Sem menção a
Portugal, seu país natal, Andresen retrata em versos o que é possuir na alma em
exílio – exílio que se presume muito mais como uma sensação de retiro ou de ruminações
existenciais do que de proscrição propriamente dita – os traços que identificam
a pátria lusitana, passíveis de transmutação das imagens evocadas aos elementos
que configuram o patrimônio cultural de um povo, seus valores, sua história.
Não olvida Sophia da
força das palavras – “sempre ditas com paixão” –, esse arrebatamento que se
exterioriza mediante o idioma português – “ouro nativo que, na ganga impura, a
bruta mina entre os cascalhos vela...” –, esse mesmo amplo refúgio de beleza
que levou Pessoa a afirmar resolutamente: “Minha pátria é minha língua”.
J.A.R. – H.C.
Sophia de M. B.
Andresen
(1919-2004)
Pátria
Por um país de pedra
e vento duro
Por um país de luz
perfeita e clara
Pelo negro da terra e
pelo branco do muro
Pelos rostos de
silêncio e de paciência
Que a miséria
longamente desenhou
Rente aos ossos com
toda a exactidão
Dum longo relatório
irrecusável
E pelos rostos iguais
ao sol e ao vento
E pela limpidez das
tão amadas
Palavras sempre ditas
com paixão
Pela cor e pelo peso
das palavras
Pelo concreto
silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as
coisas nomeadas
Pela nudez das
palavras deslumbradas
– Pedra rio vento
casa
Pranto dia canto
alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu
centro
Me dói a lua me
soluça o mar
E o exílio se
inscreve em pleno tempo
Em: “Livro Sexto”
(1962)
Lisboa: monumentos no
distrito de Belém
(Elena Petrova
Gancheva: artista búlgara)
Referência:
ANDRESEN, Sophia de
Mello Breyner. Pátria. In: __________. Antología poética. Texto
bilingüe: portugués x español. Selección, traducción y prólogo de Carlos
Clementson. 1.ed. Madrid, ES: Huerga x Fierro, 2000. p. 90. (‘La rama dorada’: poesía)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário