Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Edwin Morgan - O Melro

Um poema que nas mãos de Freud daria páginas e páginas de interpretações, por ter como tema a combinação de sonho e estado de vigília: a afirmativa tem respaldo no ensaio que o vienense desenvolveu sob o título “Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen”.

Afinal, até um pássaro a trinar também surge no enredo do escritor alemão – explico-me, Wilhelm Jensen –, embora seja um canário, e não um melro. Dou-lhes assim, internauta – a par do belo poema infratranscrito –, uma oportuna sugestão de leitura, para que possa compreender o que ora afirmo, com direito a um texto que lhe submeterá até o último parágrafo. Afinal, Freud também foi um esteta da palavra!

J.A.R. – H.C.

Edwin Morgan
(1920-2010)

The Blackbird

I dreamed I was a child again,
the bedroom dark and still.
A blackbird began whistling
from old trees by the wall.

The notes came out so clearly
in phrases long and sweet
I thought he must be speaking
to some listening mate.

But he was never answered
as the day grew slowly grey.
I crept up to the window
thinking surely I’d see

one solitary songbird,
but though he sang and sang
with such half-shy persistence
I never glimpsed a wing.

I stole back to the bedclothes,
turned over; it was five.
I woke, and heard a blackbird
clear and loud and live.

He filled me with his freshness,
more sweet because more real.
Yet he had set me dreaming,
If to wake, and feel.

Melro no Inverno
(Archibald Thorburn: artista escocês)

O Melro

Sonhei que regressara à infância,
meu quarto estava calmo e escuro.
Pôs-se a cantar um melro em velhas
árvores junto ao muro.

Soltava, em doces frases longas,
notas tão claras que eu, portanto,
pensei que, à companheira atenta,
falasse com seu canto.

Mas não foi respondido e, aos poucos,
também se acinzentava o dia.
Tentei alcançar a janela,
certo de que veria

um melro solitário e, embora
o ouvisse sem parar, suave
na quase tímida insistência,
não vi nem sombra de ave.

Voltei aos meus lençóis, virei-me
e me acordou, às cinco, o alarde
que, forte e claro, era de um melro
cantando de verdade.

Frescor mais doce, pois real:
ele fizera-me, decerto,
sonhar, se bem que me deixando
mais lúcido e desperto.

Referência:

MORGAN, Edwin. The blackbird / O melro. Tradução de Nelson Ascher. In: ASCHER, Nelson (Tradução e Organização). Poesia alheia: 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1998. Em inglês: p. 140 e 142; em português: p. 141 e 143. (Coleção “Lazuli”)

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