É sobre a ânsia de não cair na letargia,
prima-irmã da morte – ainda que metafórica –, que o poeta moçambicano joga
todas as suas fichas: quer ele manter-se nas grimpas das ocorrências, que como
ondas do mar, arremetem até as praias em cujas águas nos banhamos.
E o faz para manter-se vivo, fluindo no
domínio do tempo e do espaço, sabedor de que subsistir é sempre fenecer aos
poucos, quer na carne quer no espírito, motivo por que necessitamos substituí-los
de tempos em tempos, renová-los por iteração, ressuscitando-os em nossos sonhos
mais diletos.
J.A.R. – H.C.
Mia Couto
(n. 1955)
Ânsia
Não me deixem
tranquilo
não me guardem
sossego
eu quero a ânsia da
onda
o eterno rebentar da
espuma
As horas são-me
escassas:
dai-me o tempo
ainda que o não
mereça
que eu quero
ter outra vez
idades que nunca tive
para ser sempre
eu e a vida
nesta dança
desencontrada
como se de corpos
tivéssemos trocado
para morrer vivendo
Em: “Raiz de orvalho
e outros poemas”
Ilusão de Ótica nº 8:
duas pinturas em uma
(Oleg I. Shuplyak:
artista ucraniano)
Referência:
COUTO, Mia. Ânsia. In: __________. Poemas
escolhidos. Seleção do autor. Apresentação de José Castello. 1. ed. São Paulo,
SP: Companhia das Letras, 2016. p. 105.
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