O estado habitual em
que imersa a voz lírica do presente poema é o de submersão em saudades de
outros tempos, chegando mesmo a imbricar-se num regime de metassaudades: a rigor,
tais disposições costumam estar associadas à beleza nostálgica de um declínio,
à hora melancólica do crepúsculo ou do sol-posto, quando os melhores anos já
terão transcorrido e o que se passa a esperar circunscreve-se a um abreviado
átimo.
A inflexão
interrogante da segunda estrofe põe acento em saudades benfazejas – “fascínio”
de outras idades ou mesmo “fingimentos” de que, antes, as coisas corriam em vias
afortunadas, sendo preferíveis às de hoje. Mas será sempre assim? E quando as
saudades assomam mescladas a lembranças tópicas de momentos que, em seu
conjunto, poderiam ser classificados de “infaustos”? Puro masoquismo? (rs)
J.A.R. – H.C.
Manuel Neto dos
Santos
(n. 1959)
Solitate
Tenho saudades da
vida
Como se a vida se
fora
Diluindo, ao rés da
aurora,
Como a neve
derretida.
Tenho saudades de ter
Saudades do que antes
tive;
Quando era, para ti,
declive
Para um riacho
qualquer...
Saudades. Que são
saudades
Se não as formas
fingidas
De essência das
outras vidas,
Fascínio de outras
idades?
Em: “Timbres
Inéditos” (1998)
Legenda Dourada
(Armand Point: pintor
francês)
Referência:
NETO DOS SANTOS,
Manuel. Solitate. In: __________. Safra. Antologia poética: 1988-2010. Sevilha,
ES: Wanceulen Editorial, 2019. p. 49. (‘Wanceulen Poética’)
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