

 

Indubitavelmente o autor incita seus pares a zelar pelos valores positivos da clemência e da verdade, verdade essa que, ao sobejar em problemático conteúdo, leva-o a parafraseá-la: 

 A MÁQUINA DO MUNDO
(...) 
"O que procuraste em ti ou fora de
 teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
 olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
 essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
 se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste ... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo".

Que belas passagens, não ?! 100% poesia ! O que pensa você sobre elas ?
(JAR/HC)