Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Arthur Grissom - O Artista

A reputação, vezes sem conta, muito representa no domínio da arte, tal que obras sem maior relevância ou mesmo de valor estético limitado ou duvidoso granjeiam fama entre o público, apenas pelo nome do artista que lhe firma a autoria.

O pouco conhecido poeta norte-americano Arthur Grissom retrata a dificuldade de os artistas novatos granjearem prestígio na jurisdição desse ofício, mesmo que dotados de indiscutível talento e capacidade para elaborar belas obras.

J.A.R. – H.C.

Arthur Grissom
(1869-1910)

The Artist

He wrought with patience long and weary years
Upon his masterpiece, entitled “Fate”,
And dreamed sweet dreams, the while his crust he ate,
And gave his work his soul, his strength, and tears.
His task complete at last, he had no fears
The world would not pronounce his genius great.
But poor, unknown − pray, what could he create?
The mad world laughed, and gave not praise, but jeers.
Impelled to ask wherein his work was wrong,
He sought, despairing, one whose art was dead,
But on whose brow were wreathed the bays of Fame:
The master gazed upon the picture long;
“It lacks one thing to make it great”, he said.
And signed the canvas with his own great name!

Autorretrato
(Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun: pintora francesa)

O Artista

Labutou ele com paciência por longos e cansativos anos
Em sua obra-prima, intitulada “Destino”,
E sonhou doces sonhos, enquanto sua côdea de pão comia,
E deu ao trabalho sua alma, sua força e lágrimas.
Completa a sua tarefa, por fim, não tinha receios de que
O mundo deixaria de se pronunciar sobre o seu notável gênio.
Mas pobre, desconhecido – ora, o que poderia ele criar?
O louco mundo se riu, e não lhe dedicou elogios, senão zombarias.
Impelido a perguntar onde havia desacerto em seu trabalho,
Ele buscou, desesperado, alguém cuja arte estivesse morta,
Mas cujo nome se achasse envolto pelos louros da Fama:
O mestre contemplou a imagem de cima abaixo;
“Falta-lhe uma coisa para torná-la grande”, disse ele.
E assinou a tela com o seu próprio nome prestigioso!

Referência:

GRISSOM, Arthur. The artist. In: STEDMAN, Edmund Clarence (Ed.). An American Anthology: 1787–1900. Selections Illustrating the Editor’s Critical Review of American Poetry in the Nineteenth Century. Sixth Impression. Boston and New York: Houghton, Mifflin and Company, 1900. p. 762.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Allen Ginsberg - Ao modo de Yeats

Ao compulsar a coletânea completa dos poemas de Ginsberg, deparei com o poema desta postagem e fiquei a ruminar sobre o porquê do seu título. Supus de início que, talvez, o autor norte-americano quisesse propor uma forma toda própria de elaborar poemas, depois que o padrão inconfundível da poesia do irlandês, divisa de uma época, findou com o seu passamento.

Ou não: sua intenção poderia ter sido exatamente o de emular o estilo de Yeats, com descrição de uma atmosfera reflexiva e íntima, a dar conformidade às cenas da vida privada do poeta e seus amigos.

J.A.R. – H.C.

Allen Ginsberg
(1926-1997)

After Yeats

Now incense fills the air
and delight follows delight,
quiet supper in the carpet room,
music twangling from the Orient to my ear,
old friends at rest on bright mattresses,
old paintings on the walls, old poetry
thought anew, laughing at a mystic toy
statue painted gold, tea on the white table.

(New York, April 26, 1964)

Hora do Chá
(Frederick William Elwell: pintor inglês)

Ao modo de Yeats

Agora o incenso preenche o ar
e prazer acompanha prazer,
uma ceia tranquila na sala acarpetada,
música do Oriente a retinir em meus ouvidos,
velhos amigos repousando em colchões luzentes,
pinturas antigas nas paredes, velha poesia
reapreciada, risos por uma estátua mística de
brinquedo pintada em ouro, chá sobre a mesa branca.

(Nova York, 26 de abril de 1964)

Referência:

GINSBERG, Allen. After Yeats. In: __________. Collected poems: 1947-1997. VII. King of may: America to Europe (1963-1965). New York, NY: HarperCollins Publishers, 2007. p. 351. (First Harper Perennial Modern Classics Edition Published 2007)

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Emma Lazarus - Vênus do Louvre

Neste soneto elisabetano, a norte-americana de origem judaica Emma Lazarus relembra o poeta Heinrich Heine, alemão também de origem judaica, a se lamentar, aos pés da Vênus de Milo, no Louvre em Paris, pela sua terminal incapacidade de amar.

Sob as lentes do feminismo e do judaísmo, Lazarus contempla neste soneto a deusa nascida da espuma do amor, transfixada em pedra, agora mutilada pela ação do tempo, num êxtase ao mesmo tempo estético e espiritual.

J.A.R. – H.C.

Emma Lazarus
(1849-1887)

Venus of the Louvre

Down the long hall she glistens like a star,
The foam-born mother of Love, transfixed to stone,
Yet none the less immortal, breathing on.
Time’ brutal hand hath maimed but could not mar.
When first the enthralled enchantress from afar
Dazzled mine eyes, I saw not her alone,
Serenely poised on her world-worshipped throne,
As when she guided once her dove-drawn car, −
But at her feet a pale, death-stricken Jew,
Her life adorer, sobbed farewell to love.
Here Heine wept! Here still he weeps anew,
Nor ever shall his shadow lift or move,
While mourns one ardent heart, one poet-brain,
For vanished Hellas and Hebraic pain.

Vênus de Milo
(Louvre - Paris)

Vênus do Louvre

No fundo do salão imenso,
qual estrela, ela cintila,
a mãe do amor, nascida da espuma e transmutada
em pedra.

Imortal, ainda respira.
Sem poder desfigurá-la,
mutilou-a
a mão brutal do tempo.

Quando a vi pela primeira vez,
de longe, a feiticeira deslumbrou-me a vista
E eu não a vi sozinha, serenamente pousada
no trono do seu culto universal,
guiando, como outrora,
o seu carro tirado pelas pombas.

Vi aos seus pés um pálido judeu,
adorador fiel, de toda a vida,
ferido de morte,
soluçando adeus ao amor!

Aqui chorou Heine! Aqui
continuará chorando eternamente.
Ficará neste lugar a sombra dele,
enquanto houver um coração ardente e um
cérebro de poeta
que chore Helena desaparecida
e a mágoa de Israel.

Referências:

Em Inglês

LAZARUS, Emma. Venus of the Louvre. In: STEDMAN, Edmund Clarence (Ed.). An American Anthology: 1787–1900. Selections Illustrating the Editor’s Critical Review of American Poetry in the Nineteenth Century. Sixth Impression. Boston and New York: Houghton, Mifflin and Company, 1900. p. 519.

Em Português

LAZARUS, Emma. Vênus do Louvre. Tradução de Carlos Ortiz. In: GUINSBURG, J.; TAVARES, Zulmira Ribeiro (Orgs.). Quatro mil anos de poesia. Desenhos de Paulina Rabinovich. São Paulo, SP: Perspectiva, 1969. p. 195. (Coleção “Judaica”; v. 12)

domingo, 27 de novembro de 2016

Vachel Lindsay - No Entanto Manso Será o Grifo

Hoje é domingo, dia de levar as crianças para passear no parque e contar-lhes histórias assombrosas. Dia também de os adultos recordarem as experiências de quando eram crianças, de tal modo que tudo o que se vivencie no final de semana seja lúdico e aprazível.

E para tanto, postamos um poema do norte-americano Vachel Lindsay, hábil na escrita de humor voltada a infantes, no qual se faz alusão às peripécias de um grifo – figura mitológica com cabeça e asas de águia e corpo de leão –, passeando pela galáxia, destinatária insuspeitável de suas deliciosas lambidas.

J.A.R. – H.C.

Vachel Lindsay
(1879-1931)

Yet Gentle Will the Griffin Be

(What Grandpa Told the Children)

The moon? It is a griffin’s egg,
Hatching to-morrow night.
And how the little boys will watch
With shouting and delight
To see him break the shell and stretch
And creep across the sky.
The boys will laugh. The little girls,
I fear, may hide and cry.
Yet gentle will the griffin be,
Most decorous and fat,
And walk up to the Milky Way
And lap it like a cat.

O Grifo Dourado
(Elena Kotliarker: artista ucraniana)

No Entanto Manso Será o Grifo

(O que o Vovô Contou às Crianças)

A Lua? Trata-se de um ovo de grifo,
Chocando pela noite até o alvorecer.
Certamente os meninos ficarão atentos
Com bulício e prazer
Para vê-lo romper a casca, alongar-se
E mover-se lentamente pelo céu.
Os maiores hão de dar risadas. As meninas,
Receio eu, podem se esconder e chorar.
No entanto, manso será o grifo,
Além de impoluto e rotundo,
A jornadear pela Via Láctea,
Lambendo-a como se fosse um gato.

Referência:

LINDSAY, Vachel. Yet gentle will the griffin be. In: __________. Collected poems. New York, NY: The Macmillan Company, 1925. p. 68.

sábado, 26 de novembro de 2016

Wolfdietrich Schnurre - Camaleão

Hoje vamos de uma fábula ao estilo de Esopo ou La Fontaine, mas só que da autoria de um prolífico escritor alemão: passa-nos ele a moral atinente a procedimento muito comum em determinados países, em especial do terceiro mundo – como um certo que conheço! –, nos quais os políticos mudam de partido como se trocassem de cueca a cada manhã.

Ops... Pode ser perigoso trocar de cueca a toda hora, se ela estiver abarrotada de dinheiro cuja origem seja duvidosa, diga-se, provindo da corrupção. De todo modo, façamos de conta que a alegoria seja válida. O que importa é estar no comando, mesmo que, para tanto, se mude de cor!

Em tempo: veio-me à mente, de repente, não mais que de repente, a lembrança da película “Zelig” (1983), do cineasta Woody Allen, cujo enredo trata exatamente das peripécias de um homem-camaleão que, entre suas aventuras, consegue despontar como “papagaio de pirata” do papa Pio XI. Vale a indicação, pois é uma super-comédia!

J.A.R. – H.C.

Wolfdietrich Schnurre
(1920-1989)

Chamäleon

Ein Chamäleon, der sich gerade auf Grün
eingestellt hatte, musste entdecken, dass es
seine Gabe, die Farbe zu wechseln, verloren hatte.
− Aber warum weinst du denn? − fragte man es.
− Weil ich grün sein muss, auch wenn die
Blauen ans Ruder kommen − schluchzte es.

In: “Protest im Parterre” (1957)

O Colecionador de Camaleões
(Eric Fan: artista nascido no Havaí)

Camaleão

Um camaleão, que acabara de passar
à cor verde, teve de descobrir que
perdera o dom de mudar de cor.
– Mas por que estás chorando? – perguntaram-lhe.
– Porque terei de ficar verde, mesmo quando os
azuis chegarem ao poder – respondeu ele soluçando.

Em: “Protesto na Plateia” (1957)

Referência:

SCHNURRE, Wolfdietrich. Verbete: camaleão. Tradução de Paulo Rónai. In: RÓNAI, Paulo. Dicionário universal Nova Fronteira de citações. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1985. p. 132.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Ángel González - As Palavras Inúteis

Mais um exercício de outro poeta espanhol, lutando com as palavras para fazê-las verter a “expressão instável” que signifique com razoável precisão o que seja a poesia, esse ingrediente incógnito e imponderável, capaz de deixá-lo suspenso sobre a espuma da felicidade.

A poesia pode fluir tanto pelo enlevo ou desejo despertado pelas relações corpo a corpo, quanto pelas percepções dos estados da natureza à nossa volta: para materializá-la, somente as palavras detemos – e quão limitadas são como meio a expressar aos pares aquilo que, muitas vezes, é um sentimento inconversível para o mundo das letras...

J.A.R. – H.C.

Ángel Gonzalez
(1925-2008)

Las Palabras Inútiles

Aborrezco este oficio algunas veces:
espía de palabras, busco,
busco
el término huidizo,
la expresión inestable
que signifique, exacta, lo que eres.

Inmóvil en la nada, al margen
de la vida (hundido
en un denso silencio sólo roto
por el batir oscuro de mi sangre),
busco,
busco aquellas palabras
que no existen
– quizá sirvan: delicia de tu cuello... –
que te acosan y mueren sin rozarte,
cuando lo que quisiera
es llegar a tu cuello
con mi boca
– ...o acaso: increíble sonrisa que he besado –,
subir hasta tu boca
con mis labios,
sujetar con mis manos tu cabeza
y ver
allá en el fondo de tus ojos,
instantes antes de cerrar los míos,
paz verde y luz dormida,
claras sombras
– tal vez
fuera mejor decir: humo en la tarde,
borrosa música que llueve del otoño,
niebla que cae despacio sobre un valle
avanzando hacia mí,
girando,
penetrándome
hasta anegar mi pecho y levantar
mi corazón salvado, ileso, en vilo
sobre la leve espuma de la dicha.

En: “Palabra sobre palabra” (1965)

O Beijo Roubado
(Jean-Honoré Fragonard: pintor francês)

As Palavras Inúteis

Detesto este ofício vez por outra:
espião de palavras, busco,
busco
o termo fugidio,
a expressão instável
que signifique, exata, o que és.

Imóvel no nada, à margem
da vida (submerso
num denso silêncio somente rompido
pelo bater escuro do meu sangue),
busco,
busco aquelas palavras
que não existem
– talvez sirvam: delícia de teu pescoço... –
que te assediam e morrem sem roçar-te,
quando muito quereria
chegar ao teu pescoço
com minha boca
– ...ou acaso: incrível sorriso que beijei –,
subir até tua boca
com meus lábios,
segurar com minhas mãos a tua cabeça
e ver
lá no fundo de teus olhos,
momentos antes de fechar os meus,
paz verde e luz adormecida,
claras sombras,
– talvez
fosse melhor dizer: fumaça na tarde,
turva música que chove do outono,
nevoeiro que cai aos poucos sobre um vale –
avançando até mim,
girando,
penetrando-me
até inundar meu peito e levantar
meu coração salvo, ileso, suspenso
sobre a leve espuma do júbilo.

Em: “Palavra sobre palavra” (1965)

Referência:

GONZÁLEZ, Ángel. Las palabras inútiles. In: __________. Palabra sobre palabra. Poesía completa: 1956-2001. 1. ed. aumentada. Barcelona, ES: Seix Barral, 2004. p. 189-190. (“Los Tres Mundos”)

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Langston Hughes - O Poeta

O poeta se descreve como um “menestrel” – aquele bardo que, por vezes, fazia as vezes de músico e cantor em tempos idos, a externar alegria, portanto –, mas um menestrel mortificado por dentro, pelas lutas inglórias de seu povo sofrido: o afrodescendente.

Temos abaixo, para ilustrar, duas traduções para o mesmo poema de Hughes: uma de Sérgio Milliet – um pouco mais livre em relação ao formato do original – e outra de Paulo Henriques Britto – que me parece mais elegante, ao mesmo tempo que respeita o número de versos das estrofes e as rimas do quarto e do oitavo versos de cada estância.

J.A.R. – H.C.

Langston Hughes
(1902-1967)

Minstrel Man

Because my mouth
Is wide with laughter
And my throat
Is deep with song,
You do not think
I suffer after
I have held my pain
So long?

Because my mouth
Is wide with laughter,
You do not hear
My inner cry?
Because my feet
Are gay with dancing,
You do not know
I die?

Anjo Menestrel a Tocar Alaúde
[Detalhe de “Apresentação de Jesus no Templo”]
(Vittore Carpaccio: pintor italiano)

O Poeta

Porque a minha boca
se abre em riso franco
e as canções nascem
do fundo da garganta
não acreditam que eu sofra
de ter carregado minha pena
tanto tempo.

Porque a minha boca
se abre em riso franco
não ouvem o grito
que sobe do meu peito
E como meus pés
se alegram na dança
não suspeitam sequer
que eu morro...

(Tradução de
Sérgio Milliet)

O Menestrel
(Sir James Dromgole Linton: pintor inglês)

Menestrel

Porque minha boca
É larga de riso
E minha garganta
É funda de canto,
Tu crês que não sofro
Depois de conter
O meu sofrimento
Tanto.

Porque minha boca
É larga de riso
Não ouves o grito
No fundo de mim
Porque os meus pés
São leves de dança
Não sabes que morro
Assim.

(Tradução de Paulo
Henriques Britto)

Referências:

Em Inglês

HUGHES, Langston. Minstrel man. In: PINSKY, Robert; DIETZ, Maggie (Coords.). American’s favorite poems: the favorite poem project anthology. New York, NY: W. W. Norton, 2000. p. 131.

Em Português

HUGHES, Langston. O poeta. Tradução de Sérgio Milliet. In: MILLIET, Sérgio (Seleção e notas). Obras-primas da poesia universal. 3. ed. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, 1957. p. 392-393.

HUGHES, Langston. Menestrel. In: BRITTO, Paulo Henriques (Tradutor). Menestrel. Folha de São Paulo, São Paulo, Caderno ‘Letras’, p. H-5, 1º abr. 1989.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Públio Ovídio Naso - O Homem

Em sua obra-prima, aclamada e influente até os dias de hoje, o poeta latino descreve o enredo mitológico da criação do homem, de forma muito distinta, é claro, da metáfora bíblica do livro do Gênesis.

Ovídio destaca o fato de o homem, diversamente ao que ocorre com os outros animais – os quais, segundo ele, têm o rosto voltado para a terra –, volta-se para o alto, em direção ao céu e seus outros astros, tencionando desse modo afirmar a insigne sorte que lhe fora dispensada pelos deuses.

J.A.R. – H.C.

Públio Ovídio Naso
(43 a.C - 17/18 d.C.)

Homo

Sanctius his animal mentisque capacius altae
deerat adhuc et quod dominari in cetera posset.
Natus homo est; siue diuino semine fecit
ille opifex rerum, mundi melioris origo,
siue recens tellus seductaque nuper ab alto
aethere cognati retinebat semina caeli;
quam satus Iapeto mixtam pluuialibus undis
finxit in effigiem moderantum cuncta Deorum;
pronaque cum spectent animalia cetera terram,
os homini sublime dedit caelumque tueri
iussit et erectos ad sidera tollere uultus.
Sic, modo quae fuerat rudis et sine imagine, tellus
induit ignotas hominum conuersa figuras.

In: “Metamorphoseon” (8 d.C.)

Prometeu Doa o Fogo à Humanidade
(Heinrich Friedrich Füger: pintor alemão)

O Homem

Um animal mais santo que esses e mais capaz de
um espírito profundo,
e que pudesse dominar os outros, faltava até então.
Nasceu o homem. Ou o fez com a semente divina
aquele obreiro das coisas, origem de um mundo melhor,
ou a terra, nova e recentemente desviada do alto
éter, retinha sementes do irmão, o céu.
Essa terra, misturada com águas das chuvas, o filho
de Jápeto (*)
modelou à imagem dos Deuses que tudo mantêm
nas medidas.
Enquanto os outros animais, inclinados, olham a terra,
deu ao homem um rosto que se volta para o alto
e ordenou-lhe
ver o céu; e a face erguida, elevá-la aos astros.
Assim, a terra que, havia pouco, fora tosca e informe,
alterada, assumiu desconhecidas figuras humanas.

Em: “Metamorfoses” (8 d.C.)

Nota:

Jápeto - Filho incestuoso de Urano, o céu estrelado, e Gaia, a Terra; o rebento de Jápeto a que o poeta se refere é Prometeu, criador dos homens e doador do fogo à humanidade.

Referência:

NASO, Públio Ovídio. Homo / O homem. Tradução de Maria da Gloria Novak. In: NOVAK, Maria da Gloria; NERY, Maria Luiza (Orgs.). Poesia lírica latina. Edição bilíngue. 2. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1992. Em latim: p. 218 e 220; em português: p. 219 e 221.