Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 18 de julho de 2017

Alberto de Oliveira - Aspiração

Há quem aspire a ser um animal, com a sua simplicidade instintual, mobilidade e sem muitas complicações mentais como as dos seres humanos – mesmo sendo estes últimos dotados de uma “presumível” racionalidade: um cão, um gato, ou quem sabe um coelho ou um cordeiro?!

Mas o poeta ambiciona o status de uma simples palmeira, por razões que se estendem pela dezena de estrofes do poema ora postado: a proximidade com o céu, a interação com os outros entes da natureza à volta, o balanço ao sopro do mar etc. Ao final, suplica a essa mesma natureza que conserve a sua alma – no sol, num verme ou numa flor que seja –, para que possa eternamente dela se recordar!

J.A.R. – H.C.

Alberto de Oliveira
(1857-1937)

Aspiração

Ser palmeira! existir num píncaro azulado,
Vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando;
Dar ao sopro do mar o seio perfumado,
Ora os leques abrindo, ora os leques fechando;

Só de meu cimo, só de meu trono, os rumores
Do dia ouvir, nascendo o primeiro arrebol,
E no azul dialogar com o espírito das flores,
Que invisível ascende e vai falar ao sol;

Sentir romper do vale e a meus pés, rumorosa,
Dilatar-se e cantar a alma sonora e quente
Das árvores, que em flor abre a manhã cheirosa,
Dos rios, onde luz todo o esplendor do Oriente;

E juntando a essa voz o glorioso murmúrio
De minha fronde e abrindo ao largo espaço os véus,
Ir com ela através do horizonte purpúreo
E penetrar nos céus;

Ser palmeira, depois de homem ter sido! est’alma
Que vibra em mim, sentir que novamente vibra,
E eu a espalmo a tremer nas folhas, palma a palma,
E a distendo, a subir num caule, fibra a fibra;

E à noite, enquanto o luar sobre os meus leques treme,
e estranho sentimento, ou pena ou mágoa ou dó,
Tudo tem e, na sombra, ora ou soluça ou geme,
E, como um pavilhão, velo lá em cima eu só,

Que bom dizer então bem alto ao firmamento
O que outrora jamais – homem – dizer não pude,
Da menor sensação ao máximo tormento
Quanto passa através minha existência rude!

E, esfolhando-me ao vento, indômita e selvagem,
Quando aos arrancos vem bufando o temporal,
– Poeta – bramir então à noturna bafagem
Meu canto triunfal!

E isto que aqui não digo então dizer: – que te amo,
Mãe natureza! mas de modo tal que o entendas,
Como entendes a voz do pássaro no ramo
E o eco que têm no oceano as borrascas tremendas;

E pedir que, ou no sol, a cuja luz referves,
Ou no verme do chão ou na flor que sorri,
Mais tarde, em qualquer tempo, a minh’alma conserves,
Para que eternamente eu me lembre de ti!

Palmeiras em Key West
(Donald Maier: pintor norte-americano)

Referência:

OLIVEIRA, Alberto de. Aspiração. In: GONÇALVES, Maria Magaly Trindade; AQUINO, Zélia Thomaz de; BELLODI SILVA, Zina (Eds.). Antologia de antologias: 101 poetas brasileiros revisitados. São Paulo, SP: Musa Editora, 1995. p. 298-299.

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