Primeiramente, uma rápida resenha sobre
a biografia do autor deste poema, nascido em Curitiba (PR): trabalhou ele nas
ruas como travesti, sendo que, desde 2015, tem apresentado o seu transpoema “Embrulho
líquido” em espetáculos realizados em cruzeiros turísticos pela América Latina
(CALCANHOTO, 2017, p. 128).
Bem! Agora vou tentar sumariar o que “entendi”
do poema de Bianca (rs): há suficiente acento sexual em seus versos, de tal
sorte a sublinhar o quanto o feminino, sendo passivo, encontra-se na condição
de sofrer eventual dor com a penetração.
Dar e dor, é claro, não têm semelhantes
raízes etimológicas: enquanto “dor” derivou do latim “dolor”, “dar” derivou do
latim “dare”. Como classes gramaticais, um é verbo (“dar”), e o outro é um
substantivo comum (“dor”).
Mas como o ato sexual é uma ação na
qual o polo ativo torna-se propenso a produzir dor, segue-se, necessariamente,
que somente um verbo seria melhor capaz de caracterizá-lo: então, das duas
palavras sobra uma apenas ao etimólogo, valer dizer, “dar”!
Contudo, uma pergunta derradeira: seria
mesmo esse o sentido que o evangelista João pretendia atribuir às palavras mencionadas
por Bianca, o da “masculinidade” subjacente aos verbos? Ou tudo não passaria de mera glosa incidental? Os hermeneutas que o digam...
J.A.R. – H.C.
Bianca Lafroy
(n. 1985)
Entende o que estou
dizendo?
Entende o que estou
dizendo?
Dar é feminino de
dor.
O etimólogo
que persegue palavras
(dando proteína
para a filosofia)
dirá que não.
DAR É VERBO.
Verbo é masculino.
Entende o que estou
dizendo?
É másculo dizer “no
princípio
era o verbo”.
Duas Figuras na
Paisagem
(Cecil Brown: pintora
inglesa)
Referência:
LAFROY, Bianca. Entende o que estou
dizendo? In: CALCANHOTO, Adriana (Org.). É agora como nunca: antologia incompleta da poesia
contemporânea brasileira. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras,
2017. p. 97.
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