Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Tony Hoagland - Desapontamento

Decepção, frustração, fracasso, desapontamento: é disso que trata o poema de hoje, de como o sentimento leva a pessoa para baixo, quando deixamos de realizar um de nossos diletos desejos, ou melhor, quando a conquista de algo que poderia nos tornar, por exemplo, independentes financeiramente – como um emprego – ficou ao largo, e só nos resta contemplar a natureza com as suas belezas transitórias.

O emprego da palavra “religioso”, no primeiro verso, suscitou-me dúvidas quanto ao sentido que o poeta pretendeu-lhe atribuir: seria porque, no contexto bíblico, esse sentimento teria sido o mais notório entre os judeus, um povo oprimido que nos legou muitas das alegorias que, ainda hoje, povoam a concepção imaginária e mítica do homem ocidental?!

J.A.R. – H.C.

Tony Hoagland
(1953-2018)

Disappointment

I was feeling pretty religious
standing on the bridge in my winter coat
looking down at the gray water:
the sharp little waves dusted with snow,
fish in their tin armor.

That’s what I like about disappointment:
the way it slows you down,
when the querulous insistent chatter of desire
goes dead calm

and the minor roadside flowers
pronounce their quiet colors,
and the red dirt of the hillside glows.

She played the flute, he played the fiddle
and the moon came up over the barn.
Then he didn’t get the job, –
or her father died before she told him
that one, most important thing –

and everything got still.

It was February or October
It was July
I remember it so clear
You don’t have to pursue anything ever again
It’s over
You’re free
You’re unemployed

You just have to stand there
looking out on the water
in your trench coat of solitude
with your scarf of resignation
lifting in the wind.

Na terra do algodão
(Barbara Simmons: pintora norte-americana)

Desapontamento

Sentia-me bastante religioso
em meu capote de inverno, quedo sobre a ponte,
olhando para baixo até as águas cinzentas:
as pequenas e resvaladiças ondas pulverizadas com neve,
peixes em suas estanhadas carcaças.

Isso é o que me agrada no desapontamento:
o modo como ele refreia o passo de seja quem for,
quando a insistente e fastidiosa garrulice do desejo
se apazigua

e as flores menores à beira da estrada
pronunciam suas cores suaves,
e brilha a terra vermelha da encosta.

Ela tocava flauta, ele violino
e a lua erguia-se por cima do celeiro.
Então ele não conseguiu o emprego, –
ou o pai dela faleceu antes que ela lhe dissesse
aquela mais importante coisa –

e tudo ficou parado.

Era fevereiro ou outubro
Era julho
Lembro-me tão claramente
Não tens que continuar à procura de algo nunca mais
Acabou-se
És livre
Estás desempregado

Só tens que permanecer ali
olhando em direção à água
em teu sobretudo de solidão
com teu cachecol de resignação
agitando ao vento.

Referência:

HOAGLAND, Tony. Disappointment. In: KEILLOR, Garrison (Selection and Introduction). Good poems for hard times. New York, NY: Penguin Books, 2006. p. 113-114.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Heiner Müller - Tristão 1993

Por uma criança pequena que ficou exposta às notícias trágicas do mundo, veiculadas por meio da televisão – num mundo no qual a internet, possivelmente, ainda não estava disponível, quando então o poder de multiplicação dos infortúnios ao infinito era muitíssimo menor –, põe-se o pai a imaginar se não teria sido melhor que ela nunca tivesse existido.

Ou melhor: por amor à criança, se não seria melhor que ela tivesse uma vida breve, em vez da sempre desejada “vida longa”, invocada nos dias natalícios. Mas a se imaginar tal incerteza, a felicidade humana seria uma improbabilidade, pois notícias ruins sempre andam à solta, competindo a cada um virar-lhes o rosto e seguir em frente, em busca de instantes venturosos.

J.A.R. – H.C.

Heiner Müller
(1929-1995)

Tristan 1993

Gestern hatte mein Kind einen fremden Blick
Eine Schreckensnachricht einen Werbespot lang
In den Augen meines Kindes las ich
Der zu viel gesehen hat die Frage
Ob die Welt die Mühe des Lebens noch aufwiegt
Einen Augenblick eine Schreckensnachricht
Einen Werbespot lang war ich im Zweifel
Soll ich ihm ein langes Leben wünschen
Oder aus Liebe einen frühen Tod

O garoto chorando
(Giovanni Bragolin: pintor italiano)

Tristão 1993

Ontem vi em meu filho um olhar estranho
Que durou uma notícia trágica um comercial
Eu li nos olhos do meu filho
Que já viram coisas demais a pergunta
Se o mundo ainda vale o esforço que é a vida
Pelo instante que durou uma notícia trágica
Um comercial eu fiquei em dúvida
Se desejava a ele uma vida longa
Ou por amor uma morte prematura.

Referência:

MÜLLER, Heiner. Tristan 1993 / Tristão 1993. Tradução de Ricardo Domeneck. In: MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira argenta: poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017. Em alemão: p. 52; em português: p. 53.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

B. J. Moraes Castro - Reminiscências

Este poema pertence a um autor provavelmente nascido em Lorena (SP), Benedito José de Moraes Castro, do qual não consegui obter qualquer outra informação, senão a de que, talvez, tenha sido escrivão de polícia naquela cidade do interior paulista.

Apesar da referência espacial, o que se descreve no poema mais parece alguma cena interiorana de uma daquelas cidades históricas mineiras, na qual o turista é capaz de projetar o que se passou quando inseridas no contexto colonial pátrio, os escravos ainda longe de serem libertos, a despeito do difundido espírito religioso cristão.

Mas há um referente nas reminiscências que não pode ser deslembrado: a menção aos cafezais leva-nos de volta ao provável Vale do Paraíba, no litoral norte de São Paulo, mais ou menos onde situa-se Lorena...

J.A.R. – H.C.

Igreja Mineira
(Athayde Lopes: pintor paulista)

Reminiscências

Prisioneiro das paredes
do velho campanário
da Igreja da Senhora Santana,
testemunha da era colonial,
o grande sino de bronze,
seresteiro das Ave-Marias,
com seu tanger soturno,
contempla o céu turquesa
mesclado de cirros-cúmulos...
Ao longe, o morro do Rossio
à luz do sol matinal,
com os casebres amarelados.
O conjunto arquitetônico
de antigos sobradões
que falam dos antepassados,
dos capitães e coronéis,
das moedas de ouro e vinténs...
Prisioneiro das paredes
do velho campanário,
o grande sino de bronze
relembra-se saudoso
das senzalas e do pelourinho,
dos plangentes carros de bois.
Das sinhás-moças e mucamas,
dos endiabrados capatazes
e os capitães de mato.
Dos verdes e copados cafezais
salpicados do sangue de escravos...
Penitente dos penitentes
soluça tristonho, recordando-se
das donzelas de tranças douradas
que vinham à missa e à reza,
como anjos a adornarem
a Igreja da Senhora Santana
..........................................
Mensageiro místico –
és o eterno enamorado
das manhãs primaveris
e das noites consteladas...
Tu e eu
somos constantes sonhadores...

A Hora da Reza
(Athayde Lopes: pintor paulista)

Referência:

CASTRO, B. J. Moraes. Reminiscências. In: __________. Em busca do infinito. 1. ed. São Paulo, SP: Escolas Profissionais Salesianas, 1991. p. 18-19.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Stanley Kunitz - O Retrato

Pretender negar as circunstâncias e os fatos – sobretudo aqueles que se nos apresentaram mais intoleráveis, inassimiláveis – pode tornar-nos duros com quem, em algum momento, resolver trazê-los à tona, reavivando a memória que, debalde, escusava-se em restituí-los ao presente, planejando sepultá-los para sempre.

Tanto mais vale a premissa se o fato em espécie diz respeito a um suicídio de quem mais se esperava apoio, quando se está prestes a dar à luz um filho: é o caso do poema – e a ação é uma brutal bofetada no rosto do pirralho que ousou trazer novamente à presença o retrato do pai suicida, um estalo a percutir por toda a vida!

J.A.R. – H.C.

Stanley Kunitz
(1905-2006)

The Portrait

My mother never forgave my father
for killing himself,
especially at such an awkward time
and in a public park,
that spring
when I was waiting to be born.
She locked his name
in her deepest cabinet
and would not let him out,
though I could hear him thumping.
When I came down from the attic
with the pastel portrait in my hand
of a long-lipped stranger
with a brave moustache
and deep brown level eyes,
she ripped it into shreds
without a single word
and slapped me hard.
In my sixty-fourth year
I can feel my cheek
still burning.

Retrato de Ambroise Vollard
(Paul Cézanne: pintor francês)

O Retrato

Minha mãe jamais perdoou meu pai
por suicidar-se,
especialmente num momento tão incômodo
e em um parque público,
naquela primavera
quando eu estava à espera de nascer.
Ela enclausurou o nome dele
em seu mais abstruso armário
sem permitir que de lá saísse,
ainda que eu pudesse escutá-lo a bater.
Quando desci do sótão,
segurando o retrato em pastel
de um estranho de lábios longos
com um bigode indômito
e profundos olhos castanhos,
ela o rasgou em pedaços
sem uma só palavra
e me esbofeteou com força.
No meu sexagésimo quarto ano
posso sentir minha bochecha
ainda ardendo.

Referência:

KUNITZ, Stanley. The portrait. In: KEILLOR, Garrison (Selector and Introducer). Good poems. New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 346.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Dante Alighieri - Poema 79: O Amor

Antes que Camões e Quevedo se dispusessem a discorrer sobre o amor, o vate italiano já nos havia fornecido o seu parecer sobre essa “paixão em desejo”, uma vez que o “amor não é substância nem coisa corporal que tenha imagem”, mas “prazer de forma dado pela natureza”.

É a doutrina que conduz a mente a uma gradual ascensão até a contemplação da beleza e da unidade, tomada, obviamente, à escala platônica. Nesse contexto, Beatriz, a sua amada, mesmo estando distante, não se lhe afasta do espírito: o que seria isso, se não fosse a hipótese de uma avassaladora paixão provocada pelo amor?!

J.A.R. – H.C.

Dante Alighieri
(1265-1321)
(Pintura de Sandro Botticelli)

Sonetto XIV: L’Amore

Molti, volendo dir che fosse Amore,
disser parole assai, ma non potero
dir di lui cosa che sembrasse il vero,
né diffinir qual fosse il suo valore.
Ben fu alcun che disse ch’era ardore
di mente imaginato per pensiero;
e alcun disse ch’era desidero
di voler nato per piacer del core.
Io dico che Amor non è sustanza
né cosa corporal ch’abbia figura,
anzi è passione in disianza,
piacer di forma dato per natura,
si che ‘l voler del core ogni altro avanza:
e questo basta fin che ‘l piacer dura.

Amantes
(Pierre-Auguste Renoir: pintor francês)

Poema 79: O Amor

Muitos, querendo dizer o que é o Amor,
preferiram muitas palavras, mas não puderam
dizer dele o que realmente parecesse
nem definir qual fosse seu valor.
Houve até quem dissesse que era ardor
da mente imaginado pelo pensamento;
e alguém disse que era desejo
de querer nascido por prazer do coração.
Eu afirmo que Amor não é substância
nem coisa corporal que tenha imagem,
mas é paixão em desejo,
prazer de forma dado pela natureza,
de tal modo que o querer do coração tudo excede:
e isso basta até que o prazer dure.

Referência:

ALIGHIERI, Dante. Molti, volendo dir che fosse amoré / Muitos, querendo dizer o que é o amor. Tradução de Carlos E. Zampognaro. In: ZAMPOGNARO, Carlos E. Dante Alighieri: o poeta filósofo. São Paulo, SP: Lafonte, 2011. Em italiano e em português: p. 72. (‘Filosofia Comentada’)

domingo, 26 de maio de 2019

Cecília Meireles - Oito

A entretecer um jogo de ideias sobre os temas da vida e da morte, da felicidade e da desventura, em conjugação com um voo a fazer piruetas no ar, qual trilha de um viandante aéreo em forma de oito, Cecília não foge aos motivos que lhe são tão caros, a atravessarem como uma divisa todas as suas belas criações poéticas.

Ela pressente a volatilidade das palavras, que não conseguem perdurar pela eternidade e, por isso, pervaga o “território dos mitos” onde poderá contemplar os “precipícios da humana e mortal história”. Daí se poderá atribuir uma interpretação tentativa ao fecho do poema: embora seja concebível, em algum momento, desejar-se a morte, há nela menos felicidade do que na conjunção natalícia.

J.A.R. – H.C.

Cecília Meireles
(1901-1964)

Oito

Ó linguagem de palavras
longas e desnecessárias!
Ó tempo lento
de malbaratado vento
nessas desordens amargas
do pensamento…

Vou-me pelas altas nuvens
onde os momentos se fundem
numa serena
ausência feliz e plena,
liso campo sem paludes
de febre ou pena.

Por adeuses, por suspiros,
no território dos mitos,
fica a memória
mirando a forma ilusória
dos precipícios
da humana e mortal história.

E agora podeis tratar-me
como quiserdes – que é tarde,
que a minha vida,
de chegada e de partida,
volta ao rodízio dos ares,
sem despedida.

Por mais que seja querida,
há menos felicidade
na volta do que na ida.

Em: “O Aeronauta” (1952)

O Aeronauta
(Bazhenov Sergey: artista russo)

Referência:

MEIRELES, Cecília. Oito. In: __________. Poesias completas. V. III. Rio de Janeiro, GB: Civilização Brasileira & INL, 1973. p. 28.

sábado, 25 de maio de 2019

Eavan Boland - O Emigrante Irlandês

A autora deste poema presta homenagem aos seus ascendentes, de origem irlandesa, emigrantes a terras distantes, em especial a Inglaterra e, sobretudo, os Estados Unidos: relembra ela a época dura por que passaram, provavelmente em terras americanas, durante a grande depressão econômica de fins dos anos 20.

O uso de lampiões a óleo, preferencialmente na parte de trás das residências, serve de mote para relembrar a luz transmitida pelos antepassados, que expostos a situações de trabalho precárias ou mesmo ao desemprego, lograram transmitir às gerações subsequentes, mais do que suas posses, a força de vontade e a sobriedade necessárias para superar momentos difíceis na vida.

J.A.R. – H.C.

Eavan Boland
(n. 1944)

The Emigrant Irish

Like oil lamps, we put them out the back –

of our houses, of our minds. We had lights
better than, newer than and then

a time came, this time and now
we need them. Their dread, makeshift example:

they would have thrived on our necessities.
What they survived we could not even live.
By their lights now it is time to
imagine how they stood there, what they stood with,
that their possessions may become our power:

Cardboard. Iron. Their hardships parceled in them.
Patience. Fortitude. Long-suffering
in the bruise-colored (*) dusk of the New World.

And all the old songs. And nothing to lose.

Os Emigrantes
(Hans Baluschek: pintor alemão)

O Emigrante Irlandês

Como lamparinas a óleo, nós as colocamos na parte de trás –

de nossas casas, de nossas mentes. Tínhamos luzes
melhores e mais novas, e então

chegou um momento, este momento, e agora
precisamos delas. Seu terrível, improvisado exemplo:

eles teriam prosperado perante nossas necessidades.
Como sobreviveram, sequer poderíamos viver.
Com foco em suas luzes, agora é o momento para
imaginar como se sustentaram ali, com o que se sustentaram,
para que suas posses pudessem converter-se em nosso poder:

Papelão. Ferro. Suas privações nelas parceladas.
Paciência. Fortaleza. Sofrimentos prolongados
no crepúsculo azul-violáceo do Novo Mundo.

E todas as velhas canções. E nada a perder.

Nota:

(*). A expressão “bruise-colored” denota semelhança do tom do crepúsculo a qualquer uma das cores de uma pele machucada, em especial o lilás e o azul; daí a preferência por torná-lo expresso, e não optando por uma tradução mais aproximada do literal, que, talvez, deixaria o verso meio – como diria? – truncado.

Referência:

BOLAND, Eavan. The emigrant irish. In: PINSKY, Robert; DIETZ, Maggie (Eds.). American’s favorite poems: the favorite poem project anthology. New York, NY: W. W. Norton, 2000. p. 27.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Bai Juyi - O letrado infeliz

A lição parece mesmo universal: alguém que passa a vida debruçado sobre livros, em busca de algo significativo – como, no caso relatado, tornar-se um mandarim –, mas que, mesmo alcançando o objetivo, sente-se infeliz ao final; por outro lado, um jovem que leva a vida conforme a história bíblica do filho pródigo. Conclui então o poeta: “uns sobem alto, outros satisfeitos por rastejar cá em baixo”.

Outra referência passível de se associar ao enredo do poema é a suma ao final da vida, compendiada pelo autor do Eclesiastes, ou ainda, a velha fábula infantil, com tropo em Esopo, contando as peripécias de uma formiguinha laboriosa e previdente ante a mudança das estações, e a cigarra, expansiva e pouco devotada ao dia de amanhã.

J.A.R. – H.C.

Bai  Juyi
(772 d.C.-846 d.C.)
(Pintura de Chen Hongshou)

悲哉行

悲哉为儒者
力学不知疲
读书眼欲暗
秉笔手生胝

十上方一第
成名常苦
纵有官达者
鬓已成丝

可怜少壮日
适在穷贱时
丈夫老且病
焉用富贵为

沉沉朱门宅
中有乳臭儿
状貌如妇人
光明膏梁肌

手不把书卷
身不擐戎衣
二十袭封爵
门乘勋戚资

春来日日出
服御何轻肥
朝从博徒
暮有倡楼期

平封还酒债
堆金选蛾眉
声色狗马外
馀一无知

山苗与涧松
势隋高卑
古来无奈何
非独君伤悲

O retorno do filho pródigo
(Gerrit van Honthorst: pintor holandês)

O letrado infeliz

Sempre a estudar, jamais cansado,
sempre a ler, quase até cegar.
Calos nas mãos, dia e noite segurando a pena,
dez vezes presente aos exames imperiais,
finalmente, tão tarde, conseguiu aprovação.
Depois de tanto trabalho, tanta luta, chegou a
mandarim,
mas os cabelos todos brancos, poucos os dias felizes.
Na sua juventude era humilde e pobre,
agora, poderoso e rico, está velho e doente.
Por detrás dos portões escarlate vive um rapaz,
quase imberbe, na boca ainda o gosto do leite da mãe,
mãos finas, pele suave, rosto afável.
Jamais pegou num livro, nunca foi soldado,
aos vinte anos herdou um título e a fortuna do pai.
Chega a Primavera, ele veste peles esplendorosas
e parte à desfilada no seu cavalo lustroso.
De dia, bebendo e jogando com os amigos,
de noite, amando mulheres em casas de prazer.
Gasta o dinheiro, paga dívidas de jogo,
inunda de moedas o leito das prostitutas.
O rapaz só entende de libertinagem, festas e caçadas.
Todos somos seres vivos, uns sobem alto,
outros satisfeitos por rastejar cá em baixo.
Sempre assim desde o princípio do mundo,
não és só tu a entender estas coisas.

Referências:

Em Chinês

白居易. 悲哉行. Disponível neste endereço. Acesso em: 31 mar. 2019.

Em Português

BAI JUYI. O letrado infeliz. Tradução de António Graça de Abreu. In: __________. Poemas de Bai Juyi. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Macau (MO): Instituto Cultural de Macau, 1991. p. 76. (Coleção ‘Clássicos Chineses’; n. 2)