Nestes versos, o
retorno a um tema deveras humano e universal – a iminente realidade da morte –,
um processo que, a julgar pelo título do poema, requer paulatina aprendizagem
no quotidiano: o falante, em estado de vigília, dá-se conta da desconexão e do
distanciamento emocional que aos poucos se instaura, mesmo dentro do lar, em
relação aos seus familiares, numa ausência de interação a evocar a derradeira experiência
– reservada e individualíssima.
Essa entidade
onipresente acaba por instaurar uma autêntica tormenta interna no narrador, a
contrastar com a manifesta quietude da casa – onde todos se encontram adormecidos:
enquanto exercício de aprendizagem que se passa durante as horas da noite, tudo
encontra termo com os primeiros alvores da manhã – a anunciar ou bem a chegada
de um novo dia, ou bem a alentada paz ao final do caminho.
J.A.R. – H.C.
Pablo Armando Fernández
(1930-2021)
Aprendiendo a morir
Mientras duermen mi
mujer y mis hijos
y la casa descansa
del ajetreo familiar;
me levanto y reanimo
los espacios tranquilos.
Hago como si ellos –
mis hijos, mi mujer –
estuvieran
despiertos, activos
en la propia gestión
que les ocupa el día.
Voy insomne (o
sonámbulo) llamándoles,
hablándoles;
pero nadie responde,
nadie me ve.
Llego hasta donde está
la menor de mis niñas:
ella habla a sus
muñecas, no repara en mi voz.
El varón entra,
suelta su cartapacio de escolar;
de los bolsillos saca
su botín:
las artimañas de un
prestidigitador.
Quisiera compartir su
arte y su tesoro,
quisiera ser con él.
Sigue de largo:
no repara en mi gesto
ni en mi voz.
¿A quién acudo? Mis
otras hijas, ¿donde están?
Ando por casa jugando
a que me encuentren:
¡Aquí estoy!
Pero nadie responde,
nadie me ve.
Mis hijas en sus
mundos siguen otro compás.
¿Dónde se habrá metido
mi mujer?
En la cocina la oigo;
el agua corre,
huele a hojas de
cilantro y de laurel.
Está de espaldas.
Miro su melena,
su cuello joven: ella
vivirá...
Quiero acercármele
pero no me atrevo
– huele a guiso, a
pastel recién horneado –:
¿y si al volver los
ojos, no me ve?
Como un actor que
olvida de repente
su papel en la
escena,
desesperado grito:
¡Aquí estoy!
Pero, nadie responde,
nadie me ve.
Hasta que llegue el
día y con su luz
termine mi ejercicio
de aprender a morir.
De: “Campo de amor y
de batalla” (1963-1982)
Mulher lavando pratos
(Giuseppe Crespi, lo
Spagnuolo: pintor italiano)
Aprendendo a morrer
Enquanto minha mulher
e meus filhos dormem
e a casa descansa do
burburinho familiar,
eu me levanto e animo
os espaços quietos.
Faço como se eles – meus
filhos, minha mulher –
estivessem despertos,
ativos
na própria lida que
lhes ocupa o dia.
Vou sem sono (ou
sonâmbulo) chamando,
falando com eles;
mas ninguém responde,
ninguém me vê.
Chego até onde está a
menor de minhas filhas:
ela fala com as
bonecas, não repara em minha voz.
O garoto entra, joga
sua pasta escolar,
dos bolsos tira suas
bugigangas:
artimanhas de um
prestidigitador.
Quisera dividir com
ele essa arte e esse tesouro,
quisera estar com
ele. Continua distante:
não repara em meu
gesto nem em minha voz.
A quem apelo? Minhas
outras filhas onde estão?
Ando pela casa
brincando de esconde-esconde:
Estou aqui!
Mas ninguém responde,
ninguém me vê.
Minhas filhas em seus
mundos seguem outro compasso.
Onde terá se metido
minha mulher?
Ouço ela na cozinha;
a água corre,
cheira a folhas de
coentro e de louro.
Está de costas. Olho
seu cabelo,
seu pescoço jovem:
ela viverá...
Quero me aproximar
dela mas não me atrevo
– cheira a guisado, a
bolo saído agorinha do forno –:
E se ao virar a
cabeça, ela não me vir?
Como um ator que
esquece de repente
seu papel na cena,
desesperado grito:
Estou aqui!
Mas ninguém responde,
ninguém me vê.
Até que chegue o dia
e com sua luz
termine meu exercício
de aprender a morrer.
De: “Campo de amor e
de batalha” (1963-1982)
Referência:
FERNÁNDEZ, Pablo
Armando. Aprendiendo a morir / Aprendendo a morrer. Tradução de Alai Garcia
Diniz e Luizete Guimarães Barros. In: LEMUS, Virgilio Lópes (Seleção, prefácio
e notas). Vinte poetas cubanos do século XX. Tradução de Alai Garcia
Diniz e Luizete Guimarães Barros. Florianópolis, SC: Ed. da UFSC, 1994. Em
espanhol: p. 218; em português: p. 219.
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