Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Allen Ginsberg - Os Termos nos Quais Eu Penso a Realidade

O mundo real pode exaurir as nossas forças ao mudar constantemente, de modo que nunca saberemos o que há de ocorrer ao dobrarmos a esquina. É mais ou menos sobre tal asserção que Ginsberg pondera no poema a seguir, buscando afiançar-se sobre a sensatez dos preceitos que formula.

O poeta nos leva aos mistérios do que se pode depreender de noções como “tempo”, “céu” e “eternidade”, mas logo nos “aterra” sob a perspectiva de que, se tudo é mutável, só nos resta experimentar – mesmo que disso resultem testes deprimentes, frente aos quais são concebíveis realidades distintas, antinômicas, ou melhor, bem mais dignas ou belas, pousadas talvez em níveis inacessíveis, o que, para nós, seria uma infortúnio maior.

J.A.R. – H.C.

Allen Ginsberg
(1926-1997)

The Terms in Which I Think of Reality

A.

Reality is a question
of realizing how real
the world is already.

Time is Eternity,
ultimate and immovable;
everyone’s an angel.

It’sHeaven’smystery
of changing perfection:
absolute Eternity

changes! Cars are always
going down the street,
lamps go off and on.

It’s a great flat plain;
we can see everything
on top of a table.

Clams open on the table,
lambs are eaten by worms
on the plain. The motion

of change is beautiful,
as well as form called
in and out of being.

B.

Next: todistinguishprocess
in its particularity with
an eye to the initiation

of gratifying new changes
desired in the real world.
Herewe’reoverwhelmed

with such unpleasant detail
we dream again of Heaven.
For the world is a mountain

of shit: if it’s going to
be moved at all, it’s got
to be taken by handfuls.

C.

Man lives like the unhappy
whore on River Street who
in her Eternity gets only

a couple of bucks and a lot
of snide remarks in return
for seeking physical love

the best way she knows how,
never really heard of a glad
job or joyous marriage or

a difference in the heart:
or thinks it isn’t for her,
which is her worst misery.

Rolla
(Henri Gervex: pintor francês)

Os Termos nos Quais Eu Penso a Realidade

A.

A realidade é uma questão
de se perceber o quão real
já é o mundo.

O Tempo é Eternidade,
definitivo e imutável;
cada pessoa é um anjo.

Eis o mistério celeste da
perfeição mutável:
a Eternidade absoluta

modifica-se! Os carros estão sempre
descendo a rua,
apagando e acendendo suas luzes.

É um grande plano liso;
podemos ver tudo
em cima de uma mesa.

As amêijoas abertas sobre ela,
os cordeiros comidos por vermes
sobre o plano. Belo

é o movimento de mudança,
assim como a chamada forma
íntima e manifesta do ser.

B.

Em seguida: há de se diferenciar o processo
em sua particularidade com
uma perspectiva voltada ao princípio

de satisfação de novas e desejadas
mudanças no mundo real.
Aqui estamos sobrecarregados

com tão desagradáveis detalhes
que sonhamos novamente com o céu.
Pois o mundo é uma montanha

de excrementos: se tiver de ser
movido de alguma forma, há de
ser transportado aos punhados.

C.

O homem vive com uma infeliz
prostituta em River Street que,
em sua Eternidade, somente obtém

um par de dólares e um monte
de comentários escarnecedores,
por procurar o amor físico

da melhor forma de que é capaz, jamais
tendo ouvido falar, deveras, de um trabalho
aprazível, de um matrimônio jubiloso ou

de uma diferença no coração:
ou imagina que isso não é para ela,
o que é a pior de suas misérias.

Referência:

GINSBERG, Allen. The terms in which I think of reality. In: PINSKY, Robert; DIETZ, Maggie (Coords.). American’s favorite poems: the favorite poem project anthology. New York, NY: W. W. Norton, 2000. p. 99-100.

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