Um poema que nas mãos de Freud daria
páginas e páginas de interpretações, por ter como tema a combinação de sonho e estado
de vigília: a afirmativa tem respaldo no ensaio que o vienense desenvolveu sob
o título “Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen”.
Afinal, até um pássaro a trinar também
surge no enredo do escritor alemão – explico-me, Wilhelm Jensen –, embora seja
um canário, e não um melro. Dou-lhes assim, internauta – a par do belo poema
infratranscrito –, uma oportuna sugestão de leitura, para que possa compreender
o que ora afirmo, com direito a um texto que lhe submeterá até o último
parágrafo. Afinal, Freud também foi um esteta da palavra!
J.A.R. – H.C.
Edwin Morgan
(1920-2010)
The Blackbird
I dreamed I was a
child again,
the bedroom dark and
still.
A blackbird began whistling
from old trees by the
wall.
The notes came out so
clearly
in phrases long and
sweet
I thought he must be
speaking
to some listening
mate.
But he was never
answered
as the day grew
slowly grey.
I crept up to the
window
thinking surely I’d
see
one solitary
songbird,
but though he sang
and sang
with such half-shy
persistence
I never glimpsed a
wing.
I stole back to the
bedclothes,
turned over; it was
five.
I woke, and heard a
blackbird
clear and loud and
live.
He filled me with his
freshness,
more sweet because
more real.
Yet he had set me
dreaming,
If to wake, and feel.
Melro no Inverno
(Archibald Thorburn:
artista escocês)
O Melro
Sonhei que regressara
à infância,
meu quarto estava
calmo e escuro.
Pôs-se a cantar um
melro em velhas
árvores junto ao
muro.
Soltava, em doces
frases longas,
notas tão claras que
eu, portanto,
pensei que, à
companheira atenta,
falasse com seu
canto.
Mas não foi
respondido e, aos poucos,
também se acinzentava
o dia.
Tentei alcançar a
janela,
certo de que veria
um melro solitário e,
embora
o ouvisse sem parar,
suave
na quase tímida
insistência,
não vi nem sombra de
ave.
Voltei aos meus
lençóis, virei-me
e me acordou, às
cinco, o alarde
que, forte e claro,
era de um melro
cantando de verdade.
Frescor mais doce, pois
real:
ele fizera-me,
decerto,
sonhar, se bem que me
deixando
mais lúcido e
desperto.
Referência:
MORGAN, Edwin. The blackbird / O melro.
Tradução de Nelson Ascher. In: ASCHER, Nelson (Tradução e Organização). Poesia
alheia: 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1998. Em inglês:
p. 140 e 142; em português: p. 141 e 143. (Coleção “Lazuli”)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário