Pode parecer paradoxal, mas os casamentos
costumam se manter num contexto de “separação na união”: o desejo aprisiona os
amantes numa arca, símbolo do pacto de aliança, ao mesmo tempo que ‘locus’ de
sobrevivência, se a compararmos com o construto legendário de Noé.
Levertov alude, ademais, ao
enclausuramento do casal no ventre de um leviatã, como na narrativa bíblica de
Jonas – neste caso, encerrado na pança de uma baleia. Suma da ópera: o amor,
esse sentimento já tantas vezes examinado pelos vates, se tem o dom de levar os
amantes ao matrimônio, há de hastear o lábaro camoniano para o seu alento – “É
querer estar preso por vontade!”.
J.A.R. – H.C.
Denise Levertov
(1923-1997)
The Ache of Marriage
The ache of marriage:
thigh and tongue, beloved,
are heavy with it,
it throbs in the teeth
We look for communion
and are turned away, beloved,
each and each
It is leviathan and we
in its belly
looking for joy, some joy
not to be known outside it
two by two in the ark of
the ache of it.
Marido e Esposa
(Ferdinand Bol:
artista holandês)
A Dor do Matrimônio
A dor do matrimônio:
as coxas e a língua,
querido,
tornam-se pesadas na
presença dela,
a latejar nos dentes
Buscamos a comunhão
e somos desunidos,
querido,
cada qual para o seu
lado
É o leviatã, e nós
em sua barriga
procurando a alegria,
alguma alegria
não apreensível fora
dela
mantemo-nos aos pares
na arca onde essa dor verbera.
Referência:
LEVERTOV, Denise. The ache of marriage. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The
vintage book of contemporary american poetry. 2nd ed. New
York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), march 2003. p. 179-180.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário