Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 30 de setembro de 2018

Carl Sandburg - Nossos Infernos

Sandburg pretende nos mostrar que o inferno, sob o nosso ponto de vista, é uma criação própria de nossas cabeças, não se parecendo com o inferno concebido por terceiros, que responde às visões que, por sua vez, lhes são singulares. É claro que pode haver certa margem de interseção entre as várias concepções de inferno, mas isso não está explicitamente expresso no poema do norte-americano.

Ademais, há certa convergência da tese em apreço com a máxima sartreana de que “o inferno são os outros”, uma simples questão de alteridade infernal. Desse modo, se há miríades de concepções de inferno, tudo muito passando pela subjetividade, poder-se-ia levar o assunto a debate no “Pandæmonium” de Milton, para lá se chegar a um consenso habermasiano do que seria o tipo-ideal weberiano do inferno! (rs)

J.A.R. – H.C.

Carl Sandburg
(1878-1967)

Our Hells

Milton unlocked hell for us
and let us have a look
Dante did the same
Each of these hells is special
One is Milton’s, one Dante’s
Milton put in all that for him
was hell on earth
Dante put in all that for him
was hell on earth

If you unlock your hell for me
And I unlock my hell for you
They will be two special hells
Each of us showing what for us
is hell on earth
Yours is one hell, mine another

Pandæmonium: a capital do inferno
(John Martin: pintor inglês)

Nossos Infernos

Milton revelou-nos o inferno,
permitindo que déssemos uma olhada.
Dante fez o mesmo.
Cada um desses infernos é singular:
um é o de Milton e o outro é o de Dante.
Milton exprimiu tudo o que para ele
era o inferno sobre a terra.
Dante exprimiu tudo o que para ele
era o inferno sobre a terra.

Se você me revela o seu inferno
e eu lhe revelo o meu inferno,
serão eles dois infernos singulares.
Cada um de nós a mostrar o que
nos parece ser o inferno sobre a terra.
Um inferno é o seu, outro é o meu.

Referência:

SANDBURG. Carl. Our hells. In: __________. Complete poems. New section: Sky talk. New York, NY: Harcourt, Brace and Company, 1950. p. 662-663.

sábado, 29 de setembro de 2018

Sérgio Caponi - Poema Errôneo

Caponi, poeta de Campinas (SP), logo após as suas traduções de poemas – sobretudo de sonetos – dos italianos Dante e Petrarca, apõe outros tantos de autoria própria na obra em referência, designando-os “Poémes de Lui Même” (“Poemas de si mesmo”), um deles a ilustrar esta postagem, primeiramente no original, em português, e, depois, em francês, idioma que o poeta adjetiva como “simpático”.

 

O título do poema, como se depreenderá, haveria de ser remodelado, para melhor dizer o que nele se esboça: não é o poema que é errôneo, senão o poeta, uma vez que, segundo suas próprias palavras, carrega um erro ontológico, um erro pelo simples fato de existir. A vacuidade se instala em sua alma confusa e pouco importa se o poeta deseje ou não: a vida sempre se digna em lhe conceder um contínuo e maquinal perdão!

 

J.A.R. – H.C.

 

Sérgio Galvão Caponi

(n. 1950)

 

Poema Errôneo

 

Trago comigo algum tipo de erro,

um logro fundamental que não sei bem qual.

Não um erro qualquer, como um equívoco

ou um propósito,

Mas um erro de ser,

de existir.

Algo inerente às criaturas,

consumadas em si,

corrompidas em materialidade e permanência.

 

Um erro que se sobrepõe a todos os outros erros.

Um erro de essência,

 

Transcendência insondável de todas as transcendências,

indiferença marginal de todas as jurisprudências,

indefinido como os caprichos do destino,

fraudulento como uma certeza,

fatal como as faces de um cristal.

 

Algo, assim, como o pecado original,

a vagar errático na borda branca dos códigos,

no obscuro das consciências,

tal qual um lapso imperceptível da moralidade,

um conteúdo místico de todas as reticências.

 

Na luz difusa

que ilumina minha alma confusa,

vejo, com clareza, o oco onde se instala.

Vejo o oco mas não vejo o que desejo,

nem o que dele se fala.

Apenas o tempo,

este rústico elemento,

recobre esta falha que em minha alma cala

enquanto a vida,

indiferente a qualquer culpa,

quer eu queira, quer não,

segue adiante a cada instante

como um contínuo e maquinal perdão.

 

São Jerônimo

(Caravaggio: pintor italiano)

 

Poème Erroné

J’apporte, dans moi, quelque type d’erreur,

un piège fondamental que je ne connais pas bien.

Pas une erreur quelconque comme un équivoque

ou un propos,

Mais une erreur d’être,

d’exister.

Quelque chose inhérent aux créatures,

consommées en soi mêmes,

corrompues en matérialité et en permanence.

 

Une erreur qui se superpose à toutes les autres erreurs.

Une erreur d’essence,

 

Transcendance insondable à toutes les transcendances,

indifférence marginale de toutes les jurisprudences,

Indéfinie comme les caprices du destin,

frauduleuse comme une certitude,

fatale comme les faces d’un cristal.

 

Quelque chose, ainsi, comme le péche original,

à vaguer erratique sur le bord blanc des codes,

dans l’obscurité des consciences,

tel qu’une absence imperceptible de la moralité,

un contenu mystique de toutes les réticences.

 

A la lumière diffuse

qui illumine mon âme confuse,

je vois, clairement, le creux dans lequel s’installe.

Je vois le creux mais je ne vois pas ce que je désire,

ni ce qu’on en parle.

A peine le temps,

cet élément rustique,

remplit ce trou qui se tait dans mon âme,

tandis que la vie,

indifférente à une faute quelconque,

que je le veille ou non,

marche en avant à chaque instam,

comme un pardon machinal et permanent.

 

Referência:

                

CAPONI, Sérgio. Poema errôneo / Poème erroné. Tradução ao francês de Sérgio Caponi. In: ALIGHIERI, Dante; PETARCA, Francesco; MÊME, Lui. Poemas da paixão subjacente. Campinas, SP: Átomo, 1007. Em francês: p. 180 e 182; em português: p. 181 e 183.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Múcio Teixeira - O Poeta e a Glória

Múcio concebe o poeta como um louco, atrás de um fogo-fátuo representado pela glória: muitos houve na história que replicaram esse enredo. E ainda os há. Outros tantos, todavia, foram tão grandes, que seus nomes se mantiveram não exatamente como um “fogo-fátuo”, senão como referências indeléveis na narrativa da literatura ocidental, como Homero, Dante, Shakespeare ou Hugo.

Tudo transcorre como numa escalada, ao fim da qual nem todos logram alcançar o topo do Olimpo da poesia, sendo abandonados à margem do caminho pelas musas, passando a configurar, então, meros insucessos cuja urdidura reverte-se, inapelavelmente, ao pó primordial.

J.A.R. – H.C.

Múcio Teixeira
(1857-1926)

O Poeta e a Glória
(a Fernandes Costa)

Na vazia extensão de um areal deserto,
Sem oásis, sem luz, sem brisas, sem perfumes,
Triste como uma esposa em noite de ciúmes,
Vagava um louco atrás dum fogo-fátuo, incerto.

Quando tremeluzia esse clarão mais perto,
Seu vulto aparecia, além, entre os negrumes;
Mal se iam apagando os oscilantes lumes,
Perdia-se de vista o sonhador desperto.

Impelido, talvez, por um febril desejo,
Na voragem fatal de uma esperança inglória,
Dos lagos aos paúes, do roseiral ao brejo, (*)

Ia, como o Hebreu da sacrossanta história;
E nós vamos também... Ah! mas eu penso e vejo
Que esse louco é o Poeta e o fogo-fátuo a Glória!

O poeta árabe (persa)
(Gustave Moreau: pintor francês)

Nota:

(*). A palavra “paúes”, com essa grafia, ainda aparece em dicionários de origem portuguesa, a significar “pântano, “charco”. Em dicionários brasileiros, a grafia corrente tornou-se “paul” (plural: pauis), mantido o mesmo significado.

Referência:

TEIXEIRA, Álvaro de Múcio. O poeta e a glória. In: __________. Poesias. Tomo II. Livro II: Mocidade. Rio de Janeiro: H. Garnier Livreiro-Editor, 1903. p. 51.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Karl Shapiro - A poesia de ideias

Aparentemente, Shapiro opõe-se ao tipo de poesia difundido por Eliot, Auden, Pound, entre outros – a veicular ideias, muito mais que sentimentos –, fazendo coro, desse modo, àqueles autores capazes de entornar em seus versos o mais puro espasmo da emoção, como Blake e Whitman, por exemplo.

Postula, então, uma poesia não permeada pela racionalidade, decerto aberta aos mistérios da mente humana, alheia à crítica, natural e espontânea como a própria expressão da vida, deixando àqueles que dela usufruem a tarefa de contemplar a beleza mesmo daquilo que remanesce no poema sem a intenção do poeta, porque, s.m.j., a criação poética também tem os seus enigmas e mistérios, capazes de fazê-la resistir a todo esclarecimento.

J.A.R. – H.C.


Karl Shapiro
(1913-2000)

The poetry of ideas

One need but ask Where is the literature
Of nature, where the love poem and the plain
Statement of feeling? How and when and why
Did we conceive our horror for emotion,
Our fear of beauty? Whence the isolation
And proud withdrawal of the intellectual
Into the cool control-room of the brain?
At what point in the history of art
Has such a cleavage between audience
And poet existed? When before has rime
Relied so heavily on the interpreter,
The analyst and the critic? Finally how
Has poetry as the vision of the soul
Descended to the poetry of sensation,
And that translated to the perceptive kind,
Evolved into the poetry of ideas?


Sentimento
(Emelie Jegerings: pintora belga)

A poesia de ideias

Cumpre perguntar onde está a literatura
Da natureza, o poema de amor e a simples
Revelação de sentimentos? Como, onde e por que
Engendramos o nosso horror pela emoção,
Nosso receio pela beleza? De onde vem a reclusão
E a orgulhosa retirada do intelectual
até a fria sala de controle do cérebro?
Em que ponto da história da arte
Existiu a excisão entre a audiência
E o poeta? Quando, antes, a rima
Dependeu tanto do intérprete,
Do analista e do crítico? Por fim, como
A poesia, enquanto visão da alma,
Declinou à poesia da sensação,
Que uma vez vertida ao tipo perceptivo,
Evoluiu à poesia de ideias?


Referência:

SHAPIRO, Karl. The poetry of ideas. In: RODMAN, Selden (Ed.). An new anthology of modern poetry. New York, NY: Random House Inc., 1946. p. 435. (“The Modern Library”)

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Goethe - O escavador de tesouros

Alguém pobre emocional e materialmente deposita a sua esperança em encontrar um tesouro, levando à frente um ritual no qual se propõe dedicar a alma a quem lho trouxer, se necessário for: como efeito do rito, aparece-lhe um garoto com flores, em meio a uma luz ofuscante, a lhe oferecer uma chávena da poção transformadora.

Mas o dinheiro não é tudo o que pode haver de mais importante na vida – e o garoto procura convencê-lo de que existem outros valores pelos quais empenhar-se na lida, como o trabalho e a autoestima que dele decorre. Terá ou não o carente obtido o tesouro que procurava? Mudar o padrão de pensamento pode ser um bom começo para se guinar a um rumo mais fértil!

J.A.R. – H.C.

J. W. Goethe
(1749-1832)

Der Schatzgräber

Arm am Beutel, krank am Herzen,
Schleppt ich meine langen Tage.
Armuth ist die größte Plage,
Reichthum ist das höchste Gut!
Und zu enden meine Schmerzen,
Ging ich einen Schatz zu graben.
Meine Seele sollst du haben!
Schrieb ich hin mit eignem Blut.

Und so zog ich Kreis um Kreise,
Stellte wunderbare Flammen,
Kraut und Knochenwerk zusammen:
Die Beschwörung war vollbracht.
Und auf die gelernte Weise
Grub ich nach dem alten Schatze
Auf dem angezeigten Platze;
Schwarz und stürmisch war die Nacht.

Und ich sah ein Licht von weiten,
Und es kam gleich einem Sterne,
Hinten aus der fernsten Ferne.
Eben als es zwölfe schlug.
Und da galt kein Vorbereiten:
Heller ward’s mit einemmale
Von dem Glanz der vollen Schale,
Die ein schöner Knabe trug.

Holde Augen sah ich blinken
Unter dichtem Blumenkranze;
In des Trankes Himmelsglanze
Trat er in den Kreis herein.
Und er hieß mich freundlich trinken,
Und ich dacht’ es kann der Knabe
Mit der schönen, lichten Gabe
Wahrlich nicht der Böse sein.

Trinke Muth des reinen Lebens!
Dann verstehst du die Belehrung,
Kommst, mit ängstlicher Beschwörung,
Nicht zurück an diesen Ort.
Grabe hier nicht mehr vergebens!
Tages Arbeit, Abends Gäste!
Saure Wochen, frohe Feste!
Sei dein künftig Zauberwort.

(1797)

As Covas do Tesouro
(Johann Oswald Harms: pintor alemão)

O escavador de tesouros

De bolsa desprovida e coração sofrido,
Arrastava a minha triste vida:
A maior das desditas é ser pobre.
A riqueza é o soberano bem.
Para acabar com meus padecimentos
À cata de um tesouro me enlevei:
E tê-lo-ás, minha alma! Assim clamando,
Com o meu próprio sangue o atestei.

No lugar propício já chegado
Signos e mais signos mágicos tracei;
Acendendo vivas labaredas,
Ossos e ervas mágicas reunindo,
A invocação completei.
Seguindo o rito, fiel ao roteiro,
Cavei o chão da terra fria,
Em busca do tesouro ambicionado:
Feia era a noite, tempestuosa e negra.

Ao ressoar da meia-noite,
Vi surgir do bojo da treva imensa
Uma luz resplendente
Vindo em minha direção,
Qual estrela alvinitente,
Rasgando a escuridão.
Num abrir e fechar de olhos, num repente,
Banhou-me fúlgido clarão
Brotando da taça refulgente
Que um moço de belo aspecto,
Formoso, trazia na mão.

Vi que seus olhos brilhavam,
Cheios de benevolência,
Sob uma coroa de flores.
Vi que ele vinha co’a luz divina,
Transpor o círculo da força mágica.
E assim o fez, para depois,
Bondosamente, convidar-me para beber
Daquela taça.
Pensei comigo: não é possível
Que um moço, assim, tão carinhoso,
Radiando luz, e tão formoso,
Dos domínios do mal seja um enviado.

– Ó meu amigo, bebe entusiasmo para a tua vida,
Que só assim hás de chegar à compreensão!
E assim fazendo, jamais aqui retornarás.
Cheio de medo, a estes lugares, ermos, tortuosos,
Para estas coisas de invocação!
Larga mão de escavar nesse vazio,
Outra seja a tua forma de viver:
Durante o dia – trabalho.
Ao vir da noite – sossego, visitas e distrações.
Árduas semanas de lutas, às vezes festa e alegria,
Tal seja, daqui por diante,
O teu rito de magia.

(1797)

Referências:

Em Alemão

GOETHE, Johann Wolfgang von. Der schatzgräber. Disponível neste endereço. Acesso em: 21 set. 2018.

Em Português

GOETHE, Johann Wolfgang von. O escavador de tesouros. Tradução de Pedro de Almeida Moura. In: __________. Poesias escolhidas. Apresentação de Samuel Pfromm Netto (org.). 2. ed. Campinas, SP: Editora Átomo; Edições PNA, 2005. p. 92-93. (Série “Raízes Clássicas”)

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Antonio Olinto - Antígona

Já há, aqui no bloguinho, uma tradução que fiz ao poema de Gabriela Mistral, sobre o enredo de “Antígona”, uma das peças da trilogia tebana, de autoria do dramaturgo grego Sófocles. Eis aqui outra, do mineiro Antonio Olinto, mais centrada na própria figura de Antígona, que descumpre o édito de Creonte, para que não se enterrasse Polinice, seu irmão.

É que Etéocles – também irmão de Antígona – e Polinice foram às vias de fato, numa guerra civil, e ambos morreram. Como estava no lado “errado”, aos olhos de Creonte, este negou ao próprio sobrinho o direito de sepultamento, retirando-lhe a perspectiva de vida após a morte. Antígona desafia Creonte e enterra Polinice. Tragicamente, ela é pega e levada a morrer numa caverna, onde dá fim à vida antes que Hémon, seu noivo e filho de Creonte, a encontre. Ao fim, Hémon também comete suicídio.

Consigne-se que a figura de Antígona é tão onipresente entre os que levam à frente as artes cênicas, que representações da peça sempre marcaram a história do teatro: a obra “Antígonas”, de George Steiner, publicada em 1984, compendia todo o lastro gerado na cultura ocidental por esse mito grego.

J.A.R. – H.C.

Antonio Olinto
(1919-2009)


Antígona

 

Enterra teu irmão

Em terra funda ou à flor do chão

Em pedra, areia ou carvão

Haja ou não haja caixão

Enterra teu irmão.

Em rocha bruta ou num desvão

Qualquer seja a oposição

Terremoto, incêndio, vulcão

Tempestade, enchente, furacão

Enterra teu irmão.

Com xingamento ou louvação

Com boi, cavalo ou dragão

Enterra teu irmão.

Lanha, fere, usa um facão

Faze tua amputação

Corta de vez tua mão

Para enterrar teu irmão.

Com fogo, lâmpada ou lampião

ou na maior escuridão

Enterra teu irmão.

Abandona a compaixão

Mulher, tua solidão

Tem a veemência do pão

Arranca teu coração

Ergue tua maldição

Tece tua rebelião

Grita o grito da paixão

Cumpre tua missão

Enterra teu irmão.

Antígona ao lado de Polinice
(Jean-Joseph Benjamin-Constant: pintor francês)

Referência:

OLINTO, Antonio. Antígona. In: __________. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2004. p. 35. (Coleção “50 poemas escolhidos pelo autor”; v. 12)

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Antonio Cisneros - Três Mortos: García Lorca

Como o poema já aqui postado de Vinicius de Moraes (“A Morte de Madrugada”), este, do grande poeta peruano, também faz referência ao assassinato do poeta espanhol Federico García Lorca pela milícia franquista, crime ocorrido em Granada – razão do verso replicado, subtraído ao famoso poema de Antonio Machado.

O subtítulo, “Tres Muertos”, decorre do fato de que a seção da obra “Monólogo de la casta Susana y otros poemas”, de 1986, possui, além do poema ora postado, outros dois, dedicados, respectivamente, ao escritor alemão Heinrich Boll (i. m. 16/07/85), e ao italiano Ítalo Calvino (i. m. 19/09/85). (Nota: imagino que “i. m.” sejam as iniciais para “in memoriam”).

Quanto ao poema, propriamente dito, menciona ainda o caso do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, também poeta e invertido como Lorca, assassinado em 2 de novembro de 1975, em local próximo ao hidro-aeródromo de Óstia, localizado na jurisdição do município de Roma.

J.A.R. – H.C.


Antonio Cisneros
(1942-2012)

Tres Muertos

García Lorca (i. m. agosto 1936)

 

Tus gitanos siguen en las mismas,

tus limones son apenas

frutos de exportación.

Ni minero ni soldado,

lejos del frente de batalla

te mataron, poeta encantador

(al fin y al cabo).

El crimen fue en Granada

(lo sabemos). Más turbio

que la cueva del hurón,

más claro que un cuchillo.

Inevitable. Así el buen Pasolini

muerto por un rufián entre las sombras

del despreciable coliseo de Ostia

(y a más de cuarenta años

de tu guerra civil).


O Alhambra: Granada - Espanha
(Rachel Newman: pintora norte-americana)

Três Mortos

García Lorca (i. m. agosto 1936)

 

Teus ciganos seguem nas mesmas,

teus limões são apenas

frutos de exportação.

Nem mineiro nem soldado,

longe da frente de batalha

te mataram, poeta encantador

(ao fim e ao cabo).

O crime foi em Granada

(o sabemos). Mais turvo

que a cova do furão,

mais claro que uma faca.

Inevitável. Tal como o bom Pasolini

morto por um rufião entre as sombras

do desprezível coliseu de Óstia

(e a mais de quarenta anos

de tua guerra civil).


Referência:

CISNEROS, Antonio. Tres muertos: García Lorca (i. m. agosto 1936). In: __________. Postales para Lima: antología poética. Prólogo de Alonso Rabí do Carmo. Selección de Jorge Boccanera. Buenos Aires, AR: Ediciones Colihue, 1999. p. 125. (Colección “Musarisca”)