Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Olavo Bilac - Velhas Árvores

Tendo as árvores como parâmetro para elaborar suas metáforas, o poeta carioca, de fato, procura erradicar das pessoas com muitas primaveras o temor da morte, afirmando-as pelo poder da alegria e da bondade, num momento da vida em que muitos dos sonhos já se realizaram, deixando-as mais serenas, eis que para elas, deveras, valeria a máxima de Terêncio (185 a.C. - 159 a.C.): nada do que é humano lhes é estranho.

Poder-se-ia interpretar a díade “sombra e consolo”, invocada pelo vate parnasiano, como o corolário da habitual atividade de assessoria ou aconselhamento de que são incumbidos os mais longevos, pois, plenos de experiências, são capazes de vislumbrar o caminho menos atribulado ou embaraçoso nas lidas da vida. Não sem motivos, muitas das obras sobre preceitos do bem-viver, da prudência e do equilíbrio – como as “Meditações”, de Marco Aurélio (121 d.C. - 180 d.C.), ou as “Cartas”, de Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.) – foram redigidas nesse estágio da existência. 

J.A.R. – H.C. 

 

Olavo Bilac

(1865-1918)

 

Velhas Árvores

 

Olha estas velhas árvores, mais belas

Do que as árvores mais moças, mais amigas:

Tanto mais belas quanto mais antigas,

Vencedoras da idade e das procelas...

 

O homem, a fera e o inseto à sombra delas

Vivem, livres de fomes e fadigas;

E em seus galhos abrigam-se as cantigas

E os amores das aves tagarelas...

 

Não choremos, amigo, a mocidade!

Envelheçamos rindo! envelheçamos

Como as árvores fortes envelhecem:

 

Na glória da alegria e da bondade,

Agasalhando os pássaros nos ramos,

Dando sombra e consolo aos que padecem!

 

Em: “Alma Inquieta” (1902)

 

Outono: paisagem com quatro árvores

(Vincent van Gogh: pintor holandês)



Referência:

BILAC, Olavo. Velhas árvores. In: __________. Poesias. Posfácio de R. Magalhães Júnior. 5. ed. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro, 2002. p. 136. (Coleção ‘Prestígio’; nº 20710)

domingo, 29 de novembro de 2020

Enrique Lihn - Se há de se escrever poesia corretamente

O autor chileno, ao tempo que descreve algumas técnicas que devem ser adotadas pelos poetas para levar à frente a denominada “arte poética”, oferece críticas sarcásticas a certas tendências líricas albergadas por autores latino-americanos, chegando a expô-los ao escárnio, quando se dizem tomados por visões arrebatadoras ou por uma “misteriosa inspiração”.

O que Lihn preconiza é que o poeta não se precipite em suas empreitadas, para que, amadurecidas, sejam elas vertidas em linhas precisamente distribuídas no poema, assim como se o vate estivesse movendo as peças num tabuleiro de xadrez – o que pressupõe o lado racional e metódico do ofício, em contraposição “à pobreza vocabular” do coração, ou por outra, à dificuldade de serem produzidos bons poemas lançando-se mão tão apenas de sentimentos. 

J.A.R. – H.C.

 

Enrique Lihn
(1929-1988)

 

Si se ha de escribir correctamente poesía

 

Si se ha de escribir correctamente poesía

no basta con sentirse desfallecer en el jardín

bajo el peso concertado del alma o lo que fuere

y del célebre crepúsculo o lo que fuere.

El corazón es pobre de vocabulario.

Su laberinto: un juego para atrasados mentales

en que da risa verlo moverse como un buey

un lector integral de novelas por entrega.

Desde el momento en que coge el violín

ni siquiera el Vals triste de Sibelius,

permanece en la sala que se llena de tango.

 

Salvo honrosas excepciones las poetisas uruguayas

todavía confunden la poesía con el baile

en una mórbida quinta de recreo,

o la confunden con el sexo o la confunden con la muerte.

 

Si se ha de escribir correctamente poesía

en cualquier caso hay que tomarlo con calma.

Lo primero de todo: sentarse y madurar.

El odio prematuro a la literatura

puede ser de utilidad para no pasar en el ejército

por maricón, pero el mismo Rimbaud

que probó que la odiaba fue un ratón de biblioteca,

y esa náusea gloriosa le vino de roerla.

 

Se juega al ajedrez

con las palabras hasta para aullar.

Equilibrio inestable de la tinta y la sangre

que debes mantener de un verso a otro

so pena de romperte los papeles del alma.

Muerte, locura y sueño son otras tantas piezas

de marfil y de cuerno o lo que fuere;

lo importante es moverlas en el jardín a cuadros

de manera que el peón que baila con la reina

no le perdone el menor paso en falso.

 

Quienes insisten en llamar a las cosas por sus nombres

como si fueran claras y sencillas

las llenan simplemente de nuevos ornamentos.

No las expresan, giran en torno al diccionario,

inutilizan más y más el lenguaje,

las llaman por sus nombres y ellas responden por sus nombres

pero se nos desnudan en los parajes oscuros.

 

Salvo honrosas excepciones ya no hay grandes poetas

que no parezcan vendedores viajeros

y predican o actuán e instalan su negocio

en dios o en la taquilla de un teatro de provincia.

Ningún Misterio: trucos del lenguage.

Discursos, oraciones, juegos de sobremesa,

todas estas cositas por las que vamos tirando.

 

Si se ha de escribir correctamente poesía

no estaría de más bajar un poco el tono

sin adoptar por ello un silencio monolítico

ni decidirse por la murmuración.

Es un pez o algo así lo que esperamos pescar,

algo de vida, rápido, que se confunde con la sombra

y no la sombra misma ni el Leviatán entero.

Es algo que merezca recordarse

por alguna razón parecida a la nada

pero que no es la nada ni el Leviatán enterro,

ni exactamente un zapato ni una dentadura postiza.

 

Dança no Campo
(Pierre-Auguste Renoir: pintor francês)

 

Se há de se escrever poesia corretamente

 

Se há de se escrever poesia corretamente,

não basta sentir-se desfalecer no jardim,

sob o peso harmonioso da alma ou o que for

e do célebre crepúsculo ou o que for.

Pobre é o vocabulário do coração.

Seu labirinto: um jogo para retardados mentais,

risível ao se vê-lo mover-se como um boi,

um ávido leitor de romances folhetinescos.

Desde o momento em que ele pega o violino,

nem mesmo a Vals Triste de Sibelius

permanece na sala, que se enche de tango.

 

Salvo honrosas exceções, as poetisas uruguaias

ainda confundem a poesia com a dança

em uma mórbida quinta de recreio,

ou confundem-na com o sexo ou com a morte.

 

Se há de se escrever poesia corretamente,

em qualquer caso é preciso ir com calma.

Primeiro que tudo: sentar-se e amadurecer.

O ódio prematuro à literatura

pode ser útil para não se passar no exército

por maricas, ainda que o próprio Rimbaud,

que a odiava a toda prova, haja sido um rato de biblioteca

e essa gloriosa náusea veio-lhe a roê-la.

 

Joga-se xadrez

com as palavras até mesmo para uivar.

Um equilíbrio instável entre tinta e sangue

que deve-se manter de um verso a outro

sob pena de rasgarem-se as páginas da alma.

A morte, a loucura e o sonho são outras tantas peças

de marfim e de corno ou o que for;

o importante é movê-las no jardim axadrezado,

de modo que o peão, a dançar com a rainha,

não lhe perdoe o menor passo em falso.

 

Aqueles que insistem em chamar as coisas por seus nomes,

como se fossem claras e simples,

preenchem-nas tão apenas com novos ornamentos.

Não as expressam, recorrem ao dicionário,

tornam a linguagem cada vez mais inútil,

chamam-nas por seus nomes e elas respondem por seus nomes,

embora se nos dispam em cantos escuros.

 

Salvo honrosas exceções, já não há grandes poetas

que não pareçam vendedores ambulantes

e preguem ou representem e abram seu negócio

em deus ou na bilheteria de um teatro de província.

Nenhum Mistério: apenas truques de linguagem.

Discursos, orações, jogos de tabuleiro,

todas essas pequenas coisas pelas quais vamos passando.

 

Se há de se escrever poesia corretamente,

não faria mal baixar um pouco o tom,

sem por isso adotar um silêncio monolítico

nem decidir-se por murmúrios.

É algo como um peixe o que esperamos pescar,

algo vivo, rápido, que se confunde com a sombra,

e não a própria sombra nem o Leviatã inteiro.

É algo que vale a pena lembrar,

por alguma razão que ao nada se parece,

mas que não é o nada nem o Leviatã inteiro,

nem exatamente um sapato, tampouco uma dentadura postiça.



Referência:

LIHN, Enrique. Si se ha de escribir correctamente poesía. In: BORDA, Juán Gustavo Cobo (Selección, prólogo y notas). Antología de la poesía hispanoamericana. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, ‎‎1985. p. 375-376. (Colecció‘Tierra Firme’)

sábado, 28 de novembro de 2020

Dylan Thomas - A força que impele a flor através do verde estopim

Mesmo diante de um processo em que, de um lado, se nos apresenta o júbilo do nascimento e, do outro, o desconsolo da morte, o poeta galês não deixa de acenar para o atributo contínuo de tal encadeamento, do qual se pode deduzir a sua perenidade: eis o ciclo da natureza, ou melhor, a forma como tudo a que ela diz respeito atravessa a seta diáfana do tempo. 

Thomas emprega interessantes locuções figurativas, matizadas com inflexões bíblicas, tornando o espinhoso tema da morte um pouco mais tolerável à luz da permanente dialética a opor beleza e vitalidade à decadência e ao envelhecimento, cumprindo a cada ser vivo plasmar a própria síntese de sua marcha de vida. 

J.A.R. – H.C.


Dylan Thomas
(1914-1953)
 

The force that through the green fuse drives the flower

 

The force that through the green fuse drives the flower

Drives my green age; that blasts the roots of trees

Is my destroyer.

And I am dumb to tell the crooked rose

My youth is bent by the same wintry fever.

 

The force that drives the water through the rocks

Drives my red blood; that dries the mouthing streams

Turns mine to wax.

And I am dumb to mouth unto my veins

Howat the mountain spring the same mouth sucks.

 

The hand that whirls the water in the pool

Stirs the quicksand; that ropes the blowing wind

Hauls my shroud sail.

And I am dumb to tell the hanging man

How of my clay is made the hangman’s lime.

 

The lips of time leech to the fountain head;

Love drips and gathers, but the fallen blood

Shall calm her sores.

And I am dumb to tell a weather’s wind

How time has ticked a heaven round the stars.

 

And I am dumb to tell the lover’s tomb

How at my sheet goes the same crooked worm.

 

Jardim
(Sergey Minaev: pintor russo)
 

A força que impele a flor através do verde estopim

 

A força que impele a flor através do verde estopim

Impede os meus verdes anos; a que arruína as raízes das árvores

É a que me aniquila.

E perco a voz para dizer à rosa que se arqueia

Como a minha juventude se curva sob a mesma febre invernal.

 

A força que impele a água através das rochas

Impele o meu rubro sangue; a que seca o sussurro das correntes

Transforma as minhas em cera.

E perco a voz para dizer às minhas veias

Como a mesma boca suga as fontes da montanha.

 

A mão que faz girar a água do pântano

Agita a areia movediça; a que estrangula o sopro do vento

Enfuna as velas de meu sudário.

E perco a voz para dizer ao enforcado

Como de minha argila é feita a cal do carrasco.

 

Sanguessugas, os lábios do tempo se colam à nascente;

O amor se avoluma e goteja, mas o sangue derramado

Acalmará suas feridas.

E perco a voz para dizer ao vento tempestuoso

Como as horas marcam um céu ao redor dos astros.

 

E perco a voz para dizer ao túmulo da amada

Como rastejam em meu lençol os mesmos vermes retorcidos.

 

Referências:

Em Inglês

THOMAS, Dylan. The force that through the green fuse drives the flower. In: __________. Collected poems: 1934-1952. 1st ed.; 12th rep. London, EN: J. M. Dent & Sons Ltd., may 1959. p. 9.

Em Português

THOMAS, Dylan. A força que impele a flor através do verde estopim. Tradução de Ivan Junqueira. In: __________. Poemas reunidos: 1934-1953. Editados pelos professores Walford Davies e Ralph Maud. Tradução e introdução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 1991. p. 13-14.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Maria Eugênia Celso - Il donno è mobile

Com um título a fazer explícita associação à ária “La donna è mobile” (“A mulher é volúvel”), do terceiro ato da ópera “Rigolleto”, do italiano Giuseppe Verdi (1813-1901), o soneto de Maria Eugênia dedica-se a evidenciar a leviandade masculina, usando dos mais diversos artifícios para seduzir uma dona – em especial, o pretenso empenho a um amor eterno, pela via de promessas casamenteiras. 

No caso em apreço, o “amor sem fim” prometido à senhora não demorou mais do que 8 (oito) dias, a comprovar que as juras que lhe foram endereçadas não passavam de frivolidades. Ainda mais grave é a situação de assalariadas que sofrem assédio sexual no ambiente de trabalho, por meio do qual chefes lhes impõem tratos infames, sob a pressão de dispensa. 

J.A.R. – H.C.

 

Maria Eugênia Celso

(1886-1963)

 

Il donno è mobile

 

Como eu te perguntasse num motejo:

− Quanto tempo durar pode, afinal,

a veemente paixão em que te vejo?

− Sempre! disseste em tom sentimental.

 

− Sempre? Em verdade, nem a tanto almejo.

Tão volúveis os homens, em geral,

são sempre todos, que o teu sempre é ensejo

de passares por ente excepcional.

 

Protestaste indignado, erguendo a destra;

juraste ser eu sempre a dona e a mestra

insuplantável de teu coração.

 

Olha, amor, se eu tivesse acreditado...

O ardente sempre, que me foi jurado,

teve oito dias só de duração!

 

Em: “Fantasias e Matutadas” (1925)


Homem em traje oriental

(Rembrandt van Rijn: artista holandês)


Referência:

CELSO, Maria Eugênia. Il donno è mobile. In: NOGUEIRA, Júlio (Organização). Poesia nossa. Rio de Janeiro: Gráfica Lammert Limitada, 1955. p. 280. (Biblioteca do Exército; Vols. 205-206)

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Sidney Keyes - Paul Klee

Keys, poeta inglês, redigiu este poema depois de visitar uma exposição de Paul Klee em Londres, tentando vasculhar a mente do pintor expressionista suíço  − de nacionalidade alemã −, através de suas obras, algo meio parecido com as elucubrações que a belga Marguerite Yourcenar (1903-1987) empreende em “Memórias de Adriano”, de 1951, pondo na mente do Imperador pensamentos  que lhe poderiam ter invadido em determinados momentos de sua ascendência sobre Roma.

Não deixa de ser surpreendente a forma clarividente como o poeta acerca-se de um hipotético mecanismo de reação do pintor, enquanto “criança”, às leviandades levadas a efeito, em seus sonhos infantis, por gnomos ou duendes que lhe vêm sobressaltar o descanso: pode-se deduzir o brilho maldoso presente nos olhos de um petiz que se compraz em afugentar fantasmas! (rs)

J.A.R. – H.C.

 

Sidney Keyes

(1922-1943)

 

Paul Klee

 

The short-faced goblins with their heavy feet

Trampled your dreams, their spatulate

Fingers have torn the tracery of your wisdom:

But childlike you would not cry out, transforming

Your enemies to little angry phantoms

In clarity of vision exorcised.

Until at last they conquered by attrition,

And draining the last dregs of love away,

They left you from the angular

Prison of primary fears no way but flight:

Yet never could invade your waterworld of spirit

Since half divining there among the dance

Of shadowed currents lurking ever

Their unguessed image, luminous with fear.

And so they stirred the shallows till the sky

Flew blue in shards and thought sank even deeper,

Where crouched your passion’s residue confined:

The evil centre of a child’s clear mind.

 

In: “The Cruel Solstice” (1944)

 

Autorretrato

(Paul Klee: pintor suíço)

 

Paul Klee

 

Os gnomos de face estreita com pés de chumbo

Amolgaram teus sonhos; seus dedos espatulados

Despedaçaram o rendilhado de tua sabedoria:

Mas como criança não choravas, convertendo

Teus inimigos em pequenos e zangados fantasmas,

Logo exorcizados sob uma alumbradora visão.

Até que, ao fim, subjugaram-te por desgaste,

E, ao drenarem-te os últimos resquícios de amor,

Para além do cárcere anguloso dos temores primitivos,

Deixaram-te sem outro caminho senão a fuga:

Contudo, jamais dominaram o pélago de teu espírito,

Uma vez que ali estás algo submerso em meio à dança

De correntes sombrosas sempre à espreita

De sua insuspeitada imagem, luminosa e pávida.

E então eles agitaram os baixios até que azul e em estilhas

Tornou-se o céu e o pensamento afundou-se ainda mais,

Até onde confinados os recônditos resíduos de tua paixão:

O centro radioso e maligno da mente de uma criança.

 

Em: “O Cruel Solstício” (1944)


Referência:

KEYES, Sidney. Paul Klee. In: __________. The cruel solstice. London, EN: Routledge, 1944. p. 20. Disponível neste endereço. Acesso em: 24 nov. 2020.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

William Carlos Williams - As últimas palavras de minha avó inglesa

O ente lírico – vamos lá, o próprio WCW – descreve no poema o diálogo que manteve com a sua avó inglesa, nos umbrais da morte, sofrendo de grave enfermidade, sem qualquer vontade, contudo, de ser levada a um hospital, para onde, de todo modo, é transportada à força por uma ambulância a mando do neto – médico, aliás. 

Ocorre que a velha senhora não chegou viva à casa de saúde, pois faleceu a meio do caminho, depois de expressar insinuante frustração com este mundo, o qual, de fato, já mal enxergava, induzindo-a a perder o contato com os fatos simples da vida, senão a render-se a um quadro de possível demência − o que explicaria a presença de pratos sujos à sua volta e a cama em desalinho, quando de início assistida. 

J.A.R. – H.C.



William Carlos Williams
(1883-1963)
 

The last words of my

english grandmother

 

A shortened version of a poem

first published in 1920

 

There were some dirty plates

and a glass of milk

beside her on a small table

near the rank, disheveled bed −

 

Wrinkled and nearly blind

she lay and snored

rousing with anger in her tones

to cry for food,

 

Gimme something to eat −

They’re starving me −

I’m all right − I won’t go

to the hospital. No, no, no

 

Give me something to eat!

Let me take you

to the hospital, I said

and after you are well

 

you can do as you please.

She smiled, Yes

you do what you please first

then I can do what I please −

 

Oh, oh, oh! she cried

as the ambulance men lifted

her to the stretcher −

Is this what you call

 

making me comfortable?

By now her mind was clear −

Oh you think you’re smart

you young people,

 

she said, but I’ll tell you

you don’t know anything.

Then we started.

On the way

 

we passed a long row

of elms. She looked at them

awhile out of

the ambulance window and said,

 

What are all those

fuzzy looking things out there?

Trees? Well, I’m tired

of them and rolled her head away.




A Avó
(Albert Anker: pintor suíço)
 

As últimas palavras de minha

avó inglesa

 

Versão abreviada de um poema

publicado pela primeira vez em 1920

 

Havia alguns pratos sujos

e um copo de leite

na mesinha ao lado dela

junto à cama rançosa, em desordem –

 

Encarquilhada e quase cega

ali jazia roncando

quando despertava, punha-se a gritar

em voz irada por comida,

 

Me dê alguma coisa pra comer –

Eles me matam de fome –

Estou bem não quero ir

para o hospital. Não, não, não

 

Me dê alguma coisa pra comer

Deixe-me levá-la

para o hospital, eu disse

e depois quando estiver bem

 

poderá fazer o que quiser.

Ela sorriu, Certo

Você faz o que quiser primeiro

aí poderei fazer o que eu quiser –

 

Oh, oh, oh! gritou ela

quando os homens da ambulância

a puseram na maca –

É isso que vocês chamam

 

de me pôr a cômodo?

Já então estava lúcida –

Oh, vocês se acham espertos

vocês gente moça,

 

disse, mas eu garanto

que não sabem coisa alguma.

Então partimos.

No caminho

 

passamos por um longo renque

de olmos. Ela os contemplou

alguns instantes pela

janela da ambulância e disse,

 

O que são todas essas

coisas felpudas lá fora?

Árvores? Ora, estou cheia

delas, e sua cabeça rolou para o lado.

Referência:

WILLIAMS, William Carlos. The last words of my english grandmother / As últimas palavras de minha avó inglesa. Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas. Seleção, tradução e estudo crítico de José Paulo Paes. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1987. Em inglês: p. 144 e 146; em português: p. 145 e 147.