Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Arseni Tarkovski - Primeiros encontros

Redigidas por Arseni com base em suas primeiras impressões amorosas, em plena flor da juventude, enquanto vagava pela Ucrânia na década de 1920, e dedicado a Maria Gustavovna Falz – a musa de então –, as linhas deste poema ressoam nas narrativas de seu próprio autor em “O Espelho”, filme dirigido por seu filho, Andrei Tarkovski, em 1975.

 

A beleza da dicção – intimista, reverente, sublime – torna as sugestões das imagens facilmente inteligíveis ao leitor: expostos à temporalidade todos estamos, mas sentimos que a epifania do amor tem o condão de perdurar em nossas memórias, enquanto por aqui estivermos. Entrementes, “o destino segue nossos passos como um louco de navalha na mão”!

 

J.A.R. – H.C.

 

Arseni Tarkovski

(1907-1989)

 

Первые свидания

 

Свиданий наших каждое мгновенье

Мы праздновали, как богоявленье,

Одни на целом свете. Ты была

Смелей и легче птичьего крыла,

По лестнице, как головокруженье,

Через ступень сбегала и вела

Сквозь влажную сирень в свои владенья

С той стороны зеркального стекла.

 

Когда настала ночь, была мне милость

Дарована, алтарные врата

Отворены, и в темноте светилась

И медленно клонилась нагота,

И, просыпаясь: «Будь благословенна!»

Я говорил и знал, что дерзновенно

Мое благословенье: ты спала,

И тронуть веки синевой вселенной

К тебе сирень тянулась со стола,

И синевою тронутые веки

Спокойны были, и рука тепла.

 

А в хрустале пульсировали реки,

Дымились горы, брезжили моря,

И ты держала сферу на ладони

Хрустальную, и ты спала на троне,

И боже правый! ты была моя.

Ты пробудилась и преобразила

Вседневный человеческий словарь,

И речь по горло полнозвучной силой

Наполнилась, и слово ты раскрыло

Свой новый смысл и означало: царь.

На свете все преобразилось, даже

Простые вещи таз, кувшин, когда

Стояла между нами, как на страже,

Слоистая и твердая вода.

 

Нас повело неведомо куда.

Пред нами расступались, как миражи,

Построенные чудом города,

Сама ложилась мята нам под ноги,

И птицам с нами было по дороге,

И рыбы подымались по реке,

И небо развернулось пред глазами

 

Когда судьба по следу шла за нами,

Как сумасшедший с бритвою в руке.

 

Passeio pelos campos

(Logan Gerlock: artista norte-americana)

 

Primeiros encontros

Todo instante que passávamos juntos

Era uma celebração, como a Epifania,

No mundo inteiro, nós dois sozinhos.

Eras mais audaciosa, mais leve que a asa de um pássaro,

Estonteante como uma vertigem, corrias escada abaixo

Dois degraus por vez, e me conduzias

Por entre lilases úmidos, até teu domínio,

No outro lado, para além do espelho.

 

Quando chegava a noite eu conseguia a graça,

Os portões do altar se escancaravam,

E nossa nudez brilhava na escuridão

Que caía vagarosa. E ao despertar

Eu dizia, “Abençoada sejas!”

E sabia que minha benção era impertinente:

Dormias, os lilases estendiam-se da mesa

Para tocar tuas pálpebras com um universo de azul,

E tu recebias o toque sobre as pálpebras,

E elas permaneciam imóveis, e tua mão ainda estava quente.

 

Havia rios vibrantes dentro do cristal,

Montanhas assomavam por entre a neblina, mares espumavam,

E tu seguravas uma esfera de cristal nas mãos,

Sentada num trono ainda adormecida,

E – Deus do céu! – tu me pertencias.

Acordavas e transfiguravas

As palavras que as pessoas pronunciam todos os dias,

E a fala enchia-se até transbordar

De poder ressonante, e a palavra “tu”

Descobria seu novo significado: “rei”.

Objetos comuns transfiguravam-se imediatamente,

Tudo – o jarro, a bacia – quando,

Entre nós como uma sentinela,

Era colocada a água, laminar e firme.

 

Éramos conduzidos, sem saber para onde;

Como miragens, diante de nós recuavam

Cidades construídas por milagre,

Havia hortelã silvestre sob nossos pés,

Pássaros faziam a mesma rota que nós,

E no rio peixes nadavam correnteza acima,

E o céu se desenrolava diante de nossos olhos.

 

Enquanto isso o destino seguia nossos passos

Como um louco de navalha na mão.

 

Referência:

 

TARKOVSKI, Arseni. Первые свидания / Primeiros encontros. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. In: TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo. SP: Martins Fontes, 2010. Em russo: p. 299; em português: p. 117.

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