Se este poema de
Pitta equivale a uma carta de amor terminal, seria ele ridículo, segundo o
entendimento de Pessoa? Pergunta inoportuna? Seja como for, o amor que finda,
por mais tormentoso que haja sido, sempre terá valido a pena se as almas
envolvidas não forem “pequenas” – conforme outra das máximas do aludido poeta!
No caso das infratranscritas
linhas, restou o silêncio em meio ao correr inapelável dos dias. Mas também a
lembrança do que, em tal relacionamento, havia de “original”: a própria
turbulência, os sorrisos dissimulados ou falsamente exteriorizados, e mesmo o cenário
vetusto da viela onde os amantes faziam amor.
Na aridez derradeira, o poema é o que sobeja, para demarcar a história que se passou no trânsito de equivalência entre a matéria – o desejo carnal, em sua expressão erótico-libidinosa –, e a energia – psíquica ou espiritual –, pois o amor é a força motriz perpetuadora do universo, no vórtice dos éons.
J.A.R. – H.C.
Eduardo Pitta
(n. 1949)
Agora que as palavras
secaram
Agora que as palavras
secaram
e se fez noite
entre nós dois,
agora que ambos
sabemos
da irreversibilidade
do tempo perdido,
resta-nos este poema
de amor e solidão.
No mais é o recalcitrar
dos dias,
perseguindo-nos,
impiedosos,
com relógios,
pessoas,
paredes demasiado
cinzentas,
todas as coisas
inevitavelmente
lógicas.
Que a nossa nem
sequer foi uma história
diferente.
A originalidade
estava toda na pólvora
dos obuses, no
circunstanciado
afivelar
dos sorrisos à nossa
volta
e no arcaísmo da
viela onde fazíamos amor.
Em: “Sílaba a Sílaba”
(1974)
O aconchego do lar
(Georgiana Romanovna:
artista australiana)
Referência:
PITTA, Eduardo. Agora
que as palavras secaram. In: __________. Desobediência: poemas
escolhidos. Prefácio de Nuno Júdice. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 2011.
p. 46.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário