Com toda a sua aura obscura, carregada
de tons frementes e às vezes insólitos – algo tão característico de grande
parte das criações do expressionismo em língua alemã –, Trakl sabe como
arranjar as palavras para formar um conjunto caleidoscópico de símbolos em sua perspectiva
dos desterrados, conferindo um melancólico efeito.
Por trás de seu manifesto verniz
enigmático, o poema deixa transparecer a visão de um poeta que experimenta
contratempos em um mundo envelhecido, do qual muitos foram sacados ou partiram
para nunca mais voltar, mas que ainda é capaz de revelar laivos de harmonia e
de beleza, apontando para o futuro.
J.A.R. – H.C.
Georg Trakl
(1887-1914)
Gesang des
Abgeschiedenen
An Karl Borromäus
Heinrich
(1914)
Voll Harmonien ist
der Flug der Vögel. Es haben die grünen Wälder
Am Abend sich zu
stilleren Hütten versammelt;
Die kristallenen
Weiden des Rehs.
Dunkles besänftigt
des Plätschern des Bachs, die feuchten Schatten
Und die Blumen des
Sommers, die schön in Winde läuten.
Schon dämmert die
Stirne dem sinnenden Menschen.
Und es leuchtet ein
Lämpchen, das Gute, in seinem Herzen
Und der Frieden des
Mahls; denn geheiligt ist Brot und Wein
Von Gottes Händen,
und es schaut aus nächtigen Augen
Stille dich der
Bruder an, daß er ruhe von dorniger Wanderschaft.
O das Wohnen in der
beseelten Bläue der Nacht.
Liebend auch umfängt
das Schweigen im Zimmer die Schatten
der Alten,
Die purpurnen
Martern, Klage eines großen Geschlechts,
Das fromm nun hingeht
im einsamen Enkel.
Denn strahlender immer
erwacht aus schwarzen Minuten
des Wahnsinns
Der Duldende an
versteinerter Schwelle
Und es umfängt ihn
gewaltig die kühle Bläue und dieleuchtende
Neige des Herbstes,
Das stille Haus und
die Sagen des Waldes,
Maß und Gesetz und
die mondenen Pfade der Abgeschiedenen.
Exilados
(Patrick Hennessy:
pintor irlandês)
Canto do desterrado
A Karl Borromäus
Heinrich
(1914)
Pleno de harmonias é
o voo dos pássaros. As florestas verdes
Reuniram-se à noite
em cabanas mais tranquilas;
Os pastos cristalinos
da corça.
Escuridão suaviza o
murmúrio do riacho, as sombras úmidas
E as flores do verão,
que soam belas ao vento.
Já crepuscula na
fronte do pensativo homem.
E brilha uma luzinha,
a da bondade, em seu coração,
E a paz da ceia;
pois, santificados são pão e vinho
Pelas mãos de Deus, e
com olhos noturnos o irmão
Contempla-te
silencioso, repousando de espinhosa caminhada.
Ah, morar no vivo azul
da noite.
Também amando o
silêncio envolve no quarto as sombras dos
ancestrais,
Os purpúreos
martírios, lamento de toda uma geração,
Que agora se vai
piedosa no neto solitário.
Cada vez mais
radiante desperta sempre dos negros minutos
de loucura
O paciente em soleira
petrificada
E envolve-o
violentamente o frescor azulado e o cintilante resto
do outono,
A casa tranquila e as
lendas da floresta,
Medida e lei, e os
lunares atalhos dos desterrados.
Referência:
TRAKL, Georg. Gesang des abgeschiedenen
/ Canção do desterrado.Tradução de Claudia Cavalcanti. In: BECHER, Johannes R.
et al. Poesia expressionista alemã: uma antologia. Organização e
tradução de Claudia Cavalcanti. Edição bilíngue ilustrada. São Paulo, SP:
Estação Liberdade, 2000. Em alemão: p. 208; em português: p. 209.
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