Num poema cheio de contrastes, Pasolini
passa em revista a luta entre o passado opressivo e o futuro a conquistar, ou
melhor, entre a realidade social indigna e a esperança de uma sociedade
solidária – à época adjetivada de “comunista” –, entre coerção e liberdade,
entre declínio moral e perspectivas de mudanças para melhor.
Tal é o sonho da razão vislumbrado pelo
cineasta, poeta e pensador italiano: o desenvolvimento descontrolado assente na
indústria predadora parece-lhe alvo fácil de manipulações, diversamente à
pretendida ideia de um avançar alicerçado em conquistas conscientes.
J.A.R. – H.C.
Pier Paolo Pasolini
Il sogno della
ragione
Ragazzo dalla faccia
onesta
e puritana, anche tu,
dell’infanzia,
hai oltre che la
purezza la viltà.
Le tue accuse ti
fanno mediatore che porta
la sua purezza –
ardore di occhi azzurri,
fronte virile,
capigliatura innocente –
al ricatto: a
relegare, con la grandezza
del bambino, il
diverso al ruolo di rinnegato.
No, non la speranza
ma la disperazione!
Perché chi verrà, nel
mondo migliore,
farà l’esperienza di
una vita insperata.
E noi speriamo per
noi, non per lui.
Per costruirci un
alibi. E questo
è anche giusto, lo
so! Ognuno
fissa lo slancio in
un simbolo,
per poter vivere, per
poter ragionare.
L’alibi della
speranza da grandezza,
ammette nelle file
dei puri, di coloro,
che, nella vita, si
adempiono.
Ma c’è una razza che
non accetta gli alibi,
una razza che nell’attimo
in cui ride
si ricorda del
pianto, e nel pianto del riso,
una razza che non si
esime un giorno, un’ora,
dal dovere della
presenza invasata,
della contraddizione
in cui la vita non concede
mai adempimento
alcuno, una razza che fa
della propria mitezza
un’arma che non perdona.
Io mi vanto di essere
di questa razza.
Oh, ragazzo anch’io,
certo! Ma
senza la maschera
dell’integrità.
Tu non indicarmi,
facendoti forte
dei sentimenti nobili
– com’è la tua,
com’è la nostra
speranza di comunisti –
nella luce di chi non
è tra le file
dei puri, nelle folle
dei fedeli.
Perché io lo sono. Ma
l’ingenuità
non è un sentimento
nobile, è un’eroica
vocazione a non
arrendersi mai,
a non fissare mai la
vita, neanche nel futuro.
Gli uomini belli, gli
uomini che danzano
come nel film di
Chaplin, con ragazzette
tenere e ingenue, tra
boschi e mucche,
gli uomini integri,
nella salute
propria e del mondo,
gli uomini
solidi nella
gioventù, ilari nella vecchiaia
– gli uomini del
futuro sono gli UOMINI DEL SOGNO.
Ora la mia speranza
non ha
sorriso, o umana
omertà:
perché essa non è il
sogno della ragione,
ma è ragione, sorella
della pietà.
In: “Poesia in forma
di rosa” (1964)
O sonho da razão
produz monstros
(Prancha de Goya: pintor
e gravador espanhol)
O sonho da razão
Rapaz do semblante
honesto
e puritano, também
tu, da infância,
preservas além da
pureza o ser vil.
Tuas acusações te
fazem mediador que leva
a pureza – ardor de
olhos azuis,
fronte viril,
cabeleira inocente –
à chantagem: a
relegar, com a grandeza
do menino, o diverso
ao papel de renegado.
Não, não a esperança,
mas o desespero!
Porque quem virá, no
mundo melhor,
terá a experiência de
uma vida inesperada.
E nós esperamos por
nós, não por ele.
Para construirmos um
álibi. E isto
também é justo, eu
sei! Cada um
fixa o impulso em um
símbolo
para poder viver,
para poder pensar.
O álibi da esperança
confere grandeza,
acolhe na fila dos
puros, daqueles
que, na vida, se
ajustam.
Mas há uma raça que
não aceita álibis,
uma raça que, no
instante em que ri,
se recorda do choro,
e no choro do riso,
uma raça que não se
exime um dia, uma hora,
do dever da presença
invadida,
da contradição em que
a vida jamais concede
ajustamento nenhum,
uma raça que faz
da própria suavidade
uma arma que não perdoa.
Eu me orgulho de
pertencer a essa raça.
Oh, eu também sou jovem,
claro! Mas
sem a máscara da
integridade.
Tu não me apontes,
fazendo-te forte
dos sentimentos
nobres – como é a tua,
como é a nossa
esperança de comunistas –,
na luz de quem não
está nas fileiras
dos puros, nas
multidões dos fiéis.
Porque eu estou. Mas
a ingenuidade
não é um sentimento
nobre, é uma heroica
vocação a não se
render nunca,
a jamais fixar a
vida, nem sequer no futuro.
Os homens bons, os
homens que dançam
como nos filmes de
Chaplin com mocinhas
tenras e ingênuas,
entre bosques e vacas,
os homens íntegros,
em sua própria
saúde e na do mundo,
os homens
sólidos na juventude,
sorridentes na velhice
– os homens do futuro
são os HOMENS DO SONHO.
Ora minha esperança
não tem
sorriso, ó humana omertà:
(*)
porque ela não é o
sonho da razão,
mas é razão, irmã da
piedade.
Em: “Poesia em forma
de rosa” (1964)
Nota:
(*) Omertá: humildade, em italiano.
Referência:
PASOLINI, Pier Paolo. Il sogno della
ragione / O sonho da razão. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Poemas.
Organização e introdução de Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias.
Posfácio de Maria Betânia Amoroso. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Cosac Naify,
2015. Em italiano: p. 164 e 166; em português: p. 165 e 167.
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