O que ainda se tem a dizer de Dom Quixote,
o denominado “engenhoso fidalgo”, o cognominado “cavaleiro da triste figura”,
essa celebridade burlesca que tanto aprendemos a amar – pelo menos no âmbito do
cânone literário?!
De tanto ler romances de cavalaria, o
ilustre Quixote perdeu a sanidade e partiu para o conserto dos erros do mundo: doidivanas,
viu cenas passíveis de torná-lo um herói de cavalaria em eventos mais do que
prosaicos. E assim alcançou a glória por meio da fantasia, eis que decorrente
de um triunfo sobre o mundo real, embora com os mesmos efeitos tragicômicos deste.
J.A.R. – H.C.
Augusto de Lima
D. Quixote
Tempo fecundo aquele
em feitos bravos.
Triste Figura, a flor
dos cavaleiros,
peregrinava a
desfazer agravos
com Sancho, o mais
leal dos escudeiros.
Do virginal decoro
das virtudes
Paladino, ele, às
vezes, num momento,
sozinho suplantava, a
golpes rudes,
os moinhos ciclópicos
de... vento.
Na sombria armadura
legendária,
pulava um coração
adamantino:
com ela conquistou a
Baratária
e o capacete do feroz
Membrino. (*)
Se ao puro bem vencia
o mal infando,
era vê-lo, na rápida
carreira,
fantástico, sublime,
galopando
nas estradas em
nuvens de poeira.
Sublime e louco
heroísmo! Que loucura
é todo o sentimento
que transborda:
o crânio, que
adormece em noite escura,
não raro cede ao
coração que acorda!
Almas às vezes bem
equilibradas
deixam, por ser seu
sentimento pouco
– o direito à mercê
das gargalhadas,
a justiça num cérebro
de louco!
Conseguiste o brasão
maravilhoso
com que os heróis os
séculos aclamam:
foste um burlesco, um
doido, um generoso;
ri-se o mundo de ti,
mas todos te amam!
O Regresso de Dom Quixote
(Hippolyte Lecomte:
pintor francês)
Nota:
(*) Membrino – ou ainda Mambrino – é o
nome de um rei mouro ficcional, celebrado em romances de cavalaria, que possuía
um capacete de ouro puro, capaz de atribuir invulnerabilidade ao seu portador.
Cervantes, em Dom Quixote, fala-nos de um barbeiro que, pego pela chuva,
protegeu o seu chapéu com uma bacia de bronze sobre a cabeça. Dom Quixote tomou
tal bacia como o capacete encantado do rei mouro, desejando-a obter para
fazer-se protegido.
Referência:
LIMA, Augusto de. D. Quixote. In:
LISBOA, Henriqueta (Org.). Antologia
escolar de poemas para a juventude. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro -
Tecnoprint, 1981. p. 62.
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