Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 22 de outubro de 2022

Pablo Neruda - Ode à Gratidão

Uma palavra de agradecimento opera milagres no relacionamento humano, podendo derreter “neve ou ferro”, segundo Neruda: basta ver o quanto o entorno de uma pessoa sempre disposta a reconhecer a providência de um favor impregna-se dos melhores fluídos, tornando o convívio com os seus pares muito mais ameno.

 

Vejam-se as figuras empregadas pelo poeta para enfatizar a positividade que o vocábulo é capaz de sugerir: uma “pétala de açúcar”, uma “pílula contra os óxidos cortantes do desprezo”, um “tapete entre os mais distantes homens”, “pétala” diante da qual se escondem os “punhais do orgulho”, fazendo aparecer “um centavo de sorriso”. Grato pela palavra “gratidão”!

 

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

Oda a las Gracias

 

Gracias a la palabra

que agradece.

Gracias a gracias

por

cuanto esta palabra

derrite nieve o hierro.

 

El mundo paecía amenazante

hasta que suave

como pluma

clara,

o dulce como pétalo de azúcar,

de labio en labio

pasa

gracias,

grandes a plena boca

o susurrantes,

apenas murmulladas,

y el ser volvió a ser hombre

y no ventana,

alguna claridad

entró en el bosque:

fue posible cantar bajo las hojas.

Gracias, eres la píldora

contra

los óxidos cortantes del desprecio,

la luz contra el altar de la dureza.

 

Tal vez

también tapiz

entre los más distantes hombres

fuiste.

Los pasajeros

se diseminaron

en la naturaleza

y entonces

en la selva

de los desconocidos,

merci, mientras el tren frénetico

cambia de patria,

borra las fronteras,

spasivo,

junto a los puntiagudos

volcanes, frío y fuego,

thanks, sí, gracias, y entonces

se transforma la tierra en una mesa:

um palabra la limió,

brillan platos y copas,

suenan los tenedores

y parecen manteles las llanuras.

 

Gracias, gracias,

que viajes y que vuelvas,

que subas

y que bajes.

Está entendido, no

lo llenas todo,

palabra gracias,

pero

donde aparece

tu pétalo pequeño

se esconden los puñales del orgullo,

y aparece um centavo de sonrisa.

 

En: “Navegaciones y regresos” (1959)

 

Gratidão

(Tamara Phillips: artista canadense)

 

Ode à Gratidão

 

Grato pela palavra

que agradece.

Grato a grato

pelo

quanto essa palavra

derrete neve ou ferro.

 

O mundo parecia ameaçador

até que suave

como uma pluma

clara,

ou doce como pétala de açúcar,

de lábio em lábio

passa,

grato,

grandes a boca plena

ou sussurrantes,

apenas murmuradas,

e o ser voltou a ser homem

e não janela,

alguma claridade

entrou no bosque:

foi possível cantar embaixo das folhas.

 

Grato, és a pílula

contra

os óxidos cortantes do desprezo,

a luz contra o altar da dureza.

 

Talvez

também tapete

entre os mais distantes homens

foste.

Os passageiros

se disseminaram

na natureza

e então

na selva

dos desconhecidos,

merci, enquanto o trem frenético

muda de pátria,

borra as fronteiras,

spasivo,

junto aos pontiagudos

vulcões, frio e fogo,

thanks, sim, gracias, e então

a terra se transforma em uma mesa:

uma palavra a limpou,

brilham os pratos e copos,

ressoam os talheres

e parecem toalhas as planuras.

 

Grato, gracias,

que viajes e que voltes,

que subas

ou que desças.

Está entendido, não

preenches tudo,

palavra grato,

mas

onde aparece

tua pequena pétala

escondem-se os punhais do orgulho

e aparece um centavo de sorriso.

 

Em: “Navegações e Regressos” (1959)

 

Referências:

 

Em Espanhol

 

NERUDA, Pablo. Oda a las gracias. In: __________. Poesías. Selección y prólogo de Roberto Fernández Retamar. La Habana, CU: Casa de las Américas, 1972. p. 317-318. (Colección Literatura Latinoamericana)

 

Em Português

 

NERUDA, Pablo. Ode à gratidão. Tradução de José Rubens Siqueira. In: __________. Navegações e regressos. Tradução de José Rubens Siqueira. 1. ed. São Paulo, SP: MEDIAfashion, 2012. p. 87-89. (Coleção Folha. Literatura ibero-americana; v. 9)

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