Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Ronald de Carvalho - Literatura

O poeta carioca, já nas paragens da poesia modernista, ironiza as criações dos poetas da escola parnasiana, defensores dos versos perfeitos e alexandrinos, os quais seriam extensos e dificultosos em sua estrutura, como elefantes que, pelos corpos imensos e pesados, tendem à lentidão de movimentos.

Para contrapô-los, Carvalho propõe a leveza, a agilidade e a liberdade dos versos modernistas, para ele “muito mais interessantes” que os “negros e tardos elefantes” que, à época, ainda teimavam em singrar os mares da literatura brasileira.

J.A.R. – H.C.

Ronald de Carvalho
(1893-1935)

Literatura

Como são lindos os teus alexandrinos,
que lindos são, solenes, elegantes...

“Sob o vivo clarão dos poentes purpurinos,
Passam, movendo a tromba, os tardos elefantes”

São perfeitos os teus alexandrinos!

Mas como têm mais graça as asas dessa abelha,
ou essa fúlvida centelha
que turbilhona sem parar!
Como são muito mais interessantes
que aqueles negros, inúteis elefantes,
esses pares de andorinhas que volteiam
em curvas longas, lentas pelo ar...

Poeta, que lindos são os teus alexandrinos
perfilados, solenes, elegantes...

“Sob o vivo clarão dos poentes purpurinos,
Passam, movendo a tromba, os tardos elefantes...”

De: “Epigramas Irônicos e Sentimentais” (1922)

Par de Pássaros Azul-turquesa
(Joanna Charlotte: artista inglesa)

Referência:

CARVALHO, Ronald de. Literatura. In: TORRES, Alexandre Pinheiro (Seleção, Introdução e Notas). Antologia da poesia brasileira: os modernistas. v. III. Porto, PT: Livraria Chardron de Lello & Irmão Editores, 1984. p. 20-21.

domingo, 30 de outubro de 2016

Pierre de Ronsard - Soneto a Helena (nº 24)

Embora migrem, posteriormente, por distintos desenvolvimentos, as linhas introdutórias deste poema de Ronsard – dedicado a Hélène de Surgères, como todos os outros de “Sonnets pour Hélène”, depois que esta perdeu o amante vitimado em guerra –, são muito semelhantes às do poema do irlandês W. B. Yeats, que aqui postamos.

E porque Helena, como não associar o seu encanto ao da heroína da Guerra de Troia? Afinal, tudo é válido na poesia, esse resíduo de fragrância convertido em beleza, por uma prática de vidência do poeta, como diria Rimbaud.

J.A.R. – H.C.

Pierre de Ronsard
(1524-1585)
Pintura de autor desconhecido

Sonnet pour Hélène

Quand vous serez bien vieille, au soir à la chandelle,
Assise aupres du feu, dévidant et filant,
Direz chantant mes vers, en vous esmerveillant:
Ronsard me celebroit du temps que j’éstois belle.

Lors vous n’aurez servante oyant telle nouvelle,
Desja sous le labeur à demy sommeillant,
Qui au bruit de mon nom ne s’aille resveillant,
Benissant votre nom de louange immortelle.

Je seray sous la terre et fantôme sans os
Par les ombres myrteux je prendray mon repos;
Vous serez au fouyer une vieille accroupie,

Regrettant mon amour et vostre fier desdain.
Vivez, si m’en croyez, n’attendez à demain:
Cueillez dès aujourdhuy les roses de la vie.

Flores em Vaso de Vidro
(Rachel Ruysch: pintora holandesa)

Soneto a Helena

Quando fores bem velha, à noite, à luz da vela,
Junto ao fogo do lar, dobando o fio e fiando,
Dirás, ao recitar meus versos e pasmando:
Ronsard me celebrou no tempo em que fui bela.

E entre as servas então não há de haver aquela
Que, já sob o labor do dia dormitando,
Se o meu nome escutar não vá logo acordando
E abençoando o esplendor que o teu nome revela.

Sob a terra eu irei, fantasma silencioso,
Entre as sombras sem fim procurando repouso:
E em tua casa irás, velhinha combalida,

Chorando o meu amor e o teu cruel desdém.
Vive sem esperar pelo dia que vem;
Colhe hoje, desde já, colhe as rosas da vida.

Referência:

RONSARD, Pierre de. Sonnet pour Hélène / Soneto a Helena. Tradução de Guilherme de Almeida. In: ALMEIDA, Guilherme de (Seleção e tradução). Poetas de França. Prefácio de Marcelo Tápia. 5. ed. São Paulo, SP: Babel, 2011. Em francês: p. 26; em português: p. 27.

sábado, 29 de outubro de 2016

Murilo Mendes - O Rito Geral

Ontem, a apologia do trabalho. Hoje, em sentido inverso, Mendes julga-o “inútil”, como a ratificar o Eclesiastes (2: 11): “E olhei para todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também para o trabalho que eu, labutando, tinha feito, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do sol”.

Necessária, mesmo, é a poesia, como afirmava o cronista capixaba Rubem Braga, porque universal e presente na vastidão de formas e elementos manifestados nos mares, nos ares e, ainda, nas massas continentais...

J.A.R. – H.C.

Murilo Mendes
(1901-1975)

O Rito Geral

Guardião dos sonhos, levantei a aurora,
Advertindo os homens do trabalho inútil.
Tangia os sinos do universo-igreja,
Convocando formas e elementos
Para o ofício geral da poesia.

Vieram a mim os peixes das águas primitivas,
Vieram as enormes borboletas-fadas
Que cobriam de azul o abismo vazio.
Vieram as inspiradoras dos poetas desde o início,
Veio a dália gigante de mil braços.
Veio o Filho do homem dançando sobre as ondas.

Eu dialoguei com eles,
Aprendi a história de todos
E todos aprenderam minha história
Que levaram para o outro lado da terra,
Para o fundo do mar e o céu.

Mundo público,
Eu te conservo pela poesia universal.

Em: “Livro Primeiro: As Metamorfoses” (1938)

Papoulas em tons pêssego e azul
(Carol Cavalaris: pintora norte-americana)

Referência:

MENDES, Murilo. O rito geral. In: __________. As metamorfoses. Prefácio de Fábio de Souza Andrade. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2002. p. 60.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Gyula Juhász - O trabalho

Há quem, como o poeta húngaro Gyula Juhász, teça encômios ao trabalho e, no caso, mesmo às tarefas realizadas em fábricas, a exemplo das que povoam a imaginação do autor, lá pelas primeiras décadas do século XX, quando então, decerto, não respondiam por critérios de segurança e salubridade.

Há quem, no outro pólo, faça elogios ao ócio, como o grande filósofo galês Bertrand Russell, em “Praise of Idleness” (“O Elogio ao Ócio”, 1935), ou ainda, mais recentemente, o cientista social Domenico De Masi, em “L’Ozio Creativo” (“O Ócio Criativo”, 2000). Filio-me incondicionalmente à segunda corrente! (rs).

J.A.R. – H.C.

Juhász Gyula il lavoro
(1883-1937)

A munka

Én őt dicsérem csak, az élet anyját,
Kitől jövendő győzelmünk ered,
A munkát dalolom, ki a szabadság
Útjára visz gyász és romok felett.

A gyárkémény harsogja diadalmát
S a zengő sínen kattogó vonat.
A béke ő, a haladás, igazság,
Mely leigázza a villámokat.

Nagy városokban, végtelen mezőkön
A dala zeng és zúgni fog örökkön,
Míg minden bálvány porba omol itt.

Én őt dicsérem csak, az élet anyját,
Kinek nővére Szépség és Szabadság
S kinek világa most hajnalodik.

Fábrica perto de Pontoise
(Camile Pissaro: pintor francês)

O trabalho

Apenas a ele exalto, o progenitor da vida,
De quem dimana a nossa futura vitória,
Canto o trabalho, em cuja trilha a liberdade
Orienta-se acima do lamento e da ruína.

As chaminés da fábrica rugem em triunfo
E o trem ronca sobre os sonantes trilhos.
Sua é a paz, o progresso, a justiça,
Que a tudo domina com o seu clarão.

Nas grandes cidades, em campos infindos
Ressoa a sua música, e para sempre ressoará,
Até que os ídolos colapsem e caiam por terra.

Apenas a ele exalto, o progenitor da vida,
De quem a Liberdade e a Beleza são irmãs
E cujo mundo está agora a despontar.

Referência:

GYULA, Juhász. A munka (Én őt dicsérem...). In: __________. Juhász Gyula: válogatott versek. Budapest, HU: Kossuth Kiadó, 2008. o. 232. (“Klasszikus Magyar Líra Sorozat”, k. 13)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Brasileirão 2016 - 32ª Rodada - Projeção para o Fim pelo Modelo Esotérico-Matemático (M.E.M.)

Prezado(a)s,

1. Duas rodadas adicionais e vamos a mais uma projeção do M.E.M. para o fim do Brasileirão 2016.

2. A acompanhar todos os quatro endereços eletrônicos que calculam probabilidades para o futebol, o modelo passou também a apresentar o Palmeiras na ponta, ao final das 38 partidas. Será mesmo que vai dar “cheirinho” de leitão lá no fim?...

3. Verifica-se, ademais, uma luta acirrada pela última vaga para a Libertadores, sendo o Atlético-PR e o Corinthians, neste momento, os mais próximos a alcançá-la.

4. Penso que, agora, todo mundo está torcendo pela vitória do Atlético-MG na Copa do Brasil, para abrir mais uma vaga no grupo que vai para a Libertadores pela via do Campeonato Brasileiro (ou não, se for torcedor do Cruzeiro...).

5. A propósito, gostei muito do futebol praticado pelo Grêmio, ontem, contra o time azul de Minas; certamente confirmará a presença na final do torneio, provavelmente contra o Galo.

6. E bola para frente! De ruim, só a qualidade inferior das arbitragens brasileiras, sabe-se lá se por interesse nos resultados 0u se por deficiência técnica!

Um abração a todo(a)s,

J.A.R. – H.C.

Fontes:

Octavio Paz - As armas do verão

Ao ler este poema do autor mexicano, lembrei-me da época de verão em Belém do Pará, num mês em que há uma parada no calendário escolar – julho, nomeadamente – e a cidade se esvazia por conta do relax nas praias...

O verão é, como afirma o poeta, a estação do cio, sobre o calor tórrido e escaldante – brasas na metáfora direta que emprega –, a desencadear voos de imaginação acomodados na linguagem, na palavra escrita – no poema, por conseguinte!

J.A.R. – H.C.

Octavio Paz
(1914-1998)

Las armas del verano

Oye la palpitación del espacio
son los pasos de la estación en celo
sobre las brasas del año

Rumor de alas y de crótalos
tambores lejanos del chubasco
crepitación y jadeo de la tierra
bajo su vestidura de insectos y raíces

La sed despierta y construye
sus grandes jaulas de vidrio
donde tu desnudez es agua encadenada
agua que canta y se desencadena

Armada con las armas del verano
entras en mi cuarto entras en mi frente
y desatas el río del lenguaje
mírate en esas rápidas palabras

El día se quema poco a poco
sobre el paisaje abolido
tu sombra es un país de pájaros
que el sol disipa con un gesto

De: “Hacia el comienzo” (1964-1968)

Brisa de Verão
(Vladimir Volegov: pintor russo)

As armas do verão

Escuta a palpitação do espaço
são os passos da estação no cio
sobre as brasas do ano

Rumor de asas e de guizos
tambores longínquos do aguaceiro
crepitação e respiração da terra
sob suas vestes de insectos e raízes

A sede desperta e constrói
suas grandes gaiolas de vidro
onde tua nudez é água encadeada
água que canta e se desencadeia

Armada com as armas do verão
entras em meu quarto e em minha fronte
e desatas o rio da linguagem
olha-te nestas rápidas palavras

O dia queima-se pouco a pouco
sobre a paisagem abolida
tua sombra é um país de pássaros
que o sol dissipa com um gesto

De: “Iniciação” (1964-1968)

Referências:

Em Espanhol

PAZ, Octavio. Las armas de verano. In: __________. Lo mejor de Octavio Paz: el fuego de cada día. Selección, prólogo y comentarios del autor. Barcelona, ES: Seix Barral, jun.2014. p. 225.

Em Português

PAZ, Octavio. As armas do verão. In: __________. Antologia poética: 1935-1975. Organização e tradução de Luis Pignatelli. 2. ed. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 1998. p. 107.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Claude McKay - Se Havemos de Morrer

Claude McKay foi um escritor e poeta norte-americano de origem jamaicana, que deve ter sofrido na pele os efeitos da discriminação racial, em meados das primeiras décadas do século passado, haja vista o teor incisivo do poema abaixo.

Ele exorta os seus pares a resistirem à violência infame dos que os provocam, como resposta à violência racial, mesmo que isso leve ao próprio aniquilamento, porque mínimas ou precárias são as chances de vitória.

J.A.R. – H.C.

Claude McKay
(1889-1948)

If We Must Die

If we must die, let it not be like hogs
Hunted and penned in an inglorious spot,
While round us bark the mad and hungry dogs,
Making their mock at our accursed lot.
If we must die, oh, let us nobly die,
So that our precious blood may not be shed
In vain; then even the monsters we defy
Shall be constrained to honor us though dead!
Oh, Kinsmen! We must meet the common foe!
Though far outnumbered, let us show us brave,
And for their thousand blows deal one deathblow!
What though before us lies the open grave?
Like men we’ll face the murderous, cowardly pack,
Pressed to the wall, dying, but fighting back!

Jovem Negro de libré no Leste da Europa
(Marten van Mytens III: pintor sueco)

Se Havemos de Morrer

Se havemos de morrer, que não seja como porcos,
caçados e encurralados em um lugar inglório,
enquanto à nossa volta ladram os cães feros e famintos
a enunciar achincalhes ao nosso maldito destino.
Se havemos de morrer, que morramos nobremente,
para que não se derrame o nosso precioso sangue
em vão; que até mesmo os monstros que desafiamos
sejam forçados a honrar-nos se estivéssemos mortos!
Oh, irmãos! Lutemos contra o nosso mesmo inimigo!
Embora sejamos em menor número, mostremo-nos bravos,
e contra seus mil golpes revidemos com um só mortal!
Que importa se já nos aguarda a tumba aberta?
Enfrentemos como homens a assassina e covarde matilha,
e, contra a parede, morramos, porém lutando.

Referência:

McKAY, Claude. If we must die. In: MAGALHÃES JÚNIOR, Eduardo. Tickling the muses: anthology of american poetry. Maceió, AL: Edufal - Editora da Universidade Federal de Alagoas, 1989. p. 54.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Erich Fried - Avaliação

O poeta tradutor e ensaísta austríaco Erich Fried faz-nos ver que uma mesma situação fática pode ser considerada a partir de distintas posições, ora favoráveis ora desfavoráveis, embora com o risco de se criar vieses de autoengano sobre a questão em exame.

A autopercepção, desse modo, configurar-se-ia tão ilusionista, que todos menos você seriam capazes de constatar que se trata de uma desventura. Mas daí se extrai uma pergunta: não seria a vida sobremodo excruciante e carente de encanto se não fôssemos capazes de fantasiar?!

J.A.R. – H.C.

Erich Fried
(1921-1988)

Besichtigung

Man muss das Unglück
von allen Seiten betrachten

denn von rechts sieht es aus wie Recht
und von links wie Gelingen

und rückwärts wie Rücksicht
und vorne wie Vorteil und Fortschritt

und von oben und unten scheint
es hat Kopf und Fuss

Man muss das Unglück
von allen Seiten betrachten

wenn man das Glück hat
merkt man es ist das Unglück.

O dia anterior ao exame
(Leonid Pasternak: pintor russo)

Avaliação

Deve-se examinar o infortúnio
por todos os lados

Pela direita ele se mostra tão à direita
E pela esquerda como êxito

Por trás enquanto apreço
À frente como vantagem e progresso

E de alto a baixo parece
ter cabeça e pés

Deve-se examinar o infortúnio
por todos os lados

Se você tiver sorte
perceberá que se trata de infortúnio.

Referência:

FRIED, Erich. Besichtigung. In: PLOTZ, Helen (Sel.). Poems from the german. Drawings by Ismar David. A Bilingual Edition: German - English. New York, NY: Thomas Y. Crowell Company, 1967. p. 18.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Herberto Helder - O Poema

Esta é a primeira parte de um conjunto de sete seções, publicadas inicialmente por H. H. em “A Colher na Boca”, de 1961, sob a forma como editada, em 1991, pela Assírio & Alvim, na antologia em referência.

Trata-se de um poema no qual se descreve o próprio feito da criação poética, enquanto mister comissário de sua origem: passa-se do silêncio à palavra escrita, e desta à eternidade, modulando a linguagem sob a qual a realidade que nos cerca passa a ser apreendida.

J.A.R. – H.C.

Herberto Helder
(1930-2015)

O Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
– a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
e a miséria dos minutos,
e a força sustida das coisas,
e a redonda e livre harmonia do mundo.
– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Composição VII
(Wassily Kandinsky: artista russo)

Referência:

HELDER, Herberto. O poema. In: __________. Poesia toda: 1953-1980. Antologia. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 1991. p. 40-41.

domingo, 23 de outubro de 2016

Paulo Mendes Campos - Os domingos

De um estado reflexivo sobre as funções da alma no presente, o poeta salta a recordações das tardes de outros domingos, dias transformados em “claustro”, quando então, prisioneiro, o autor punha-se a ler poemas nos parques.

E como domingo é domingo em qualquer parte, digo, com aquele ar melancólico a nos assombrar a cada vez que o sol enceta a sua retirada, nele ancora o pouso dos tristes e, com a noite, os sofrimentos se aclaram...

J.A.R. – H.C.

Paulo Mendes Campos
(1922-1991)

Os domingos

Todas as funções da alma estão perfeitas neste domingo.
O tempo inunda a sala, os quadros, a fruteira.
Não há um crédito desmedido de esperança
Nem a verdade dos supremos desconsolos –
Simplesmente a tarde transparente,
Os vidros fáceis das horas preguiçosas,
Adolescência das cores, preciosas andorinhas.

Na tarde – lembro – uma árvore parada,
A alma caminhava para os montes,
Onde o verde das distâncias invencidas
Inventava o mistério de morrer pela beleza.
Domingo – lembro – era o instante das pausas,
O pouso dos tristes, o porto do insofrido.
Na tarde, uma valsa; na ponte, um trem de carga;
No mar, a desilusão dos que longe se buscaram;
No declive da encosta, onde a vista não vai,
Os laranjais de infindáveis doçuras geométricas;
Na alma, os azuis dos que se afastam,
O cristal intocado, a rosa que destoa.
Dos meus domingos sempre fiz um claustro.
As pétalas caíam no dorso das campinas,
A noite aclarava os sofrimentos,
As crianças nasciam, os mortos se esqueciam mortos,
Os ásperos se calavam, os suicidas se matavam.
Eu, prisioneiro, lia poemas nos parques,
Procurando palavras que espelhassem os domingos.
E uma esperança que não tenho.

Em: “O Domingo Azul do Mar” (1958)

Manhã de Domingo em Tyrol
(Friedrich Wasmann: pintor alemão)

Referência:

CAMPOS, Paulo Mendes. Os domingos. In: __________. Poemas. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1984. p. 73.