Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS
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terça-feira, 5 de novembro de 2024

T. S. Eliot - Gato Colosso: Um Gato de Peso

Recorrendo a uma tradução criativa, não exatamente literal em relação ao poema original de Eliot, embora lhe sendo parelha em relação ao esquema de rimas e às ideias, Ivo Barroso nos revela a linguagem lúdica e humorística por trás do poema, centrada em descrever as características e a personalidade de um gato notavelmente corpulento e elegante, vivendo uma vida requintada e distensa.

 

Trata-se, obviamente, de um gato da “alta sociedade” felina, um lorde afeito a lugares de elite, com uma vida social ativa e lealdades políticas mutantes segundo a sua própria conveniência: o leitor logo percebe a sátira de natureza sócio-política em relação à “high society” citadina inglesa, a usufruir uma vida de fausto e de comodidade, na qual tudo se desenrola entre aparências e vaidades!

 

J.A.R. – H.C.

 

T. S. Eliot

(1888-1965)

 

Bustopher Jones: The Cat About Town

 

Bustopher Jones is not skin and bones –

In fact, he’s remarkably fat.

He doesn’t haunt pubs – he has eight or nine clubs,

For he’s the St. James’s Street Cat!

He’s the Cat we all greet as he walks down the street

In his coat of fastidious black:

No commonplace mousers have such well-cut trousers

Or such an impreccable back.

In the whole of St. James’s the smartest of names is

The name of this Brummell of Cats;

And we’re all of us proud to be nodded or bowed to

By Bustopher Jones in white spats!

 

His visits are occasional to the Senior Educational

And it is against the rules

For any one Cat to belong both to that

And the Joint Superior Schools.

For a similar reason, when game is in season

He is found, not at Fox’s, but Blimpy’s;

He is frequently seen at the gay Stage and Screen

Which is famous for winkles and shrimps.

In the season of venison he gives his ben’son

To the Pothunter’s succulent bones;

And just before noon’s not a moment too soon

To drop in for a drink at the Drones.

When he’s seen in a hurry there’s probably curry

At the Siamese – or at the Glutton;

If he looks full of gloom then he’s lunched at the Tomb

On cabbage, rice pudding and mutton.

 

So, much in this way, passes Bustopher’s day –

At one club or another he’s found.

It can be no surprise that under our eyes

He has grown unmistakably round.

He’s a twenty-five pounder, or I am a bounder,

And he’s putting on weight every day:

But he’s so well preserved because he’s observed

All his life a routine, so he’ll say.

Or, to put it in rhyme: “I shall last out my time”

Is the word of this stoutest of Cats.

It must and it shall be Spring in Pall Mall

While Bustopher Jones wears white spats!

 

Estampa para o Poema

(Axel Scheffler: ilustrador alemão)

 

Gato Colosso: Um Gato de Peso

 

Colosso não é gato pelo e osso

De fato, é gato enormemente gordo.

Sem coisa alguma de sub – vive em poltronas de clube.

Esse gato de alto bordo!

Sua opulência acentua quando segue pela rua

De casaco zibelino:

Nenhum gato vira-latas tem tal linha de omoplatas

E o talhe das calças fino.

Para as “gatinhas” do Yatch como tudo é tão simpático

Em nosso Brummel felino;

No Jockey, para as potrancas, não há nada mais granfino

Do que Colosso de polainas brancas!

 

Amigos costuma ter no partido do governo,

Mas em tempos de eleição

Decide mostrar-se contra e outros amigos encontra

Nas hostes da oposição.

Por motivo semelhante, quando esperam que ele jante

Em casa de um ministro ou

Que compareça ao banquete de alguém que esteja em manchete,

Ele come num bistrô.

Embora nunca abandone os lugares como o Antônio’s,

Ama um menu variado:

Come à francesa n’O Assírio, pois a carne é seu martírio,

E arrisca a poule d’O Prado.

Muita gente há que repare se ele corre para um curry

No Siamês ou no Pequim.

Mas em geral paga caro: quanta vez o vi deixar o

couro n’O Tamborim.

 

E assim o dia transcorre para Colosso que corre

De um clube para outro clube.

Não é surpresa nenhuma se ao voltar, depois da uma,

Em casa uns copos derrube.

Vivendo só na madorra e comendo a tripa forra,

É natural que ele engorde;

Mas sua linha preserva, seguindo – como observa –

Uma rotina de lorde.

Ou para dizê-lo em rima: “Já dei a volta por cima”,

Pois só fala em frases francas.

Nada de moço o incomoda, pois quem é que impõe a moda?

Gato Colosso das polainas brancas!

 

Referência:

 

ELIOT, T. S. Bustopher Jones: the cat about town / Gato Colosso: um gato de peso. Tradução de Ivo Barroso. In: __________. Os gatos. Ilustrado por Axel Scheffler. Tradução de Ivo Barroso. Edição bilíngue: inglês x português. São Paulo, SP: Companhia das Letrinhas, 2010. Em inglês: p. 101-103; em português: p. 57-59.

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domingo, 27 de outubro de 2024

Denise Levertov - O Inocente

Seguindo simplesmente o seu instinto, o gato segue a caçar o rato, sem cogitar que lhe inflige sofrimento, pois que, ao agir sob o domínio da natureza, não tem qualquer representação mental do que seja a dor, portanto sem deliberada maldade ou cruéis intenções: tal representação, de fato, existe em nossos olhos cheios de má consciência e de culpa, frente aos quais a compaixão e a empatia servem para lhes justapor contrapartida, deixando-nos menos desconfortáveis.

 

Já no título do poema Levertov alude à inocência do bichano, qualificando-o como um “anjo” a dançar com sua “presa”, numa espécie de ritual de vida e de morte: por que interpretar os atos dos seres não humanos segundo a nossa humana perspectiva, se os animais apenas cumprem o seu demarcado papel no teatro dos fenômenos naturais?!

 

J.A.R. – H.C.

 

Denise Levertov

(1923-1997)

 

The Innocent

 

The cat has his sport

and the mouse suffers

but the cat

is innocent

having no image of pain in him

 

an angel

dancing with his prey

 

carries it, frees it, leaps again

with joy upon his darling plaything

 

a dance, a prayer!

How cruel the cat is to our guilty eyes

 

Gato e Rato

(Soo Beng Lim: artista malaio)

 

O Inocente

 

O gato se diverte

e o rato sofre

mas o gato

é inocente

não havendo nele qualquer ideia de dor

 

um anjo

dançando com sua presa

 

carrega-a, liberta-a, salta de novo

com alegria sobre o seu querido brinquedo

 

uma dança, um clamor! 

Quão cruel é o gato aos nossos olhos culpáveis

 

Referência:

 

LEVERTOV, Denise. The innocent. In: __________. Collected earlier poems: 1940-1960. 7th print. New York, NY: New Directions, 1979. p. 31.

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quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Lawrence Ferlinghetti - A Gata

A gata do poeta é uma espécie de deidade, a julgar pelas palavras de Pitágoras, para quem o silêncio dos céus é, na verdade, “a música das esferas”, que somente os deuses são capazes de ouvir. E não só ouvir, no caso específico, como também ver coisas que a nós, simples mortais, não nos sensibilizam as retinas.

 

De fato, uma potestade sensitiva – esfíngica e enigmática – a desafiar a eternidade, eis que abstraída à passagem do tempo, em conexão mais ampla com o cosmos – ainda que afeita a comodidades, estando a relaxar sobre as estantes de livros, na provável biblioteca pessoal do falante, usufruindo de um ambiente doméstico aquecido pelo calefator.

 

J.A.R. – H.C.

 

Lawrence Ferlinghetti

(1919-2021)

 

The Cat

 

The cat

licks its paws and

lies down in

the bookshelf nook

 

She

can lie in a

sphinx position

without moving for so

many hours and then turn her head

to me and

rise and stretch

and turn

her back to me and

lick her paw again as if

no real time had passed

It hasn’t

and she is the sphinx with

all the time in the world

in the desert of her time

 

The cat

knows where flies die

sees ghosts in motes of air

and shadows of sunbeams

 

She hears

the music of the spheres and

the hum in the wires of houses

and the hum of the universe

in interstellar spaces

but

prefers domestic places

and the hum of the heater

 

Gata e seus filhotes

(Henriette Ronner-Knip: artista belgo-holandesa)

 

A Gata

 

A gata

lambe suas patas e

deita-se no

canto da estante de livros

 

Ela pode ficar deitada numa

posição de esfinge

sem mexer-se a valer por

muitas horas e depois virar a cabeça

em minha direção

levantar-se e espreguiçar-se

pondo-se então

de costas para mim

a lamber de novo sua pata como se

nenhum tempo houvesse passado

E de fato não passou

pois ela é uma esfinge com

todo o tempo do mundo

no deserto de seu tempo

 

A gata

sabe onde morrem as moscas

vê fantasmas nas partículas do ar

e sombras nos raios de sol

 

Ela ouve

a música das esferas

o chirrio nos cabos elétricos das casas

o reverberar do universo

nos espaços interestelares

embora prefira os ambientes domésticos

e o zumbido da calefação

 

Referência:

 

FERLINGHETTI, Lawrence. The cat. In: __________. These are my rivers: new & selected poems 1955-1993. New York, NY: New Directions, 1993. p. 50.

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sábado, 1 de junho de 2024

Robert Gernhardt - Poesias de gatos

O falante se refere aos gatos como uma espécie “vencedora”, porque passam pela vida de uma maneira “leve”, qualificativo que se poderia interpretar como sendo alusivo à flexibilidade dos felinos, bem assim ao completo relaxamento quando se põem a descansar: para eles vale a máxima “venha a nós” – afagos, comida, o que for –, com quase nada a dar em troca! (rs)

 

Estiram-se os bichanos em qualquer lugar que lhe pareça confortável – leitos, cadeiras almofadadas, cantinhos tépidos –, até que cheguem ao final da vida, via de regra, antes do término da segunda década. Com efeito, um gato não tem “sete vidas” – como se costuma afirmar –, e quem é dono de um bichano quase sempre se tornará, mais cedo ou mais tarde, o seu companheiro supérstite.

 

J.A.R. – H.C.

 

Robert Gernhardt

(1937-2006)

 

Katzengedichte

 

1

 

Von einer Katze lernen,

heißt siegen lernen.

Wobei siegen “locker durchkommen” meint,

also praktisch: liegen lernen.

 

Sie sind ein sieghaftes Geschlecht,

diese Katzen.

Es gibt ihrer so viele wie Spatzen im Land.

Doch wer streichelt schon Spatzen?

 

Sie ist gar kein rätselhaftes Tier,

so eine Katze.

Sie will viel Fraß, etwas Liebe, doch meist

horcht sie an der Matratze.

 

Was eine einzige Katze uns lehrt,

lehren uns alle:

So viel wie möglich nehmen, ohne zu geben,

und dann ab in die Falle.

 

2

 

Mit einer Katze leben

heißt die Katze überleben.

Jedenfalls dann, wenn man noch mitten im Leben steht.

Eine Katze steht schneller daneben.

 

Wie alt wird so eine Katze?

Maximal zwanzig Jahre.

Viele streckt’s aber auch schon früher hin

auf die, sagen wir ruhig: Bahre.

 

Die ist dann vielleicht dein Schreibtisch.

Darauf kriegt sie ihre Injektion.

Sie seicht dir noch rasch die Tischplatte voll,

und das war’s dann auch schon.

 

Eine Katze haben,

heißt eine Katze verlieren.

Andere mögen von Menschen reden,

ich rede von Tieren.

 

Gato sobre a cama

(Guowen Fang: artista sino-americano)

 

Poesias de gatos

 

1

 

Aprender com um gato

significa aprender a vencer.

Vencer, no caso, significa “viver de leve”,

ou, na prática, aprender a ficar deitado.

 

Eles são uma espécie vencedora,

estes gatos.

Há tantos gatos quanto há pardais na terra,

Mas quem faz carícias em pardais?

 

Não é um animal misterioso,

um gato assim.

Quer muita comida, um pouco de amor, mas

quase sempre, ouve o colchão.

 

O que um só gato nos ensina,

todos nos ensinam:

Pegar tudo que puder, sem dar nada,

e, depois, direto para a cama.

 

2

 

Conviver com um gato,

significa sobreviver ao gato.

Principalmente quando estamos no meio da vida.

Um gato rapidamente chega a seu lado.

 

Que idade atinge um gato assim?

No máximo vinte anos.

Mas muitos já morrem antes disto –

e se esticam, vamos dizê-lo, no esquife.

 

Este será, talvez, a tua escrivaninha.

Ali ele recebe a injeção.

Ele ainda suja o tampo da mesa,

e então já está acabado.

 

Ter um gato,

significa perder um gato.

Os outros que falem de pessoas,

eu falo de animais.

 

Referência:

 

GERNHARDT, Robert. Katzengedichte / Poesia de gatos. Tradução de Karlos Rischbieter. Poesia sempre: revista semestral de poesia. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de janeiro (RJ), ano 2, n. 4, ago. 1994. Em alemão: p. 74 e 76; em português: p. 75 e 77.

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