Primeiramente o poeta desejaria subir
ao mais alto dos céus em um aeroplano, para ver as coisas daqui da terra cada
vez mais diminutas. Acima, portanto, de qualquer zigurate criado por mãos
humanas ou, mesmo, para além dos picos mais elevados de que a natureza proveu
este planeta-laboratório.
Depois, cairia em torvelinhos lá de
cima, em cambalhotas, ‘loopings’ fantásticos, vertiginosos – e veja bem, leitor,
tudo isso numa experiência que levaria dias! Assim, quem sabe em dado momento viria ele a se desprender do aeroplano, para vagar livremente pelo espaço,
abrindo os braços e, ao fim, sendo acolhido por um vasto amplexo citadino...
Tudo não passa, é claro, de um estado de arrebatamento, traduzido em palavras, frente à emergente parafernália tecnológica que aumentou a velocidade de fluência do tempo nas grandes cidades, irreversivelmente!
Tudo não passa, é claro, de um estado de arrebatamento, traduzido em palavras, frente à emergente parafernália tecnológica que aumentou a velocidade de fluência do tempo nas grandes cidades, irreversivelmente!
J.A.R. – H.C.
Luís Aranha
(1901-1987)
O aeroplano
Quisera ser um ás
para voar bem alto
Sobre a cidade de meu
berço!
Bem mais alto que os
lamentos bronze
Das catedrais
catalépticas;
Muito rente do azul
quase a sumir no céu
Longe da casaria que
diminui
Longe, bem longe
deste chão de asfalto...
Eu quisera pairar
sobre a cidade!...
O motor cantaria
No anfiteatro azul
apainelado
A sua roncante
sinfonia...
Oh! voar sem pousar
no espaço que se estira
Meu, só meu;
Atravessando os
ventos assombrados
Pela minha ousadia de
subir
Até onde só eles
atingiram!...
Girar no alto
E em rápida descida
Cair em torvelinhos
Como ave ferida...
Dar cambalhotas
repentinas
Loopings fantásticos
Saltos mortais
Como um atleta
elástico de aço
O ranger rascante do
motor...
No anfiteatro com
painéis de nuvens
Tambor...
Se um dia
O meu corpo escapasse
ao aeroplano,
Eu abriria os braços
com ardor
Para o mergulho azul
na tarde transparente...
Como seria semelhante
A um anjo de corpo
desfraldado
Asas abertas,
precipitado
Sobre a terra
distante...
Riscando o céu na
minha busca
Rápida e precisa,
Cortando o ar em
êxtase no espaço
Meu corpo cantaria,
Sibilando
A sinfonia da
velocidade.
E eu tombaria
Entre os braços
abertos da cidade...
Ser aviador para voar
bem alto!
Piloto no Aeroplano
(Autoria não
identificada)
Elucidário:
Ás: exímio, hábil, especialista;
Cataléptico: contraído rigidamente,
como se sofresse de catalepsia;
Apainelado: em forma de painel;
Rascante: diz-se do som áspero, que
arranha.
Referência:
ARANHA, Luís. O aeroplano. In:
__________. Cocktails. Org. por Nelson Ascher e Rui Moreira Leite. São
Paulo, SP: Brasiliense, 1984. p. 95-96.
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