Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Sophia de Mello Breyner Andresen - Pátria

Sem menção a Portugal, seu país natal, Andresen retrata em versos o que é possuir na alma em exílio – exílio que se presume muito mais como uma sensação de retiro ou de ruminações existenciais do que de proscrição propriamente dita – os traços que identificam a pátria lusitana, passíveis de transmutação das imagens evocadas aos elementos que configuram o patrimônio cultural de um povo, seus valores, sua história.

 

Não olvida Sophia da força das palavras – “sempre ditas com paixão” –, esse arrebatamento que se exterioriza mediante o idioma português – “ouro nativo que, na ganga impura, a bruta mina entre os cascalhos vela...” –, esse mesmo amplo refúgio de beleza que levou Pessoa a afirmar resolutamente: “Minha pátria é minha língua”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Sophia de M. B. Andresen

(1919-2004)

 

Pátria

 

Por um país de pedra e vento duro

Por um país de luz perfeita e clara

Pelo negro da terra e pelo branco do muro

 

Pelos rostos de silêncio e de paciência

Que a miséria longamente desenhou

Rente aos ossos com toda a exactidão

Dum longo relatório irrecusável

 

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento

 

E pela limpidez das tão amadas

Palavras sempre ditas com paixão

Pela cor e pelo peso das palavras

Pelo concreto silêncio limpo das palavras

Donde se erguem as coisas nomeadas

Pela nudez das palavras deslumbradas

 

– Pedra rio vento casa

Pranto dia canto alento

Espaço raiz e água

Ó minha pátria e meu centro

 

Me dói a lua me soluça o mar

E o exílio se inscreve em pleno tempo

 

Em: “Livro Sexto” (1962)

 

Lisboa: monumentos no distrito de Belém

(Elena Petrova Gancheva: artista búlgara)

 

Referência:

 

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Pátria. In: __________. Antología poética. Texto bilingüe: portugués x español. Selección, traducción y prólogo de Carlos Clementson. 1.ed. Madrid, ES: Huerga x Fierro, 2000. p. 90. (‘La rama dorada’: poesía)

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