O mundo real pode exaurir as nossas
forças ao mudar constantemente, de modo que nunca saberemos o que há de ocorrer
ao dobrarmos a esquina. É mais ou menos sobre tal asserção que Ginsberg pondera
no poema a seguir, buscando afiançar-se sobre a sensatez dos preceitos que formula.
O poeta nos leva aos mistérios do que
se pode depreender de noções como “tempo”, “céu” e “eternidade”, mas logo nos “aterra”
sob a perspectiva de que, se tudo é mutável, só nos resta experimentar – mesmo
que disso resultem testes deprimentes, frente aos quais são concebíveis realidades
distintas, antinômicas, ou melhor, bem mais dignas ou belas, pousadas talvez em
níveis inacessíveis, o que, para nós, seria uma infortúnio maior.
J.A.R. – H.C.
Allen Ginsberg
(1926-1997)
The Terms in Which I Think of Reality
A.
Reality is a question
of realizing how real
the world is already.
Time is Eternity,
ultimate and immovable;
everyone’s an angel.
It’sHeaven’smystery
of changing perfection:
absolute Eternity
changes! Cars are always
going down the street,
lamps go off and on.
It’s a great flat plain;
we can see everything
on top of a table.
Clams open on the table,
lambs are eaten by worms
on the plain. The motion
of change is beautiful,
as well as form called
in and out of being.
B.
Next: todistinguishprocess
in its particularity with
an eye to the initiation
of gratifying new changes
desired in the real world.
Herewe’reoverwhelmed
with such unpleasant detail
we dream again of Heaven.
For the world is a mountain
of shit: if it’s going to
be moved at all, it’s got
to be taken by handfuls.
C.
Man lives like the unhappy
whore on River Street who
in her Eternity gets only
a couple of bucks and a lot
of snide remarks in return
for seeking physical love
the best way she knows how,
never really heard of a glad
job or joyous marriage or
a difference in the heart:
or thinks it isn’t for her,
Rolla
(Henri Gervex: pintor
francês)
Os Termos nos Quais Eu Penso a Realidade
A.
A realidade é uma
questão
de se perceber o quão
real
já é o mundo.
O Tempo é Eternidade,
definitivo e
imutável;
cada pessoa é um
anjo.
Eis o mistério
celeste da
perfeição mutável:
a Eternidade absoluta
modifica-se! Os
carros estão sempre
descendo a rua,
apagando e acendendo
suas luzes.
É um grande plano
liso;
podemos ver tudo
em cima de uma mesa.
As amêijoas abertas
sobre ela,
os cordeiros comidos
por vermes
sobre o plano. Belo
é o movimento de
mudança,
assim como a chamada
forma
íntima e manifesta do
ser.
B.
Em seguida: há de se diferenciar
o processo
em sua
particularidade com
uma perspectiva voltada
ao princípio
de satisfação de novas
e desejadas
mudanças no mundo
real.
Aqui estamos
sobrecarregados
com tão desagradáveis
detalhes
que sonhamos
novamente com o céu.
Pois o mundo é uma
montanha
de excrementos: se
tiver de ser
movido de alguma
forma, há de
ser transportado aos
punhados.
C.
O homem vive com uma
infeliz
prostituta em River
Street que,
em sua Eternidade,
somente obtém
um par de dólares e
um monte
de comentários
escarnecedores,
por procurar o amor
físico
da melhor forma de
que é capaz, jamais
tendo ouvido falar,
deveras, de um trabalho
aprazível, de um
matrimônio jubiloso ou
de uma diferença no
coração:
ou imagina que isso não
é para ela,
o que é a pior de
suas misérias.
Referência:
GINSBERG, Allen. The terms in which I think of reality. In: PINSKY,
Robert; DIETZ, Maggie (Coords.). American’s favorite poems: the favorite
poem project anthology. New York, NY: W. W. Norton, 2000. p. 99-100.
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