Gullar verte livremente ao português o poema de Lorca, com dois raros
sinais de pontuação, sumariando-o em suas principais ideias, sem receio de
dilapidá-lo, de forma a atribuir-lhe certa uniformidade gráfica, ali onde a irregularidade
da métrica dos versos é a tônica.
Mais presa ao original, a tradução de William Agel de Melo – que renunciamos
a apresentá-la aqui, mas que pode ser apreciada em (LORCA, 1989, p. 451 e 453) –,
por outro lado, permite visualizar de plano o olhar hiperbólico do autor
espanhol sobre o alvorecer da “capital do mundo”.
E ainda que em plena “capital do mundo”, o que o poeta constata na urbe
é a desolação e a ausência de esperança em seus habitantes, desumanizados pela
escuridão, pelo barulho, pela ganância e pela insônia, como se saídos fossem de
“um naufrágio de sangue”.
J.A.R. – H.C.
Federico García Lorca
(1898-1936)
La Aurora
La aurora de Nueva
York tiene
cuatro columnas de
cieno
y um huracán de
negras palomas
que chapotean las
aguas podridas.
La aurora de Nueva
York gime
por lãs inmensas escaleras
buscando entre las
aristas
nardos de angustia
dibujada.
La aurora llega y
nadie la recibe em su boca
porque allí no hay mañana
ni esperanza posible.
A veces las moneda sen
enjambres furiosos
taladran y devoran
abandonados niños.
Los primeros que
salen comprenden com sus huesos
que no habrá paraíso
ni amores deshojados;
saben que van al
cieno de números y leyes,
a los juegos sin
arte, a sudores sin fruto.
La luz es sepultada
por cadenas y ruidos
em impúdico reto de ciência
sin raíces.
Por los Barrios hay
gentes que vacilan insomnes
como recién salidas
de um naufragio de sangre.
Central Park - New
York
(Leonid Afremov:
artista israelense)
Aurora
A aurora de New York
tem
quatro colunas de
lodo
e um furacão de pombas
que explode as águas
podres
A aurora de New York
geme
nas vastas escadarias
a buscar entre as
arestas
angústias indefinidas
A aurora chega e
ninguém
em sua boca a recebe
porque ali a
esperança
nem a manhã são
possíveis
e as moedas como
enxames
devoram recém-nascidos
Os que primeiro se
erguem
em seus ossos
adivinham:
não haverá paraíso
nem amores
desfolhados
só números, leis e o
lodo
de tanto esforço
baldado
A barulheira das ruas
sepulta a luz na
cidade
E as pessoas pelos
bairros
vão cambaleando
insones
como se houvessem
saído
de um naufrágio de
sangue
Referências:
Em Espanhol
LORCA, Federico García. La aurora. In:
__________. Obra poética completa.Tradução de William Agel de Melo.
Edição bilíngue. Brasília, DF: Ed. da UnB; São Paulo, SP: Livraria Martins
Fontes Editora Ltda., 1989.p.450 e 452.
Em Português
LORCA, Federico García. Aurora.
Tradução de Ferreira Gullar. In: GULLAR, Ferreira (Org.). O prazer do poema:
uma antologia pessoal. Rio de Janeiro, RJ: Edições de Janeiro, 2014. p. 254-255.
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