Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 31 de dezembro de 2016

Carlos Drummond de Andrade - Passagem do Ano

Daquele que considero um dos melhores livros de Drummond, juntamente com “Claro Enigma”, ou seja, “A Rosa do Povo”, vem o poema de despedida do ano de 2016, com o título exato para o momento: “Passagem do Ano”.

Espero que em 2017 o Brasil se redima dos enormes equívocos – para não dizer outra coisa! – que promoveu neste ano ora findo, em especial contra a sua frágil democracia, haja vista que um bando de canalhas – o candidato vencido Aécio Neves aí incluso, mancomunado com o deputado rapina Eduardo Cunha! –, em combinação com outros canalhas do judiciário – assim com letras minúsculas, como merecido, porque o país não precisa de um político qual Gilmar Mendes em seu corpo de magistrados (sem mencionar o outro lá de Curitiba!), idem a mídia calhorda capitaneada por Globo, Folha de São Paulo, Estadão e Veja –, incineraram 54 milhões de votos hábeis a conduzir ao Palácio do Planalto uma eleita que, em estatura moral, não se compara com nenhum dos que a depuseram.

“Triste pátria desimportante!” Fazer o quê? “A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia”, como afirma o poeta. Página que se vira... Morro e não vejo tudo! (rs). Que venha 2017. Um beijo para elas e um grande abraço para eles. E muita sorte para todos continuarmos juntos!

J.A.R. – H.C.

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Passagem do Ano

O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte
com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam
a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

Passagem do Ano
(Roos Schuring: pintora holandesa)

Referência:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Passagem do ano. In: __________. A rosa do povo. Prefácio de Affonso Romano de Sant’Anna. 44. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2011. p. 46-47.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Robinson Jeffers - Véspera de Ano Novo

O ano está próximo da virada e um bêbado, num mundo à beira do caos, mesmo Deus presente em toda parte, vivencia o estupor de suas autoilusões, negligenciando-O, Ele que, na concepção do poeta, não é simbolizado por uma pomba, a exemplo do cristianismo, mas como um falcão!

Robinson era, é bom que se diga, um aficionado por falcões, pois com eles se acostumou ao se instalar na costa do Pacífico, a difundir o inumanismo, ou seja, o amor do homem pela natureza, em vez do homem pelo homem, o qual parecia-lhe uma espécie de incesto. Idiossincrasias do poeta: acrescentar o quê?!

J.A.R. – H.C.

Robinson Jeffers
(1887-1962)

New Year’s Eve

Staggering homeward between the stream and the trees the
unhappy drunkard
Babbles a woeful song and babbles
The end of the world, the moon’s like fired Troy in a flying
cloud, the storm
Rises again, the stream’s in flood.
The moon’s like the sack of Carthage, the Bastile’s broken,
pedlars and empires
Still deal in luxury, men sleep in prison.
Old Saturn thinks it was better in his grandsire’s time
but that’s from the brittle
Arteries, it neither betters nor worsens.
(Nobody knows my love the falcon.)
It has always bristled with phantoms, always factitious,
mildly absurd;
The organism, with no precipitous
Degeneration, slight imperceptible discounts of sense
and faculty,
Adapts itself to the culture-medium.
(Nobody crawls to the test-tube rim,
Nobody knows my love the falcon.)
The star’s on the mountain, the stream snoring in flood;
the brain-lit drunkard
Crosses midnight and stammers to bed.
The inhuman nobility of things, the ecstatic beauty, the
inveterate steadfastness
Uphold the four posts of the bed.
(Nobody knows my love the falcon.)

Gerifalte Branco
(Robert Bateman: pintor canadense)

Véspera de Ano Novo

Cambaleando de regresso à casa entre o riacho e as árvores o
infeliz bêbado
Balbucia uma canção angustiosa,
O fim do mundo, a lua é como Troia incendiada numa nuvem
flutuante, a tormenta
Acirra-se novamente, o riacho está a transbordar.
A lua é como o saque de Cartago, a queda da Bastilha,
mascates e impérios
Ainda negociam no luxo, homens dormem na prisão.
O velho Saturno imagina que tudo foi melhor na época
de seus antepassados, mas isso vem da fragilidade de suas
Artérias, nada melhora tampouco se agrava.
(Ninguém conhece o recebedor de meu afeto, o falcão)
Ele sempre arrepiado com fantasmas, sempre factícios,
ligeiramente absurdos;
O organismo, sem qualquer degeneração
Precipitada, leve redução imperceptível dos sentidos
e das faculdades,
Adapta-se à cultura do meio.
(Ninguém se arrasta até a borda do tubo de ensaio,
Ninguém conhece o recebedor de meu afeto, o falcão.)
A estrela ascende sobre a montanha, o riacho ressoa na enchente;
o bêbado de cérebro ligado
Cruza a meia-noite e tartamudeia em direção à cama.
A inumana nobreza das coisas, a beleza extática, a
constância inveterada
Guarnecem os quatro pés da cama.
(Ninguém conhece o recebedor de meu afeto, o falcão.)

Referência:

JEFFERS, Robinson. New year’s eve. In: __________. The selected poetry by Robinson Jeffers. 8th Printing. New York, NY: Random House, 1937. p. 595.


quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

William Shakespeare - Hamlet (Excerto)

A passagem abaixo, extraída ao “Hamlet” do bardo, diz respeito a uma conversa entre os personagens Bernardo, Horácio e Marcelo, sobre a aparição de um fantasma durante a noite – o do rei Hamlet –, quando, pelo amanhecer, o galo canta e o espírito se retira. Certos de que teriam visto o fantasma do pai de Hamlet, decidem eles informar o príncipe.

Nota-se nas palavras de Marcelo a menção à época de Natal, oportunidade em que o galo tende a cantar a noite inteira, espantando os espíritos, que não ousam sair dos túmulos. “As noites são saudáveis; nenhum astro vaticina; nenhuma fada encanta, nem feiticeira enfeitiça; tão santo e cheio de graça é esse tempo”.

J.A.R. – H.C.

William Shakespeare
(1564-1616)

Hamlet
Act I, Scene I

Bernardo: It was about to speak, when the cock crew.

Horatio: And then it started, like a guilty thing
Upon a fearful summons. I have heard
The cock, that is the trumpet to the morn,
Doth with his lofty and shrill-sounding throat
Awake the god of day; and at his warning,
Whether in sea or fire, in earth or air,
Th’ extravagant and erring spirit hies
To his confine; and of the truth herein
This present object made probation.

Marcellus: It faded on the crowing of the cock.
Some say that ever, ’gainst that season comes
Wherein our Saviour’s birth is celebrated,
The bird of dawning singeth all night long;
And then, they say, no spirit dare stir abroad,
The nights are wholesome, then no planets strike,
No fairy takes, nor witch hath power to charm,
So hallow’d and so gracious is the time.

Horatio: So have I heard and do in part believe it.
But look, the morn, in russet mantle clad,
Walks o’er the dew of yon high eastward hill.
Break we our watch up; and by my advice
Let us impart what we have seen to-night
Unto young Hamlet; for, upon my life,
This spirit, dumb to us, will speak to him.

Galo de Natal
(Alan Giana: artista norte-americano)

Hamlet
Ato I, Cena I

Bernardo: Ele ia falar quando o galo cantou.

Horácio: E aí estremeceu como alguém culpado
Diante de uma acusação. Ouvi dizer que o galo,
Trombeta da alvorada, com sua voz aguda,
Acorda o Deus do dia,
E que a esse sinal,
Os espíritos errantes,
Perdidos em terra ou no mar, no ar ou no fogo,
Voltam rapidamente às suas catacumbas.
O que acabamos de ver prova que isso é verdade.

Marcelo: Se decompôs ao clarinar do galo,
Dizem que, ao se aproximar o Natal de Nosso Salvador,
O galo, pássaro da alvorada, canta a noite toda:
E aí, se diz, nenhum espírito ousa sair do túmulo.
As noites são saudáveis; nenhum astro vaticina;
Nenhuma fada encanta, nem feiticeira enfeitiça;
Tão santo e cheio de graça é esse tempo.

Horácio: Eu também ouvi assim e até acredito, em parte.
Mas, olha: a alvorada, vestida no seu manto púrpura,
Pisa no orvalho, subindo a colina do Oriente.
Está terminada a guarda; se querem um conselho,
Acho que devemos comunicar ao jovem Hamlet
O que aconteceu esta noite; creio, por minha vida,
Que esse espírito, mudo pra nós, irá falar com ele.


Referências:

Em Inglês

SHAKESPEARE, William. Hamlet: Act I, Scene I (excerpt). In: __________. The Oxford Shakespeare: the complete works. General editors: Stanley Wells and Gary Taylor. Edited by John Jowett, William Montgomery Gary Taylor and Stanley Wells. With introduction by Stanley Wells. 2nd ed. Oxford, EN: Oxford University Press, 2005. p. 684.

Em Português

SHAKESPEARE, William. Hamelt: Ato I, Cena I (excerto). In: __________. Hamlet. Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011. p. 18-19. (Coleção ‘L&PM Pocket’; v. 4)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Fernando Pessoa - Seção VIII de “O Guardador de Rebanhos”

Na figura do heterônimo Alberto Caeiro, Fernando Pessoa apresenta aos seus leitores o que representa para ele o Menino Jesus, não a figura divina que se tornou humana para revelar os seus mistérios, mas um ser humano que experimenta tudo o que se pode vivenciar enquanto infante.

O poema é permeado pelas visões imaginosas de Pessoa – poderia ser de modo diverso?! –, mas ao poeta pouco se lhe dá a existência de qualquer intercorrência na história que narra. Afinal, pergunta ele, não é ela nem mais nem menos verdadeira do “que tudo quanto os filósofos pensam e tudo quanto as religiões ensinam”!

J.A.R. – H.C.

Fernando Pessoa
(1888-935)

VIII

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas –
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
“Se é que as criou, do que duvido” –
“Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres”.
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
...........................................................

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
...........................................................

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
...........................................................

Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Em: “O Guardador de Rebanhos”
08-03-1914

Jesus já menino brincando
com pombas
(John Lawson: pintor escocês)

Referência:

PESSOA, Fernando. VIII: Num meio-dia de fim de primavera. In: __________. Obra poética. 8. ed. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 1981. p. 143-146. (‘Biblioteca Luso-Brasileira’)



terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Giuseppe Ungaretti - Natal

Ungaretti, um dos mestres da linguagem condensada e aparentemente simples, de versos tantas vezes curtos e imediatos – como os desta postagem –, resgata imagens e sensações caras ao período natalino, quando em inúmeras circunstâncias nos deparamos com situações-limite.

Falamos do ritmo frenético em que as pessoas, nesta época, mergulham: compras e mais compras, presentes, festas e votos mil de ventura, paz e prosperidade. Disso tudo espera fugir o poeta, como se pode constatar na versão do poema ao português que preparamos especialmente para o bloguinho.

J.A.R. – H.C.

Giuseppe Ungaretti
(1888-1970)

Natale

Non ho voglia
di tuffarmi
in un gomitolo
di strade

Ho tanta
stanchezza
sulle spalle

Lasciatemi così
come una
cosa
posata
in un
angolo
e dimenticata

Qui
non si sente
altro
che il caldo buono

Sto
con le quattro
capriole
di fumo
del focolare

Napoli il 26 dicembre 1916
In: “Naufragi” (1919)

Rua do Mercado em São Francisco
(Thomas Kinkade: pintor norte-americano)

Natal

Não tenho vontade
de mergulhar
num emaranhado
de ruas

Carrego
tanto cansaço
sobre os ombros

Deixe-me assim
como uma
coisa
colocada
em um
canto
e esquecida

Aqui
não se sente
outra coisa senão
a aprazível calidez

Vou ficar
com as quatro
cabriolas
de fumaça
da lareira

Nápoles, 26 de dezembro de 1916
Em: “Naufrágios” (1919)

Referência:

UNGARETTI, Giuseppe. Natale. In: __________. L’Alegria: 1914-1919. Traducció de Jordi Domènech. Pròleg d’Haroldo de Campos. Edición Bilingüe: Italiano x Español. Barcelona, ES: Ediciones del Mall, 1985. p. 134.