Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Augusto de Lima - D. Quixote

O que ainda se tem a dizer de Dom Quixote, o denominado “engenhoso fidalgo”, o cognominado “cavaleiro da triste figura”, essa celebridade burlesca que tanto aprendemos a amar – pelo menos no âmbito do cânone literário?!

De tanto ler romances de cavalaria, o ilustre Quixote perdeu a sanidade e partiu para o conserto dos erros do mundo: doidivanas, viu cenas passíveis de torná-lo um herói de cavalaria em eventos mais do que prosaicos. E assim alcançou a glória por meio da fantasia, eis que decorrente de um triunfo sobre o mundo real, embora com os mesmos efeitos tragicômicos deste.

J.A.R. – H.C.

Augusto de Lima
(1859-1934)

D. Quixote

Tempo fecundo aquele em feitos bravos.
Triste Figura, a flor dos cavaleiros,
peregrinava a desfazer agravos
com Sancho, o mais leal dos escudeiros.

Do virginal decoro das virtudes
Paladino, ele, às vezes, num momento,
sozinho suplantava, a golpes rudes,
os moinhos ciclópicos de... vento.

Na sombria armadura legendária,
pulava um coração adamantino:
com ela conquistou a Baratária
e o capacete do feroz Membrino. (*)

Se ao puro bem vencia o mal infando,
era vê-lo, na rápida carreira,
fantástico, sublime, galopando
nas estradas em nuvens de poeira.

Sublime e louco heroísmo! Que loucura
é todo o sentimento que transborda:
o crânio, que adormece em noite escura,
não raro cede ao coração que acorda!

Almas às vezes bem equilibradas
deixam, por ser seu sentimento pouco
– o direito à mercê das gargalhadas,
a justiça num cérebro de louco!

Conseguiste o brasão maravilhoso
com que os heróis os séculos aclamam:
foste um burlesco, um doido, um generoso;
ri-se o mundo de ti, mas todos te amam!

O Regresso de Dom Quixote
(Hippolyte Lecomte: pintor francês)

Nota:

(*) Membrino – ou ainda Mambrino – é o nome de um rei mouro ficcional, celebrado em romances de cavalaria, que possuía um capacete de ouro puro, capaz de atribuir invulnerabilidade ao seu portador. Cervantes, em Dom Quixote, fala-nos de um barbeiro que, pego pela chuva, protegeu o seu chapéu com uma bacia de bronze sobre a cabeça. Dom Quixote tomou tal bacia como o capacete encantado do rei mouro, desejando-a obter para fazer-se protegido.

Referência:

LIMA, Augusto de. D. Quixote. In: LISBOA, Henriqueta (Org.). Antologia escolar de poemas para a juventude. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro - Tecnoprint, 1981. p. 62.

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