A poetisa menciona uns tantos felinos que pertenceram a famosos
escritores – como Jorge de Sena, Sophia de Mello, João Miguel, Baudelaire e
Eliot –, para destacar-lhes o que neles há de mais comum, ou melhor, a feroz
independência.
São fidalgos aristocratas e muito amáveis, e passam a vida a cuidar do
lustro de seu pelo e aguçar as próprias unhas. Porque um gato que se preza
jamais se vende facilmente a qualquer um...
J.A.R. – H.C.
Inês Lourenço
(n. 1942)
Amáveis (de amar)
D. Fuas o gato de
Jorge de Sena e
Coral o gato de
Sophia ou
a gata Maravilhas de
João Miguel Fernandes
Jorge e os
de tantos outros como
Baudelaire ou Eliot,
amáveis (de amar) mas
ferozmente
independentes,
olham-nos
dos poemas com
aquelas luzentes e atentas
contas de vidro
(podia aqui comparar com ágatas
ou opalas, mas não
quero entrar
no joalheiro).
Eles são talvez os
mais puros
aristocratas entre os
animais de companhia.
Tratam do próprio pelo
com minuciosos cuidados,
mesmo que não tenham
casa certa e
até na extrema míngua
conservam
uma distante
prudência e unhas afiadas
de quem não se vende
facilmente.
E é tanta a sua
generosa fidalguia
que nunca desprezam a
mão assídua
que lhes afaga o
dorso e partilha
o sedentário desprezo
do mundo,
mesmo doente velha ou
caída em desgraça.
Gata com Gatinhos
(Henriëtte
Ronner-Knip: pintora holandesa)
Referência:
LOURENÇO, Inês. Amáveis (de amar). In:
__________. A disfunção lírica.
Lisboa, PT: Editora & etc., 2007. p. 35.
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