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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 29 de outubro de 2022

Pedro Mexia - Os Significados

Na origem, o símbolo, prenhe de significados. Ou seria: na origem, o “Big Bang”, que leva a mais indagações do que elucida, de uma vez por todas, o “ponto zero” do universo? Daí a perplexidade do poeta: “É impossível fazer estilhaços de estilhaços sem uma coerência primeira, agora ausente”.

 

Para se perceber a complexidade do tema, um pensamento de Jung contido em “Problèmes de L’Ame Moderne” (“Problemas da Alma Moderna”): “Um símbolo nada encerra, nada explica; remete para além de si mesmo, em direção a um significado – e ainda nesse além, inapreensível, obscuramente pressentido, tal que nenhuma palavra da linguagem que falamos poderia expressá-lo de modo satisfatório”. (JUNG, 1960, p. 92)

 

Mexia reporta-se à “infância”. Quero crer que se refira, propriamente, menos ao estágio inicial da vida de uma criança do que à uma metáfora para o início das coisas, lá onde tudo encontraria as suas explicações e significados, recolhidos a um “caderno”. E eis-nos aqui à volta de mais uma insígnia do orto – os “primeiros cadernos” –, designativo para muitas das obras verdoengas de poetas e escritores.

 

J.A.R. – H.C.

 

Pedro Mexia

(n. 1972)

 

Os Significados

 

Não sei como tudo começou: suponho

que havia uma figura que depois

se estilhaçou para formar um puzzle.

Mas se juntarem todas as peças

talvez não haja nenhuma figura, e então

de que origem intacta partiu tudo

o que depois se quebrou? É impossível

fazer estilhaços de estilhaços sem uma

coerência primeira, agora ausente.

Quando todas as peças se juntam

estaremos reduzidos ainda a uma peça

de uma figura maior, ou essa figura

é uma utopia pragmática, instrumental,

que permite algum sentido?

 

Ó significados, para vós, na infância,

tinha um caderno.

 

Em: “Duplo Império” (1999)

 

Forma Livre

(Jackson Pollock: pintor norte-americano)

 

Referências:

 

JUNG, Carl Gustav. Problêmes de l’âme moderne. Préface de Roland Cahen. Traduction par Yves le Lay. Paris, FR: Buchet/Chastel-Corrêa, 1960.

 

MEXIA, Pedro. Os significados. In: __________. Menos por menos: poemas escolhidos. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 2011. p. 13.

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