Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 29 de março de 2016

Jorge Luis Borges - Uma Bússola

Borges é sempre uma referência: não sem motivo sempre voltamos aos seus escritos, seus poemas, invariavelmente pejados de erudição e de sabedoria de vida, num texto com latentes inflexões sobre a virtualidade das experiências vividas.

O poema que escolhemos como objeto desta postagem – “Una Brújula” (“Uma Bússola”) – foi objeto de comento por parte do também erudito crítico George Steiner, nos seguintes termos, suprimidas, por conveniência, as notas de rodapé:

“Labirintos, ruínas circulares, galerias, Babel (ou Babilônia) são constantes na arte do nosso terceiro cabalista. Podemos localizar na poesia e na ficção de Borges cada um dos motivos presentes na mística linguística dos cabalistas e gnósticos: a imagem do mundo como uma concatenação de sílabas secretas, a noção de um idioma absoluto ou de uma letra cósmica – alfa e álefe – que subjaz ao tecido dilacerado das línguas humanas, a suposição de que a totalidade do conhecimento e da experiência está prefigurada num último tomo contendo todas as permutações imagináveis para o alfabeto. Borges leva adiante a crença oculta de que a estrutura do tempo e do espaço ordinariamente percebidos se entrecruza com cosmologias alternativas, com realidades consistentes e multiformes nascidas de nossa fala e das liberadas energias do pensamento. A lógica de suas fábulas se sustenta numa recusa da causalidade normal. Uma especulação gnóstica e maniqueísta (a palavra tem em si uma ação de espelhos) dá a Borges o tropo crucial de um mundo ao contrário. Correntes contrárias de tempo e narração sopram como altos e silentes ventos através de nosso habitat instável e em si talvez apenas conjectural. Nenhum poeta imaginou com mais densidade de vida a possibilidade de que nossa existência esteja sendo sonhada em outro lugar, de que somos a mera figura de um dizer alheio, movendo-se ruidosamente em direção ao fechamento daquela enunciação única imaginavelmente vasta, na qual Jakob Böhme ouvia o som do Logos (STEINER, 2005, p. 94-95).

P.s.: A tradução do inglês para o português, de um poema que, no original, foi escrito em espanhol, implicou que, no presente caso, o título se tornasse “Compasso” na versão para o livro de Steiner, uma transcrição indevida para “Una Brújula”, tudo porque “Bússola” em inglês se traduz como “Compass”...

J.A.R. – H.C.

Jorge Luis Borges
(1899-1986)

Una Brújula

 A Esther Zemboráin de Torres

Todas las cosas son palabras del
Idioma en que Alguien o Algo, noche y día,
Escribe esa infinita algarabía
Que es la historia del mundo. En su tropel

Pasan Cartago y Roma, yo, tú, él,
Mi vida que no entiendo, esta agonía
De ser enigma, azar, criptografía
Y toda la discordia de Babel.

Detrás del nombre hay lo que no se nombra;
Hoy he sentido gravitar su sombra
En esta aguja azul, lúcida y leve,

Que hacia el confín de un mar tiende su empeño,
Con algo de reloj visto en un sueño
Y algo de ave dormida que se mueve.

Bússola e Monóculo
(Jaime Haney: artista norte-americana)

Uma Bússola

 A Esther Zemboráin de Torres

Todas as coisas são palavras do
Idioma em que Alguém ou Algo, noite e dia,
Escreve essa infinita algaravia
Que é a história do mundo. Em seu tropel

Passam Cartago e Roma, eu, tu, ele,
Minha vida que não entendo, esta agonia
De ser enigma, azar, criptografia
E toda a discórdia de Babel.

Por trás do nome há o que não se nomeia;
Hoje senti gravitar sua sombra
Nesta agulha azul, lúcida e leve,

Que até o confim de um mar estende seus esforços,
Com algo de relógio visto em um sonho
E algo de ave dormida que se move.

Referências:

BORGES, Jorge Luis. Una brújula. In: __________. Obras completas: El otro, el mismo. v. II. Buenos Aires, AR: Emecé, 1989. p. 253.

STEINER, George. Depois de Babel: questões de linguagem e tradução. Tradução de Carlos Alberto Faraco. Curitiba, PR: Editora da UFPR, 2005.

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