Há quem aspire a ser um animal, com a
sua simplicidade instintual, mobilidade e sem muitas complicações mentais como
as dos seres humanos – mesmo sendo estes últimos dotados de uma “presumível”
racionalidade: um cão, um gato, ou quem sabe um coelho ou um cordeiro?!
Mas o poeta ambiciona o status de uma
simples palmeira, por razões que se estendem pela dezena de estrofes do poema
ora postado: a proximidade com o céu, a interação com os outros entes da
natureza à volta, o balanço ao sopro do mar etc. Ao final, suplica a essa mesma
natureza que conserve a sua alma – no sol, num verme ou numa flor que seja –,
para que possa eternamente dela se recordar!
J.A.R. – H.C.
Alberto de Oliveira
(1857-1937)
Aspiração
Ser palmeira! existir
num píncaro azulado,
Vendo as nuvens mais
perto e as estrelas em bando;
Dar ao sopro do mar o
seio perfumado,
Ora os leques
abrindo, ora os leques fechando;
Só de meu cimo, só de
meu trono, os rumores
Do dia ouvir,
nascendo o primeiro arrebol,
E no azul dialogar
com o espírito das flores,
Que invisível ascende
e vai falar ao sol;
Sentir romper do vale
e a meus pés, rumorosa,
Dilatar-se e cantar a
alma sonora e quente
Das árvores, que em
flor abre a manhã cheirosa,
Dos rios, onde luz
todo o esplendor do Oriente;
E juntando a essa voz
o glorioso murmúrio
De minha fronde e
abrindo ao largo espaço os véus,
Ir com ela através do
horizonte purpúreo
E penetrar nos céus;
Ser palmeira, depois
de homem ter sido! est’alma
Que vibra em mim,
sentir que novamente vibra,
E eu a espalmo a
tremer nas folhas, palma a palma,
E a distendo, a subir
num caule, fibra a fibra;
E à noite, enquanto o
luar sobre os meus leques treme,
e estranho
sentimento, ou pena ou mágoa ou dó,
Tudo tem e, na
sombra, ora ou soluça ou geme,
E, como um pavilhão,
velo lá em cima eu só,
Que bom dizer então
bem alto ao firmamento
O que outrora jamais –
homem – dizer não pude,
Da menor sensação ao
máximo tormento
Quanto passa através
minha existência rude!
E, esfolhando-me ao
vento, indômita e selvagem,
Quando aos arrancos
vem bufando o temporal,
– Poeta – bramir
então à noturna bafagem
Meu canto triunfal!
E isto que aqui não
digo então dizer: – que te amo,
Mãe natureza! mas de
modo tal que o entendas,
Como entendes a voz
do pássaro no ramo
E o eco que têm no
oceano as borrascas tremendas;
E pedir que, ou no
sol, a cuja luz referves,
Ou no verme do chão
ou na flor que sorri,
Mais tarde, em
qualquer tempo, a minh’alma conserves,
Para que eternamente
eu me lembre de ti!
Palmeiras em Key West
(Donald Maier: pintor
norte-americano)
Referência:
OLIVEIRA, Alberto de. Aspiração. In: GONÇALVES,
Maria Magaly Trindade; AQUINO, Zélia Thomaz de; BELLODI SILVA, Zina (Eds.). Antologia
de antologias: 101 poetas brasileiros revisitados. São Paulo, SP: Musa
Editora, 1995. p. 298-299.
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