A voz poética grita
por socorro, pois que perdeu a capacidade de sentir alguma coisa, de rir ou de
chorar, de experimentar alguma emoção de amor ou de dor, corolário de uma
sensação de impassibilidade ou de indiferença com o que ocorra ou deixe de
ocorrer à sua volta, porque o coração ora se compraz na inércia, em vez de
pulsar no peito de quem ainda vive.
Há tanta falta de
sentido na existência daquela que nos versos se expressa, que ela admite
emprestar até mesmo as “penas” de alguma “alma penada”. Afinal, ser humano(a) é
ter sentimentos, é fazer arder a chama de um propósito maior, sem o qual os
dias se sucedem num vale de despretensão, de abulia cromática, de imobilidade
ao sol, semelhando-se à própria morte.
J.A.R. – H.C.
Alice Ruiz
(n. 1946)
Socorro
Socorro, eu não estou
sentindo nada.
Nem medo, nem calor,
nem fogo,
não vai dar mais pra
chorar
nem pra rir.
Socorro, alguma alma,
mesmo que penada,
me empreste suas
penas.
Já não sinto amor nem
dor,
já não sinto nada.
Socorro, alguém me dê
um coração,
que esse já não bate
nem apanha.
Por favor, uma emoção
pequena,
qualquer coisa que se
sinta,
tem tantos
sentimentos,
deve ter algum que
sirva.
Socorro, alguma rua
que me dê sentido,
em qualquer
cruzamento,
acostamento,
encruzilhada,
socorro, eu já não
sinto nada.
Indiferença
(Haley Beltran:
artista norte-americana)
Referência:
RUIZ, Alice. Socorro.
In: ANDRADE, Mário de et al. 50 poemas de revolta. 1. ed. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2017. p. 26-27.
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