Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 31 de julho de 2018

Charles Bukowski - os insanos sempre me amaram ‎

Veja-se lá que, no domínio das relações humanas, os opostos dificilmente se atraem – como os magnetos na Física –, senão os semelhantes. Logo, nenhum espanto pode haver quando Bukowski – um autêntico “insano” (rs) – afirma que os outros insanos sempre o amaram!

 

Fico então a imaginar se não há um correlato na Psicologia para a Lei da Gravitação Universal, formulada por Newton. Afinal, temos como mantra para qualquer hora as persuasivas palavras de Hamlet direcionadas a Horácio: “There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt of in your philosophy”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Charles Bukowski

(1920-1994)

 

the insane always loved me

 

and the subnormal. 

all through grammar school 

junior high 

high school 

junior college 

the unwanted would attach 

themselves to 

me. 

guys with one arm 

guys with twitches 

guys with speech defects 

guys with white film 

over one eye, 

cowards 

misanthropes 

killers 

peep-freaks 

and thieves. 

and all through the 

factories and on the 

bum 

I always drew the 

unwanted. they found me 

right off and attached 

themselves. they 

still do. 

in this neighborhood now 

there’s one who’s 

found me. 

he pushes around a 

shopping cart 

filled with trash: 

broken canes, shoelaces, 

empty potato chip bags, 

milk cartons, newspapers, penholders ... 

 “hey, buddy, how ya doin’?” 

I stop and we talk a 

while. 

then I say goodbye 

but he still follows 

me 

past the beer 

parlours and the 

love parlours ... 

 “keep me informed

buddy, keep me informed

I want to know what’s 

going on.”

he’s my new one. 

I’ve never seen him 

talk to anybody 

else. 

the cart rattles 

along a little bit 

behind me 

then something 

falls out. 

he stops to pick 

it up. 

as he does I 

walk through the 

front door of the 

green hotel on the 

corner 

pass down through 

the hall 

come out the back 

door and 

there’s a cat 

shitting there in 

absolute delight, 

he grins at 

me.

 

A Monomaníaca da Inveja ou

A Hiena de Salpêtrière

(Théodore Géricault: pintor francês)

 

os insanos sempre me amaram

 

e os subnormais.

ao longo de todo e ensino

fundamental

ensino médio

faculdade

os rejeitados se

uniam a

mim.

caras com um só braço

caras com tiques

caras com problemas de fala

caras com uma película branca

sobre um dos olhos,

covardes

misantropos

assassinos

tarados

e ladrões.

e em todas

as fábricas e na

vagabundagem

sempre atraí

os rejeitados. eles me encontravam

logo de cara e se grudavam

em mim. continuam

fazendo isso.

aqui na vizinhança há agora

um que me

encontrou.

ela anda por aí empurrando um

carrinho de supermercado

cheio de lixo:

bengalas partidas, cadarços,

sacos vazios de batata frita,

caixas de leite, jornais, canetas...

“ei, parceiro, o que tá fazendo?”

eu paro e conversamos um

pouco.

então eu digo adeus

mas ele continua me

seguindo

para além dos

puteiros e dos

prostíbulos...

“me mantenha informado,

parceiro, me mantenha informado,

quero saber o que está

acontecendo.”

esse é o meu insano do momento.

nunca o vi falar

com mais

ninguém.

o carrinho chacoalha

um pouco atrás

de mim

então alguma coisa

cai.

ele se detém para

juntá-la.

enquanto ele se ocupa disso eu

entro pela porta de um

hotel verde que fica na

esquina

cruzo

o saguão

saio pela porta

dos fundos e

ali há um gato

cagando

absolutamente deliciado,

que me arreganha os

dentes.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

BUKOWSKI, Charles. the insane always loved me . In: __________. Love is a dog from hell: poems, 1974-1977. Santa Rosa, CA: Black Sparrow Press, 1977. p. 140-141.

 

Em Português

 

BUKOWSKI, Charles. os insanos sempre me amaram. In: __________. O amor é um cão dos diabos. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 137-138. (L&PM Pocket; v. 888)

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Eduardo Alves da Costa - Banana Split

O poeta fomenta a desforra contra todos aqueles que vão de encontro aos interesses do povo, vendilhões da pátria que ainda hoje por aí estão, que fazem qualquer coisa por dinheiro e ainda querem posar de bons moços – como esse canalha maior chamado Aécio Neves, um estorvo que bem sabemos de onde veio e a que veio!

 

A poesia de Eduardo da Costa faz-me lembrar, por vezes, a do norte-americano Carl Sandburg, que se identificava com o povo, quando se punha a afirmar: “Eu sou o povo, a multidão, a massa; e todo o trabalho do mundo é por mim executado!” E então: o povo brasileiro ainda há de superar todas as mazelas que as elites política, judicial e midiática ordinariamente lhe impõem!

 

J.A.R. – H.C.

 

Eduardo Alves da Costa

(n. 1936)

 

Banana Split

 

Aos que devoram o mundo

tranquilos, como se comessem

uma banana split;

aos que usam as assembleias

como balcão de negócios,

na esperança de vender

seu estoque de bombas;

aos banqueiros internacionais,

pressurosos em atender

os mendigos de Estado,

em troca de pequenas concessões;

aos que plantam suas máquinas

em terras estrangeiras,

para espremer os frutos,

o solo e as gentes;

àqueles que falam doce

e mandam seus missionários

catequizar os gentios

com hinos de dúbia letra;

aos amantes da ciência,

magos e feiticeiros,

hábeis em curar moléstias

geradas por eles mesmos;

aos que levam nosso ferro

e areias monazíticas

e nos devolvem em troca

o saldo de suas festas;

aos que matam nossa fome

com sacas de feijão podre

e nos afogam a sede

num mar de refrigerantes;

aos que abrem suas asas

sobre nossas cabeças ocas

e nos fazem aliados

contra o inimigo deles;

enfim, a todos aqueles

que usando de artimanhas

suas artes nos ensinam,

nossa gratidão eterna.

E a promessa de que um dia,

tão logo estejamos prontos,

restituiremos em dobro.

 

“O Tocador de Atabaque:

1962/1969” (Livro II) 

 

A vingança de Joukahainen

(Akseli Gallen-Kallela: pintor filandês)

 

Referência:

 

COSTA, Eduardo Alves da. Banana split. In: __________. No caminho, com Maiakóvski. 1. ed. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1988. p. 38.

domingo, 29 de julho de 2018

Lynn Emanuel - Os Que Dormem

Até onde vai a imaginação humana! A poetisa especula como os seus pais fizeram amor num quarto com paredes abarrotadas de rosas, num ‘loft’ em nível imediatamente acima ao da morada do pintor Mark Rothko, norte-americano de origem letã e judaica, que as teria pintado, o qual, por sua vez, pelo que pude constatar, não era tão aficionado assim por rosas...

 

No fundo, Lynn pretende apenas manifestar o poder de sugestão que a arte detém, fazendo ressuscitar à nossa presença mental mesmo aqueles que já se foram e que, de uma forma ou de outra, fazem parte do histórico familiar, resguardando-os, dessa maneira, dos efeitos vorazes do tempo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Lynn Emanuel

(n. 1949)

 

The Sleeping

 

I have imagined all this:

In 1940 my parents wer in love

And living in the loft on West 10th

Above Mark Rothko who painted cabbage roses

On their bedroom walls the night they got married.

 

I can guess why he did it.

My mother’s hair was the color of yellow apples

And she wore a velvet hat with her pajamas.

 

I was not born yet. I was remote as starlight.

It is hard for me to imagine that

My parents made love in a roomful of roses

And I wasn’t there.

 

But now I am. My mother is blushing.

This is the wonderful thing about art.

It can bring back the dead. It can wake the sleeping

As it might have late that night

When my father and mother made love above Rothko

Who lay in the dark thinking Roses, Roses, Roses.

 

Rosas num Vaso

(Robert Williams: pintor inglês)

 

Os Que Dormem

 

Estive a imaginar tudo isto:

Em 1940 meus pais estavam enamorados

E viviam num sótão em West 10th

Num piso acima do de Mark Rothko, que pintou rosas

de cem pétalas

Nas paredes do quarto deles na noite em que se casaram.

 

Posso adivinhar porque assim procedeu.

O cabelo de minha mãe era da cor de maçãs maturadas

E ela usava um chapéu de veludo junto com seu pijama.

 

Eu ainda não havia nascido. Era tão remota quanto a luz

das estrelas.

Custa-me imaginar que

Meus pais tenham feito amor num quarto cheio de rosas

E eu lá não estivesse.

 

Mas agora estou presente. Minha mãe se ruboriza.

Isso é o maravilhoso da arte.

É capaz de trazer de volta os mortos. Pode despertar os

que dormem,

Assim como talvez tenha ocorrido já tarde naquela noite,

Quando meus pais fizeram amor acima de Rothko,

Que deitado no escuro estava pensando em

Rosas, Rosas, Rosas.

 

Referência:

 

EMANUEL, Lynn. The sleeping. In: __________. CHRISTOPHER, Nicholas (Ed.). Walk on the wild side: urban american poetry since 1975. New York, NY: Collier Books, 1994. p. 55.