Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

D. H. Lawrence - Sombras

Escrito pelo autor pouco antes do seu falecimento, em 1930, este poema revela o estado agônico de Lawrence com a enfermidade que o assolara – a tuberculose – e, ao mesmo tempo, a fé e a esperança, de conteúdo algo profético, no advento de “uma nova manhã, um homem novo”, depois que a experiência desta vida se converter no mais absoluto oblívio.

 

Aceitar a morte com serenidade, em face de uma doença incapacitante ou terminal, descortinando esse processo como a sucessão inescapável das estações temporais: no rigor do inverno, obstruem-se as sendas por onde corre a vida, sobrevindo um vale de sombras, onde o espírito míngua até ser resgatado pela luz renovadora do Criador.

 

J.A.R. – H.C.

 

D. H. Lawrence

(1885-1930)

 

Shadows

 

And if tonight my soul may find her peace

in sleep, and sink in good oblivion,

and in the morning wake like a new-opened flower

then I have been dipped again in God, and new-created.

 

And if, as weeks go round, in the dark of the moon

my spirit darkens and goes out, and soft strange gloom

pervades my movements and my thoughts and words

then I shall know that I am walking still

with God, we are close together now the moon’s in shadow.

 

And if, as autumn deepens and darkens

I feel the pain of falling leaves, and stems that break in storms

and trouble and dissolution and distress

and then the softness of deep shadows folding,

folding around my soul and spirit, around my lips

so sweet, like a swoon, or more like the drowse of a low, sad song

singing darker than the nightingale, on, on to the solstice

and the silence of short days, the silence of the year, the shadow,

then I shall know that my life is moving still

with the dark earth, and drenched

with the deep oblivion of earth’s lapse and renewal.

 

And if, in the changing phases of man’s life

I fall in sickness and in misery

my wrists seem broken and my heart seems dead

and strength is gone, and my life

is only the leavings of a life:

 

and still, among it all, snatches of lovely oblivion, and snatches

of renewal

odd, wintry flowers upon the withered stem, yet new,

strange flowers

such as my life has not brought forth before, new blossoms of me –

 

then I must know that still

I am in the hands of the unknown God,

he is breaking me down to his own oblivion

to send me forth on a new morning, a new man.

 

In: “Last Poems” (1932)

 

Em busca do mistério

(Pat Gullett: artista norte-americana)

 

Sombras

 

E se esta noite a minha alma encontrar a sua paz

no sono, e mergulhar em doce olvido

e de manhã acordar como flor recém-aberta –

então é porque eu mergulhei outra vez em Deus, fui recriado.

 

E, se na ronda das semanas, no escuro da lua,

meu espírito se turvar e partir, e uma suave, estranha melancolia

impregnar meus pensamentos, minhas palavras, meus gestos –

então saberei que estou caminhando ainda

com Deus, nós estamos bem perto, agora que a lua ensombrou.

 

E se quando o outono se aprofundar e escurecer

eu sentir a dor das folhas tombando, e dos caules quebrados

nas tempestades,

e o mal-estar e a dissolução e a angústia,

e depois a maciez de sombras profundas fechando-se, fechando-se

sobre a minha alma, meu espírito, meus lábios,

tão doce como um desmaio, ou como a sonolência de cantilena

triste, em surdina,

soando mais sombria que o rouxinol e ressoando até o solstício

e o silêncio dos dias encurtados, o silêncio do ano, da sombra –

então saberei que minha vida move-se ainda

junto com a terra escura, encharcada

do fundo oblívio do declínio e do renascer da terra.

 

E, se nas fases mutáveis da vida do homem,

eu mergulhar em doença e miséria,

meus pulsos como que partidos, meu coração como morto

e a força esgotada, e minha vida

não mais que resíduos de uma vida:

 

e se ainda, em meio a tudo isso, vislumbres de adorável olvido,

vislumbres de renovação,

estranhas flores de inverno sobre hastes ressecadas, mas novas,

estranhas flores

tais como minha vida nunca antes gerou, floradas novas de

mim mesmo –

 

então saberei que ainda

estou nas mãos do Deus desconhecido,

ele me está prostrando até o seu próprio oblívio

para enviar-me a uma nova manhã, um homem novo.

 

Em: “Últimos Poemas” (1932)

 

Referência:

 

LAWRENCE, D. H. Shadows / Sombras. Tradução de Aíla de Oliveira Gomes. In: __________. Alguma poesia. Seleção, tradução e introdução de Aíla de Oliveira Gomes. Edição bilíngue. São Paulo, SP: T. A. Queiroz, 1991. Em inglês: p. 188 e 190; em português: p. 189 e 191. (‘Biblioteca de Letras e Ciências Humanas’; série 2ª, textos; v. 6)

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Ana Martins Marques - Epígrafe

A poetisa mineira põe em confronto duas pequenas notas que teriam sido redigidas por dois insignes autores – o mexicano Octavio Paz (1914-1998) e o belgo-americano Paul de Man (1919-1983) –, para tornar explícitas as diferenças entre o que alguém deve apreender como realidade literária – a “verdade das mentiras”, como diria o peruano Vargas Llosa (n. 1936) –, e como realidade fática, ao preço de, caso contrário, assemelhar-se a um Quixote esquizofrênico.

 

Em correlação com o tema do poema, gostaria de sugerir uma leitura seminal às pessoas de boa-fé que – por si próprias ou induzidas por terceiros – costumam empreender leituras literais do texto bíblico: trata-se da obra “O Código dos Códigos – a Bíblia e a Literatura”, do canadense Northrop Frye (1912-1991), crítico de primeira linha (e insuspeito membro ordenado ao ministério da Igreja Unida do Canadá) que nos deslinda o quanto a Bíblia conjuga mitos, tropos, lendas, crenças, convenções, metáforas, os quais, em última instância, moldaram para sempre o imaginário ocidental.

 

J.A.R. – H.C.

 

Ana Martins Marques

(n. 1977)

 

Epígrafe

 

Octavio Paz escreveu:

“A palavra pão, tocada pela palavra dia,

torna-se efetivamente um astro; e o sol,

por sua vez, torna-se alimento

luminoso”

 

Paul de Man escreveu:

“Ninguém em seu perfeito juízo ficará à espera

de que as uvas em sua videira amadureçam

sob a luminosidade

da palavra dia”

 

Chá ao final da tarde

(Gregory Frank Harris: pintor norte-americano)

 

Referência:

 

MARQUES, Ana Martins. Epígrafe. In: __________. O livro das semelhanças. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2015. p. 17.

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Louise Bogan - Mulheres

Lançando mão de uma ironia reversa, a poetisa tenta mostrar o quanto o mundo das mulheres segue as balizas das restrições impostas pelos homens, num espaço restrito como as celas de uma prisão, onde elas vivenciam as suas hesitações e as rigidezes de suas crenças, dando pouca margem à expressão saudável de suas emoções.

 

Não indômitas, mas domesticadas; não perdulárias, mas frugais; não expostas ao quotidiano do mundo urbano ou rural, mas limitadas em seus movimentos e experiências; inaptas a um amor na medida certa, pois que a se revelar premido ou frouxo demais. Frente a esse quadro, não sem razão, a voz lírica preconiza às mulheres que, vislumbrando que muito do melhor que a vida possa oferecer esteja para além da soleira de suas portas, que se permitam ir ao encontro de tais venturas.

 

J.A.R. – H.C.

 

Louise Bogan

(1897-1970)

 

Women

 

Women have no wilderness in them,

They are provident instead,

Content in the tight hot cell of their hearts

To eat dusty bread.

 

They do not see cattle cropping red winter grass,

They do not hear

Snow water going down under culverts

Shallow and clear.

 

They wait, when they should turn to journeys,

They stiffen, when they should bend.

They use against themselves that benevolence

To which no man is friend.

 

They cannot think of so many crops to a field

Or of clean wood cleft by an axe.

Their love is an eager meaninglessness

Too tense, or too lax.

 

They hear in every whisper that speaks to them

A shout and a cry.

As like as not, when they take life over their door-sills

They should let it go by.

 

Duas Mulheres à Janela

(Bartolomé E. Murillo: pintor espanhol)

 

Mulheres

 

Não há desperdícios nas mulheres,

Pelo contrário, são elas frugais,

Satisfeitas na cálida e estreita cela de seus corações,

Mesmo que se alimentem com pão pulverulento.

 

Não veem o gado a pastar a invernal relva avermelhada,

Não ouvem

A água descongelada da neve descendo às galerias

Nítidas e pouco profundas.

 

Elas se demoram, em vez de empreender jornadas,

Enrijecem, quando deveriam manter-se flexíveis.

Empregam contra si mesmas aquela benevolência

A que nenhum homem é propenso.

 

Não chegam a cogitar nas muitas segas de um só campo

Ou na madeira fendida e desbastada por um machado.

O amor que expressam é um ansioso sem sentido,

Muito tenso ou relaxado demais.

 

Elas ouvem em cada sussurro que se lhes dirigem

Um grito e um pranto.

Assentindo ou não, ao deduzirem a vida para além

do limiar de suas portas,

Deveriam deixá-la que o transponha.

 

Referência:

 

BOGAN, Louise. Women. In: RATTINER, Susan L. (Ed.). Great poems by american women: an anthology. 1st ed. Mineola, NY: Dover Publications, 1998. p. 216. (Dover Thrift Editions: Poetry)

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Walt Whitman - Quando Refluí com o Oceano da Vida

O poeta tece uma elegia do esboroar de sua própria imagem, por meio da qual se identifica com os escombros do mar à deriva, fragmentos decantados nas regiões moventes entre a praia – por onde caminha – e o mar – onde as ondas “farfalham sibilantes”: ainda assim, o falante percebe que, a despeito do quanto se esforce para se autocircunscrever em palavras, seu “Eu real permanece intocado, inenarrável, inalcançável”.

 

Mediante essa extensa lucubração – testemunho verbal de uma latente crise existencial –, a voz lírica minudencia a sua busca por algo mais estável, menos fragmentário, como o segredo por trás do murmurar da natureza que lhe chega aos ouvidos, a exemplo de alguma verdade na qual a presença humana possa encontrar amparo – não tanto assim quanto uma mescla indistinta de oceano, areia, vento e detritos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Walt Whitman

(1819-1892)

 

As I Ebb’d with the Ocean of Life

 

1

 

As I ebb’d with the ocean of life,

As I wended the shores I know,

As I walk’d where the ripples continually wash you Paumanok,

Where they rustle up hoarse and sibilant,

Where the fierce old mother endlessly cries for her castaways,

I musing late in the autumn day, gazing off southward,

Held by this electric self out of the pride of which I utter poems,

Was seiz’d by the spirit that trails in the lines underfoot,

The rim, the sediment that stands for all the water and all the land

of the globe.

 

Fascinated, my eyes reverting from the south, dropt, to follow those

slender windrows,

Chaff, straw, splinters of wood, weeds, and the sea-gluten,  

Scum, scales from shining rocks, leaves of salt-lettuce, left by the tide,

Miles walking, the sound of breaking waves the other side of me,

Paumanok there and then as I thought the old thought of likenesses,

These you presented to me you fish-shaped island,

As I wended the shores I know,

As I walk’d with that electric self seeking types.

 

2

 

As I wend to the shores I know not,

As I list to the dirge, the voices of men and women wreck’d,

As I inhale the impalpable breezes that set in upon me,

As the ocean so mysterious rolls toward me closer and closer,

I too but signify at the utmost a little wash’d-up drift,

A few sands and dead leaves to gather,

Gather, and merge myself as part of the sands and drift.

 

O baffled, balk’d, bent to the very earth,

Oppress’d with myself that I have dared to open my mouth,

Aware now that amid all that blab whose echoes recoil upon me

I have not once had the least idea who or what I am,

But that before all my arrogant poems the real Me stands yet

untouch’d, untold, altogether unreach’d,

Withdrawn far, mocking me with mock-congratulatory signs and bows,

With peals of distant ironical laughter at every word I have written,

Pointing in silence to these songs, and then to the sand beneath.

 

I perceive I have not really understood any thing, not a single object,

and that no man ever can,

Nature here in sight of the sea taking advantage of me to dart upon

me and sting me,

Because I have dared to open my mouth to sing at all.

 

3

 

You oceans both, I close with you,

We murmur alike reproachfully rolling sands and drift, knowing not why,

These little shreds indeed standing for you and me and all.

 

You friable shore with trails of debris,

You fish-shaped island, I take what is underfoot,

What is yours is mine my father.

 

I too Paumanok,

I too have bubbled up, floated the measureless float, and been wash’d

on your shores,

I too am but a trail of drift and debris,

I too leave little wrecks upon you, you fish-shaped island.

 

I throw myself upon your breast my father,

I cling to you so that you cannot unloose me,

I hold you so firm till you answer me something.

 

Kiss me my father,

Touch me with your lips as I touch those I love,

Breathe to me while I hold you close the secret of the murmuring I envy.

 

4

 

Ebb, ocean of life, (the flow will return,)

Cease not your moaning you fierce old mother,

Endlessly cry for your castaways, but fear not, deny not me,

Rustle not up so hoarse and angry against my feet as I touch you

or gather from you.

 

I mean tenderly by you and all,

I gather for myself and for this phantom looking down where

we lead, and following me and mine.

 

Me and mine, loose windrows, little corpses,

Froth, snowy white, and bubbles,

(See, from my dead lips the ooze exuding at last,

See, the prismatic colors glistening and rolling,)

Tufts of straw, sands, fragments,

Buoy’d hither from many moods, one contradicting another,

From the storm, the long calm, the darkness, the swell,

Musing, pondering, a breath, a briny tear, a dab of liquid or soil,

Up just as much out of fathomless workings fermented and thrown,

A limp blossom or two, torn, just as much over waves floating,

drifted at random,

Just as much for us that sobbing dirge of Nature,

Just as much whence we come that blare of the cloud-trumpets,

We, capricious, brought hither we know not whence, spread

out before you,

You up there walking or sitting,

Whoever you are, we too lie in drifts at your feet.

 

Solidão Praia Morro

(J. D. Bluehorse: artista norte-americana)

 

Quando Refluí com o Oceano da Vida

 

1

 

Quando refluí com o oceano da vida,

Quando segui margeando os litorais que conheço,

Quando andei por onde as ondulações continuamente te banham,

Paumanok,

Onde elas farfalham roucas e sibilantes,

Onde a impetuosa velha mãe chora sem cessar por aqueles que perdeu,

Eu, cismando até tarde, num dia de outono, olhando fixamente para

o sul,

Seguro por este Eu elétrico, nesse orgulho que me leva a expressar

poemas,

Fui tomado pelo espírito que caminha nas linhas sob os pés,

A borda, o sedimento que sustenta toda a água e toda a terra do globo.

 

Fascinado, meu olhar retornando do sul, caído, para seguir aqueles

delgados sulcos profundos,

Farelo, palha, lascas de madeira, ervas daninhas e o glúten do mar,

Refugo, escamas das pedras brilhantes, folhas de algas deixadas

pela maré,

Andando por milhas, o som das ondas quebrando no outro lado de mim,

Paumanok lá e, então, tal como eu pensara, o velho pensamento da

imagem,

Isso tu me presenteaste, tu, ilha com forma de peixe,

Quando eu seguia o litoral que conheço,

Quando andava com aquele Eu elétrico procurando tipos.

 

2

 

Quando me dirijo ao litoral que não conheço,

Quando arrolo no hino fúnebre as vozes dos náufragos, dos homens

e das mulheres,

Quando inalo as brisas imponderáveis que se instalam sobre mim,

Quando o oceano tão misterioso se agita em minha direção,

cada vez mais próximo,

Eu igualmente significo, no máximo, um pequeno escombro molhado e

à deriva,

Uns poucos grãos de areia e folhas para serem reunidos,

Para reunir-me e tornar-me parte das areias e dos escombros à deriva.

Ó confundido, empacado, vergado para a própria terra,

Sinto-me oprimido porque ousei abrir a minha boca,

Consciente agora, pois que em meio a tudo o que me segredam aqueles

cujos ecos repercutem sobre mim, nem uma única vez tive ideia

de quem ou o que sou,

E apesar de todos os meus arrogantes poemas, o Eu real permanece

intocado, inenarrável, de um modo geral inalcançável,

Retirado, ironizando-me, com sinais de certa ironia congratulatória,

fazendo reverências,

Com trejeitos de riso desdenhoso e distante acerca de cada palavra que

já escrevi,

Apontando em silêncio para estas canções e depois para a areia do chão.

 

Percebo que de fato não compreendi coisa alguma, nem um único

objeto, e que nenhum homem o fará um dia,

A natureza aqui, à vista do mar, tirando vantagem de mim para

lançar-se sobre mim e me ferir,

Apenas porque ousei abrir a minha boca para cantar.

 

3

 

Vós, ambos os oceanos, pareço-me convosco,

Murmuramos de modo semelhante e, de modo censurável, balançamos

areia e escombros, sem saber por quê,

Esses diminutos fragmentos boiando por ti e por mim e por todos.

 

Tu, margem que esboroa com trilhas e entulho,

Tu, ilha com forma de peixe, eu levo o que está debaixo de meus pés,

O que é teu é meu, meu pai.

 

Eu também, Paumanok,

Eu também borbulhei e flutuei a flutuação sem medida, e fui lavado

em tuas praias,

Eu também sou apenas uma trilha de restos de um naufrágio e

escombros,

Eu também deixo pequenos naufrágios sobre ti, tu, ilha com forma

de peixe.

 

Eu me lanço sobre o teu peito, meu pai,

Eu me apego a ti de tal modo que não possas me soltar,

Eu te prendo com tamanha firmeza que te sentes obrigado

a me responder alguma coisa.

 

Beija-me, meu pai,

Toca-me com teus lábios, tal como procedo com aqueles a quem amo,

Sussurra para mim, enquanto te aperto num abraço, o segredo do

murmúrio que eu invejo.

 

4

 

Reflui, oceano da vida (o fluxo retornará),

Não cessa o teu gemido, minha velha mãe ardente,

Chora eternamente por aqueles que perdeste, mas não sintas medo nem

fujas de mim,

Não rujas com voz tão rouca e com tal raiva contra os meus pés

quando me roço em ti, ou quando colho de ti.

 

Minha intenção é terna para contigo e para com todos,

Eu colho para mim e para esse fantasma que olha para baixo, para

o local em que avançamos, eu e o que é meu.

 

Eu e o que é meu, paveia solta, pequenos corpos,

Espuma, flocos de neve branca, e bolhas,

(Vê, de meus lábios mortos o vapor expirar finalmente,

Vê, as cores do prisma brilhando e se agitando),

Tufos de palha, areias, fragmentos,

Que boiaram até aqui, vindos pela força dos humores, um a

contradizer o outro,

Vindos com as tempestades, a calma longa, a escuridão, o inchaço,

Meditando, ponderando, um suspiro, uma lágrima salgada, um salpico

de líquido ou de solo,

Para cima tanto quanto para fora de insondáveis trabalhos fermentados

e atirados,

Um ou dois botões frágeis, feridos, do mesmo modo, flutuando sobre

as ondas, boiando sem rumo certo,

Tal como é para nós aquele hino fúnebre da natureza,

Tal como o lugar de onde vem para nós aquele som rijo do clarim das

nuvens,

Nós, caprichosos, trouxemos aqui não sabemos de onde, e

espalhamos diante de ti,

E tu, lá em cima, andando ou sentado,

Quem quer que sejas, nós também estamos à deriva aos teus pés.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

WHITMAN, Walt. As I ebb’d with the ocean of life. In: __________. The portable Walt Whitman. Edited with an introduction by Michael Warner. 1st publ. New York, NY: Penguin Books, 2004. p. 184-187.

 

Em Português

 

WHITMAN, Walt. Quando refluí com o oceano da vida. Tradução de Luciano Alves Meira. In: __________. Folhas de relva. Texto integral. Tradução e introdução de Luciano Alves Meira. 2. ed. São Paulo (SP): Martin Claret, 2012. p. 258-261. (Série Ouro: Coleção A Obra-Prima de Cada Autor, n. 42)