Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Luís Aranha - O aeroplano

Primeiramente o poeta desejaria subir ao mais alto dos céus em um aeroplano, para ver as coisas daqui da terra cada vez mais diminutas. Acima, portanto, de qualquer zigurate criado por mãos humanas ou, mesmo, para além dos picos mais elevados de que a natureza proveu este planeta-laboratório.

Depois, cairia em torvelinhos lá de cima, em cambalhotas, ‘loopings’ fantásticos, vertiginosos – e veja bem, leitor, tudo isso numa experiência que levaria dias! Assim, quem sabe em dado momento viria ele a se desprender do aeroplano, para vagar livremente pelo espaço, abrindo os braços e, ao fim, sendo acolhido por um vasto amplexo citadino...

Tudo não passa, é claro, de um estado de arrebatamento, traduzido em palavras, frente à emergente parafernália tecnológica que aumentou a velocidade de fluência do tempo nas grandes cidades, irreversivelmente!

J.A.R. – H.C.

Luís Aranha
(1901-1987)

O aeroplano

Quisera ser um ás para voar bem alto
Sobre a cidade de meu berço!
Bem mais alto que os lamentos bronze
Das catedrais catalépticas;
Muito rente do azul quase a sumir no céu
Longe da casaria que diminui
Longe, bem longe deste chão de asfalto...

Eu quisera pairar sobre a cidade!...

O motor cantaria
No anfiteatro azul apainelado
A sua roncante sinfonia...
Oh! voar sem pousar no espaço que se estira
Meu, só meu;
Atravessando os ventos assombrados
Pela minha ousadia de subir
Até onde só eles atingiram!...

Girar no alto
E em rápida descida
Cair em torvelinhos
Como ave ferida...

Dar cambalhotas repentinas
Loopings fantásticos
Saltos mortais
Como um atleta elástico de aço

O ranger rascante do motor...
No anfiteatro com painéis de nuvens
Tambor...

Se um dia
O meu corpo escapasse ao aeroplano,
Eu abriria os braços com ardor
Para o mergulho azul na tarde transparente...
Como seria semelhante
A um anjo de corpo desfraldado
Asas abertas, precipitado
Sobre a terra distante...

Riscando o céu na minha busca
Rápida e precisa,
Cortando o ar em êxtase no espaço
Meu corpo cantaria,
Sibilando
A sinfonia da velocidade.

E eu tombaria
Entre os braços abertos da cidade...

Ser aviador para voar bem alto!

Piloto no Aeroplano
(Autoria não identificada)

Elucidário:

Ás: exímio, hábil, especialista;
Cataléptico: contraído rigidamente, como se sofresse de catalepsia;
Apainelado: em forma de painel;
Rascante: diz-se do som áspero, que arranha.

Referência:

ARANHA, Luís. O aeroplano. In: __________. Cocktails. Org. por Nelson Ascher e Rui Moreira Leite. São Paulo, SP: Brasiliense, 1984. p. 95-96.

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