Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 14 de março de 2016

Yves Bonnefoy - A ponte de ferro

A memória da infância tem relevo neste belo poema do poeta francês Bonnefoy, notoriamente perpassado por questões temáticas como a morte, a sobrevivência e a redenção.

A alusão a uma ponte que interliga as duas margens de águas a serem transpostas sublinha um estado avançado de consciência do ser: este já não é estruturado somente pela luz ou somente pela escuridão, senão por uma mescla de ambas, a revelar matizes de consciência e de inconsciência.

J.A.R. – H.C.

Apreciação da Obra do Autor
(LARANJEIRA, 1996, p. 29-30)

Yves Bonnefoy nasceu em Tours (Indre-et-Loire, França) em 24 de junho de 1923, de pai ferroviário e mãe professora primária. Desde a publicação do seu primeiro livro de poemas, Du Mouvement et de l’immobilité de Douve (1953), impôs-se como o autor de uma das obras poéticas maiores do pós-guerra.
Isso se deve às suas extraordinárias faculdades de intuição e ao profundo senso poético que preside à sua vida e à sua produção artística e intelectual, à aguda visão arquitetural e de conjunto, que talvez tenha as suas raízes nos estudos matemáticos e filosóficos a que se dedicou desde a juventude. Depois, na universidade de Poitiers, e em seguida na Sorbonne, prosseguirá cursando matemática, história das ciências e filosofia.
Ainda adolescente, desperta para a poesia lendo Valéry, mas se apegará particularmente a Baudelaire – sobre o qual fará o mestrado –, Rimbaud e Mallarmé. Em Paris, descobre os poetas e os pintores surrealistas, chegando a frequentar o grupo de André Breton. Mantém-se, entretanto, reservado quanto a cenas práticas surrealistas e rompe com o grupo em 1947. Desde então, a sua originalidade se afirma definitivamente.
  Assim, legou-nos a gravidade e a clareza misteriosa dos seus poemas, as quais também transparecem ao longo dos seus ensaias, dedicados, com igual acuidade, à pintura e à poesia, numa busca, sem trégua nem concessões, do vrai lieu – esperança, sempre a preceder a palavra –, da unidade a ser reencontrada. Aceitação do limite, da finitude e da morte que conduz ao encontro, na outra margem, das coisas simples em que revive a manifestação do ser: a moradia, a luz, o fogo, a pedra, a folhagem, a neve... o amor.
Embora não se prenda aos formalismos da poética tradicional, a poesia de Yves Bonnefoy é sempre perpassada por um trabalho muito elaborado sobre a materialidade do signo: ritmos, sonoridades, espacialização. É ele próprio quem nos diz em seus Entretiens sur Ia poésie, “Poeta é quem, numa língua em que há sem dúvida noções inumeráveis, ideias com pressa de dizer tudo, cria relações, não entre ideias, mas entre palavras, pela via de uma beleza de escrita que faz intervirem as sonoridades, os ritmos, e toma a aparência de imagens, irredutíveis à análise”.
Há que se destacar também, como parte integrante da produção poética de Yves Bonnefoy, as suas traduções de Shakespeare, Yeats. John Donne e outros.
Depois de ensinar em várias universidades, na França e no exterior, Yves Bonnefoy foi eleito, em 1981, para o Collège de France, onde lecionou poética até 1993.

Yves Bonnefoy
(n. 1923)

Le pont de fer

Il y a sans doute toujours au bout d’une longue rue
Où je marchais enfant une mare d’huile
Un rectangle de lourde mort sous le ciel noir.

Depuis la poésie
A séparé ses eaux des autres eaux,
Nulle beauté nulle couleur ne la retiennent,
Elle s’angoisse pour du fer et de la nuit.

Elle nourrit
Un long chagrin de rive morte, un pont de fer
Jeté vers l’autre rive encore plus nocturne
Est sa seule mémoire et son seul vrai amour.

(“Hier régnant désert”, em “Poèmes”)

Ponte de Ferro no Outono
(Helen Lush: pintora galesa)

A Ponte de Ferro

Existe ainda por certo ao fim de uma longa rua
Onde andava eu criança um pântano estagnado
Retângulo pesado de morte ao céu negro.

Desde então a poesia
Separou de outras águas suas águas,
Beleza alguma, ou cor a vão reter,
Por ferro ela angustiasse e por noite.

Nutre um longo
Pesar de margem morta, uma ponte de ferro
Lançada à outra margem mais noturna ainda
É sua só memória e só real amor.

(“Reinante ontem deserto”, em “Poemas”)

Referência:

BONNEFOY, Yves. Le pont de fer / A ponte de ferro. In: LARANJEIRA, Mário (Seleção, tradução e introdução). Poetas de França hoje: 1945-1995. Apresentação de Nelson Ascher. São Paulo, SP: Edusp, 1996. p. 35.

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