Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Vielimir Khlébnikov - O Único Livro

O poeta assume o discurso da natureza, para desvendar aquele que seria o seu maior e único livro, partindo de um elaborado recital a abranger o microcosmo do individual, até atingir o macrocosmo terreno, fluido como as águas dos inúmeros rios que menciona.

Imbricado na diatribe retórica de Khlébnikov, endereçado a toda humanidade, percebe-se a reelaboração de um conceito que já na Renascença se difunde: os livros sagrados do mundo e suas doutrinas religiosas veiculam o inefável entendimento que temos sobre o tempo e o seu domínio sobre a natureza, e o propósito maior é sintetizá-los em um único livro a dar unidade e abrangência à criação.

J.A.R. – H.C.

Vielimir Khlébnikov
(1885-1922)

Единая книга

Я видел, что черные Веды,
Коран и Евангелие,
И в шелковых досках
Книги монголов
Из праха степей,
Из кизяка благовонного,
Как это делают
Калмычки зарей,
Сложили костер
И сами легли на него
Белые вдовы в облако дыма скрывались,
Чтобы ускорить приход
Книги единой,
Чьи страницыбольшие моря,
Что трепещут крылами бабочки синей,
А шелковинка-закладка,
Где остановился взором читатель, –
Реки великие синим потоком:
Волга, где Разина ночью поют,
Желтый Нил, где молятся солнцу,
Янцекиянг, где жижа густая людей,
И ты, Миссисипи, где янки
Носят штанами звездное небо,
В звездное небо окутали ноги,
И Ганг, где темные людидеревья ума,
И Дунай, где в белом белые люди,
В белых рубахах стоят над водой,
И Замбези, где люди черней сапога,
И бурная Обь, где бога секут
И ставят в угол глазами
Во время еды чего-нибудь жирного,
И Темза, где серая скука.
Род человечествакниги читатель,
А на обложкенадпись творца,
Имя моеписьмена голубые.
Да ты небрежно читаешь.
Больше внимания!
Слишком рассеян и смотришь лентяем,
Точно уроки закона божия.
Эти горные цепи и большие моря,
Эту единую книгу
Скоро ты, скоро прочтешь!
В этих страницах прыгает кит
И орел, огибая страницу угла,
Садится на волны морские, груди морей,
Чтоб отдохнуть на постели орлана.

O Tâmisa perto das Pontes Walton
(William Turner: pintor inglês)

O Único Livro

Vi que os negros Vedas,
o Evangelho e o Alcorão,
mais os livros dos mongóis
em suas tábuas de seda
– como as mulheres calmucas todas as manhãs –
ergueram juntos uma pira
de poeira da estepe
e odoroso estrume seco
e sobre ela pousaram.
Viúvas brancas veladas numa nuvem de fumo,
apressavam o advento
do livro único,
cujas páginas maiores que o mar
tremem como asas de borboletas safira,
e há um marcador de seda
no ponto onde o leitor parou os olhos.
Os grandes rios com sua torrente azul:
– o Volga, onde à noite celebram Rázin;
– o Nilo amarelo, onde imprecam ao Sol;
– o Yang-tze-kiang, onde há um denso lodo humano;
– e tu, Mississípi, onde os ianques
trajam calças de céu estrelado,
enrolando as pernas nas estrelas;
– e o Ganges, onde a gente escura são árvores de ciência;
– e o Danúbio, onde em branco homens brancos
de camisa branca pairam sobre a água;
– e o Zambeze, onde a gente é mais negra que uma bota;
– e o fogoso Obi, onde espancam o deus
e o voltam de olhos para a parede
quando comem iguarias gordurosas;
– e o Tâmisa, no seu tédio cinza.
O gênero humano é o leitor do livro.
Na capa, o timbre do artífice –
meu nome, em caracteres azuis.
Porém tu lês levianamente;
presta mais atenção:
és por demais aéreo, nada levas a sério.
Logo estarás lendo com fluência
– lições de uma lei divina –
estas cadeias de montanhas, estes mares imensos,
este livro único,
em cujas folhas salta a baleia
quando a águia dobrando a página no canto
desce sobre as ondas, mamas do mar,
e repousa no leito do falcão marinho.

(1920)

Referências:

Em Russo

ХЛЕБНИКОВ, Велимир. Единая книга. Disponível neste endereço. Acesso em: 18 mai. 2017.

Em Português

KHLÉBNIKOV, Vielimir. O único livro. Tradução de Haroldo de Campos. In: CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; SCHNAIDERMAN, Boris (Eds.). Poesia moderna russa: nova antologia. 3. ed. Traduções de Augusto e Haroldo de Campos com a revisão ou colaboração de Boris Schnaiderman. São Paulo, SP: Brasiliense, 1985. p. 97-98.

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