Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 30 de julho de 2017

Mia Couto - Ânsia

É sobre a ânsia de não cair na letargia, prima-irmã da morte – ainda que metafórica –, que o poeta moçambicano joga todas as suas fichas: quer ele manter-se nas grimpas das ocorrências, que como ondas do mar, arremetem até as praias em cujas águas nos banhamos.

E o faz para manter-se vivo, fluindo no domínio do tempo e do espaço, sabedor de que subsistir é sempre fenecer aos poucos, quer na carne quer no espírito, motivo por que necessitamos substituí-los de tempos em tempos, renová-los por iteração, ressuscitando-os em nossos sonhos mais diletos.

J.A.R. – H.C.

Mia Couto
(n. 1955)

Ânsia

Não me deixem tranquilo
não me guardem sossego
eu quero a ânsia da onda
o eterno rebentar da espuma

As horas são-me escassas:
dai-me o tempo
ainda que o não mereça
que eu quero
ter outra vez
idades que nunca tive
para ser sempre
eu e a vida
nesta dança desencontrada
como se de corpos
tivéssemos trocado
para morrer vivendo

Em: “Raiz de orvalho e outros poemas”

Ilusão de Ótica nº 8: duas pinturas em uma
(Oleg I. Shuplyak: artista ucraniano)

Referência:

COUTO, Mia. Ânsia. In: __________. Poemas escolhidos. Seleção do autor. Apresentação de José Castello. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2016. p. 105.

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